Tiffany Theater, ano desconhecido. O ator Al Pacino assiste o clássico de Howard Hawks, Scarface, lançado em 1932, e encontra uma grande oportunidade enquanto vê o ator Paul Muni ser o gângster Tony Camonte nas telonas. Após o filme, Pacino liga para o seu agente, Martin Bregman, que também é produtor e dá a ideia: o potencial para uma refilmagem era imenso.

Dessa forma começa a produção do clássico Scarface, de 1983, uma refilmagem de um filme dos anos trinta que retrata a caminhada no crime de um imigrante italiano em Chicago. O background do filme original era diferente da refilmagem estrelada por Pacino, apesar de contar a mesma história.


Com Sidney Lumet ligado ao projeto, ele tomou algumas liberdades de elaborar uma história em volta do Êxodo de Mariel, em vez da história da Lei Seca nos Estados Unidos. O Êxodo de Mariel tratou-se uma emigração em massa de cubanos para os Estados Unidos que aconteceu durante o ano de 1980.

Lumet saiu da direção do projeto após diferenças criativas com Bregman, que trouxe Brian De Palma como diretor e Oliver Stone como roteirista do projeto. Ambos não haviam gostado da proposta de manter a década de 30 como plano de fundo, e conversaram com Lumet sobre a ideia de fazer Scarface sobre um imigrante cubano.

Stone trocou o álcool pelas drogas, e tornou o plano de fundo da história uma espécie de luta pessoal. Durante o desenvolvimento do roteiro, ele vivia uma batalha contra a cocaína, e viajou para Paris para escrever o filme.

Scarface estreou em Dezembro de 1983 nos Estados Unidos, e com o tempo, se tornou um clássico atemporal. Trazendo uma das melhores atuações de Al Pacino, o filme mostrava como ninguém os bastidores do narcotráfico em uma década a qual as drogas foram bastante presentes.


O personagem de Al Pacino, Antonio “Tony” Montana é definitivamente um dos personagens mais complexos do cinema, com motivações ambíguas e ações imprevisíveis. Porém, uma década depois, Pacino e os produtores do filme não imaginavam um legado que deixaram: a idolatria dos rappers.

Por que Scarface é tão adorado pelos rappers?

Na década de 1980, o rap dava seus primeiros passos nos Estados Unidos. Artistas do leste do país faziam sucesso, enquanto outras partes do país engatinhavam. No sul, mais precisamente em Houston, o rap começou a aparecer de uma forma mais intensa entre 1986 e 1988, principalmente quando a gravadora Rap-A-Lot iniciou sua caminhada com alguns dos artistas mais importantes da época.

Discotecava em Houston um DJ chamado DJ Akshen. Em 1989, ele lançou o single “Scarface/Another Head Put To Rest“, já com a sua nova alcunha… Scarface. O lendário rapper, após esse som, assinou com a Rap-A-Lot e entrou para o Geto Boys, tornando-se um dos maiores contadores de história do Rap. A troca de nome foi devido o rapper ter gostado da alcunha na música que havia sido lançada, decidindo manter o nome.


Na capa do seu segundo disco solo, uma referência clara ao filme de Brian De Palma: o título é The World is Yours, e toda a identidade do álbum foi baseada na obra. O sucesso desse projeto, fez a popularidade do filme se dissipar dentro da cultura em diversas áreas da música que tanto amamos.

“Scarface the movie did more than Scarface the rapper to me”
JAY-Z – Ignorant Shit, 2007

Durante a década de noventa, o rap norte-americano passou por algumas transformações. Rappers elaboravam rimas com uma maior habilidade, os instrumentais, com o avanço da tecnologia, evoluíram, e as referências aumentaram. Grande parte dos artistas dessa década, cresceram nos anos oitenta, uma década extremamente tumultuada em inúmeros aspectos.

Epidemia do crack, gangues, pobreza e a violência policial atingiram a comunidade negra dos Estados Unidos com uma força inimaginável, afetando diversas famílias. Inúmeros rappers tiveram suas vidas afetadas, e essas experiências foram pinceladas em várias rimas que ouvimos na década de noventa.

Muitos desses artistas assistiram Scarface quando jovens e a persona de Tony Montana montou uma espécie de característica muito forte na mente de vários deles, independente da realidade da qual eles vinham ou rimavam. Podemos pegar de exemplo o rapper JAY-Z.

Shawn Carter trabalhou nas esquinas do Brooklyn vendendo drogas por alguns anos. Sua história nas ruas poderia ser uma temporada inteira de The Wire, e sua caminhada para o sucesso se assemelha à de Scarface quando observamos a ascensão do personagem.

Jigga foi um dos rappers que mais colocaram referências ao filme em suas músicas na história, sendo claramente um dos seus filmes favoritos. Não é à toa o gosto do rapper fela película de 1983: ele realmente significa algo para Jay.

