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Predella e Bk’: ganhos do rap e análise

By 12 de janeiro de 2017 No Comments

No sábado, dia 7 de janeiro de 2017, uma postagem no Facebook deu início a uma nova polêmica na cena do rap nacional. O autor era Lucas Predella, integrante do grupo paulista Costa Gold, que questionou, dentre outros pontos, a percepção de que “uns menino” dominaram o rap em 2016. A postagem, que foi divulgada com clipe de “.155”, pode ser vista na íntegra abaixo:

Quem acompanhou a cena sabe que o rapper paulista pode se referir ao carioca Bk’, que conquistou uma legião de fãs e entusiastas com suas figuras de linguagem e wordplays, além de ter lançado o que muitos consideram o álbum do ano, Castelos & Ruínas (2016).

A resposta veio em um vídeo, compartilhado por veículos da mídia do rap dias depois, que mostra o rapper, junto de Djonga e JXNVS, com notas de dinheiro na mão e mandando um recado para o paulista. Um sonoro “vai tomar no c*” parte de Bk’, ofensa que é depois reforçada por Djonga com gestos obscenos. Confira o vídeo abaixo:

Nada mais se desenrolou nessa história até o momento em que esse artigo foi fechado.

Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro que o episódio é positivo para a cena do rap nacional. Não porque Predella questionou a suposta soberania de Bk’, não porque o carioca o ofendeu publicamente, e sim pelo conflito, pelo distanciamento da noção de que “rap é união”, e pelo que isso pode modificar ou potencializar a criatividade do fazer artístico dos rappers. Sim, é possível que estejamos olhando para um ambiente fértil para a criação de excelentes obras de arte que podem ficar para a história e elevar ainda mais o nível da qualidade do rap nacional. Ora, se de fato nos espelhamos no rap norte-americano – e a ascensão recente dos chamados cyphers são uma das provas disso ­–, é imediata a conclusão de que uma cena madura, produtiva, lucrativa e saudável passa sim por desavenças, brigas, conflitos e episódios como esse entre artistas do meio.

Entretanto, é claro que não se pode deixar de falar: vemos em nomes mais conhecidos como Tupac e Notorious BIG, e em outros menos conhecidos como Scott LaRock – aqui há uma grande lista dos que poderiam ser citados –, que essas chamadas beefs podem custar a vida de verdadeiros gênios musicais que poderiam fazer muito pela cultura Hip-Hop se ainda fossem vivos (Tupac faria, em junho de 2017, 46 anos). Portanto, não se trata aqui de um apoio cego à guerra física e material entre dois grupos de pessoas. Trata-se sim de apoiar que o conflito se reflita na arte, até o ponto em que o rap ganhe com isso. Como bem sabemos, é pelo conflito que as mais brilhantes e clássicas disses de todos os tempos são feitas. Se restrito às discografias de cada um, o conflito sempre vai ter um vencedor, necessariamente: o rap.

Dito isso, entramos nas questões específicas do caso.

Independente do posicionamento subjetivo de qualquer um diante da obra de Costa Gold, é preciso respeitar o trabalho que os paulistas vêm fazendo na cena nacional. Como bem apontado pelo Predella, o Costa vem se mostrando um grupo prolífico, além de estar se tornando uma potência comercial, porta de entrada do rap para os mais jovens e um possível braço do gênero no cenário musical mainstream brasileiro no futuro. É justo dizer há mérito ou valor em se tornar o terceiro maior grupo de rap nacional a atingir 1 milhão de inscritos no canal do YouTube. É justo dizer que shows lotados dizem muito sobre a influência do Costa Gold.  É justo dizer que 10 anos é um bom tempo de carreira e que muito pode ser feito pela cultura nesse período.

É injusto, entretanto, restringir o rap a apenas isso. Predella fala dos números como critérios objetivos da qualidade artística. Não é necessário conhecimento avançado qualquer sobre arte para identificar isso como um erro. No Raplogia, nossa review (feita inclusive pelo autor presente) não concorda em classificar o Cacife Gold como “foda pra c*****”, como os números podem sugerir e como alguns podem acreditar.

Analisando as produções de Costa Gold e Cacife Clandestino, é possível ver que ambos têm qualidade artística o suficiente para buscar inovações em sua própria arte e tomar o protagonismo da cena. Infelizmente, não foi dessa vez. É triste que a primeira união formal em um trabalho colaborativo entre cariocas e paulistas da “nova escola” seja representado por este EP, cujo maior ponto positivo seja talvez a paródia de “Vice City (ft. Kendrick Lamar, Schoolboy Q e Ab-Soul)” do Jay Rock. Cacife e Costa, com todo o seu potencial de criação artística, gravaram um EP decente, mas que só mostrará novidade a ouvintes novos ou pessoas que acabaram de chegar na cena do rap. Aos que já conhecem o trabalho dos grupos, Cacife Gold (2016) pouco acrescenta qualquer coisa. – “Review: Cacife Clandestino e Costa Gold – Cacife Gold (2016)”, RAPLOGIA, 29 DE AGOSTO DE 2016.

Nesse caso, parece impossível omitir o óbvio: o fato da música vender não quer dizer que ela seja boa para todo mundo, tampouco que o artista que a vende seja o melhor da cena. É bem verdade que seria mais fácil identificar o melhor artista de rap do ano dessa forma, pois bastaria apenas calcular seus lucros. Felizmente, o rap não é feito só de hits. Também devem entrar no debate músicas que vão além do que pedem os ouvidos populares. Castelos e Ruínas, nesse caso, serve como luva.

Isso nos leva a outra discussão que é levantada por esse episódio foi inclusive pauta de um dos tópicos criados na comunidade brasileira do site americano genius.com: é pra isso tudo? Quer dizer, seria o Bk’ super estimado? Reformulando as perguntas: é preciso colocar um pé no freio na empolgação com que se avalia o lugar de Bk’ no rap brasileiro? Segundo discussões virtuais e pessoais desse autor, a maioria acredita que não, mas há discussão.

É preciso admitir, nesse complicado debate, que Bk’ não é intocável. A postagem de Predella, assim como a postagem do fórum do Genius Brasil, mostra isso. Pensemos que o carioca tem em sua discografia trabalhos de qualidade tanto como artista solo quanto como integrante do grupo carioca Nectar Gang, do bairro do Catete, já tradicional no rap nacional. A questão que incomoda, na verdade, é o tempo. É inegável que o nome do carioca teve um reconhecimento muito recente na cena, ainda mais se considerarmos apenas seu trabalho solo. Melhor de 2016? Talvez, pois não se trata aqui de apontar um ou outro. Se trata de dizer que não é unânime (e nem deveria ser) que seu trabalho até agora é o bastante para que ele seja classificado o melhor do MC do Brasil. A estrada que ele construirá no ano de 2017 e nos outros que estão por vir vai colocar em cheque essa percepção e, nesse caso, é esperar para ver.

Todas essas questões podem ser mais aprofundadas, servindo de assunto para diversos artigos com valiosas discussões sobre como o rap nacional deveria avançar. A intenção desse artigo é contribuir para um debate rico em ideias, o mínimo que o Raplogia pode fazer para ajudar o gênero a crescer. O episódio pode se desenrolar numa dinâmica novela com grande alcance, onde seus personagens dividem o diversificado contexto brasileiro na problemática (e clássica) relação entre o comercial e o underground da cultura Hip-Hop. Alerta de spoiler: o rap ganha no final.

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