Durante o lançamento do filme em 1983, os críticos não foram muito bem receptivos com o projeto. A violência e a linguagem gráfica do filme trouxeram muitas críticas negativas, incluindo de pessoas da indústria. Diferentemente do público, majoritariamente masculino, que ficou encantando com a história do cubano Antonio Montana, e muitos desses fãs estavam nos guetos norte-americanos.

“Ele é um super-herói do gueto,” disse Fat Joe no filme Scarface: Origins Of A Hip Hop Classic, um documentário organizado pela Def Jam para celebrar vinte anos do clássico, com a película, a gravadora lançou uma compilação de 23 músicas chamada Music Inspired by Scarface, com algumas das mais icônicas referências ao filme. O presidente da Def Jam na época do lançamento do projeto, Kevin Liles, diz que trata Scarface como um “conto do gueto” em vez de um filme sobre droga. Essa declaração mostra como o filme influenciou uma geração inteira, e como eles e Tony tinham o mesmo objetivo, como disse o rapper Nas: “Ele buscava o sonho americano”.

“Ele lutou na categoria de anti-herói, onde ele está errando, mas os espectadores estão torcendo por ele, pois ele veio do nada e atinge o topo. Então acredito que no hip-hop, é isso que atrai as pessoas para o personagem”
– André 3000

Existe uma expressão chamada “rags to riches” em inglês, que em uma tradução literal é “trapos para a riqueza“. Ela é extremamente usada para identificar histórias de sucesso de pessoas que não tinham nada e conquistaram o topo.

Essa expressão pode ser usada tanto na vida real quanto em histórias fictícias. Filmes como Rocky, Goodfellas, The Gold Rush e Scarface fazem dessa expressão o plano de fundo das suas histórias.

Além de toda a extravagância de Tony Montana, ele é extremamente glorificado por ser uma pessoa que saiu do nada, para ter tudo. No caso dessa expressão, não importa o meio que se é chego no topo, importa o fato de chegar até lá. Montana, por meio do tráfico de drogas, se torna uma pessoa poderosa e rica.

O mundo é seu!

Sobre a relação de Tony com as minorias, Diddy fala: “Tony era como um de nós, ele foi pressionado contra a parede. Ele teve de lutar para conseguir as coisas no mundo. Essa é uma das razões as quais minorias tendem a se identificar com ele. Especialmente como negros e minorias do interior, onde o tráfico de drogas foi uma das únicas formas de sair daquela situação.”

Scarface: Origins Of A Hip Hop Classic ganhou apreço do próprio Tony Montana. Em 2011, no lançamento do bluray do filme, Al Pacino reconheceu e agradeceu o rap por ser um dos maiores apoiadores: “As pessoas da indústria do hip-hop e os rappers se juntaram, fizeram um documentário e falaram sobre o filme. Eu não acho que ninguém mais falou tão articuladamente e claro sobre isso. Eu entendi mais ouvindo eles do que eu falando sobre. Eu quero dizer, eles realmente entenderam e é uma coisa ótima. Eles vem sendo apoiadores por todos esses anos. Nos ajudaram muito.”

É lendo tudo isso e descobrindo todas essas informações vindas de rappers, que podemos definir: Tony Montana é uma dos personagens que mais inspiram o hip-hop, e ele não faz nem parte dessa cultura.

Referências: samples, citações e diálogos do filme usados no rap

Além da influência e legado que o filme deixou na área comportamental do hip-hop, ele ainda nos rendeu muitos samples usados em inúmeras faixas de rap. Diálogos, músicas da soundtrack, interpolações e referências diretas ao filme não faltam nesses 35 anos de Scarface.

O italiano Giorgio Moroder foi o compositor da trilha sonora de Scarface. Nos anos oitenta, a disco era uma febre e os clubes de Miami eram movidos a esse tipo de música – além de cocaína. Giorgio conseguiu colocar todo esse sentimento na trilha sonora, que ganhou vida própria após o lançamento do filme e foi extremamente utilizada em samples em diversas músicas na história do hip-hop.

Mas além da trilha sonora, os diálogos do filme ganharam grande espaço nas músicas. Com um roteiro extremamente preciso, cortesia de Oliver Stone, Scarface tem diálogos esplêndidos, que, acabaram de uma forma ou outra, entrando em raps famosos, como você pode ouvir no começo da faixa “Criminology” do rapper Raekwon.

É por isso, que para você ter uma experiência incrível com esse post, que preparamos uma playlist com um compilado dessas músicas. Através delas, você entenderá um pouco do impacto musical do trabalho de Brian De Palma e Al Pacino no hip-hop. Espero que gostem!

Scarface está disponível na Netflix. Separe duas horas e quarenta e cinco minutos do seu dia para vê-lo e entender um pouco mais sobre esse personagem que faz parte do vasto leque de influências do hip-hop.

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe