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“The Story of O.J.” de JAY-Z e as animações racistas do século passado

By 16 de julho de 2017 No Comments
“The Story of O.J.” é uma das melhores faixas do disco 4:44 e traz um vídeo animado incrível. 

O novo disco de JAY-Z saiu no fim do mês passado e já conseguiu alcançar números extraordinários. 4:44 ganhou o certificado de platina sem nem mesmo ter uma cópia física lançada – o RIAA contou os downloads feitos durante o tempo que o projeto ficou disponibilizado gratuitamente na internet. Ele é, definitivamente, um dos melhores discos do rapper do Brooklyn, seja em nível de maturidade para contar histórias e passar a sua visão sobre situações vividas, ou seja pelo lírico imposto no álbum, que fala muito sobre a sociedade afro-americana e também sobre a sua própria vida. Um dos grandes destaques de 4:44 foi a música “The Story of O.J.“.

A faixa que chama a atenção pelo seu nome e também pelo vídeo. O nome que remete ao ex-jogador de futebol americano, O.J. Simpson, acusado de assassinar sua esposa em sangue frio no ano de 1995, nos deu a ideia de que JAY-Z iria usar a história do ex-astro como plano de fundo para falar de racismo. De certa, maneira, acertou-se, mas as referências à O.J. são apenas no título e em uma linha da música.

Nessa faixa, JAY-Z fala sobre como a sua missão é ganhar dinheiro através de investimentos e basicamente dá uma de coaching financeiro falando sobre o assunto – anotei várias dicas, Jigga, deixa comigo. Mas é importante como o rapper toca em assuntos delicados de uma maneira sutil, mas que atinge extremamente forte. Ele fala dos rótulos dados aos negros nos Estados Unidos durante anos, e deixa críticas ao modo de vida de rappers e personalidades, que preferem gastar dinheiro nos clubes de striptease do que fazer investimentos.

You wanna know what’s more important than throwin’ away money at a strip club? Credit<br> You ever wonder why Jewish people own all the property in America? This how they did it
― JAY-Z – The Story of O.J.

Uma das coisas que mais me chamou a atenção em “The Story of O.J.” foi o seu vídeo, feito como se fosse uma animação dos anos 50. Se na faixa, a crítica ao racismo vem de forma sutil, no visual, ela é bastante explícita. JAY-Z usa todos os estereótipos que artistas usavam para desenhar negros na época da segregação racial. A ideia do rapper foi usar dessas imagens para mostrar que até a mais inocente arte pode conter atos descarados de racismo, e também, usar as mesmas ferramentas para combatê-lo. É possível que uma das maiores inspirações para o vídeo, tenha sido uma montagem feita por Spike Lee no filme Bamboozled (A Hora do Show, 2000), que fala dos negros no mundo do entretenimento ao longos dos anos. O vídeo também retrata fortemente a escravidão com personagens tipicamente africanos chegando a América de navio e eles já trabalhando em campos de algodão.

The Story of O.J.” usa um sample de Nina Simone, da música “Four Women“. A presença da cantora na música claramente é utilizada como uma grande crítica, sendo que ela foi uma das maiores ativistas dos Direitos Civis. “Four Women“, usada como recorte, é uma poderosa música que mostra quatro cenários em que o racismo atinge mulheres.

O vídeo foi dirigido por JAY-Z e por Mark Romanek, trazendo muitas cenas críticas, sendo tão importante quanto a música. Aqui estão algumas das inspirações do vídeo:

LOONEY TUNES

Uma das referências mais explícitas do vídeo é a sequência de abertura com o personagem Jaybo, que imita a marca registrada dos desenhos Looney Tunes, com um círculo trazendo determinado personagem no meio.

Propriedade da Warner Bros., a série Looney Tunes é uma das mais famosas séries de cartoons da história e co-existiu com outra série da companhia, a Merrie Melodies. Durante a década de 30 e 40, ambas séries de curtas animados usaram frequentemente estereótipos racistas em suas produções.

11 produções das companhias formam o Censored Eleven, um grupo de cartoons banidos na televisão americana desde 1968 por estereótipos étnicos e racistas, considerados ofensivos para a audiência contemporânea. Grande parte dos desenhos retratava negros usando características do blackface, por exemplo.

O personagem de JAY-Z no vídeo de “The Story of O.J.” andando pelas ruas em uma sociedade nas quais os negros são retratados como viciados em jogos em bebida é retirada do desenho Clean Pastures, assim como os anjos negros, que no vídeo, referem-se as vidas de jovens negros mortos nas ruas.

COONSKIN

Coonskin é uma animação adulta de Ralph Bakshi, o mesmo artista que dirigiu Fritz, the Cat – ambas para o público maior de 18 anos. Bakshi baseou o início da sua carreira em obras para o público adulto e contando histórias urbanas.

Coonskin tem cenas animadas e em live-action. É extremamente inspirado no blaxploitation, gênero do cinema estrelado apenas por negros e que fez grande sucesso durante a década de setenta.

The Story of O.J.” retira alguns elementos de Coonskin como a inspiração no blaxploitation e os estereótipos, que no vídeo de JAY-Z são utilizados de maneira menos abrasiva.

DUMBO

A animação da Disney foi produzida em 1941, sendo um dos maiores sucessos da companhia. JAY-Z se transforma no personagem Dumbo em um momento do vídeo em um jogo de palavras com a palavra “Dumb” (burro), que foi como ele se sentiu ao passar a compra de um prédio em uma área residencial de Nova York por 2 milhões de dólares e hoje o valor do mesmo ser 25 mi.

Mas virar Dumbo no vídeo não é apenas seguir o que a música fala. O filme Dumbo recebeu inúmeras críticas sobre racismo e isso não é bastante evidente ao assistirmos. Na produção, alguns dos companheiros do elefante são corvos, construídos em cima do estereótipo negro usado na época. O líder desses corvos chama-se Jim Crow, termo pejorativo para se referir aos negros. Existiam também as Leis de Jim Crow, que separavam brancos dos negros no sul dos Estados Unidos da América durante anos. As leis revogadas em 1964 após o Ato dos Direitos Civis são brevemente referenciadas no vídeo de “The Story of O.J.” quando Jaybo está sentado na parte feita para negros em um ônibus.

SCRUB ME MAMA WITH A BOOGIE BEAT

Scrub Me Mama with a Boogie Beat foi uma música de 1941 que virou um cartoon de Walter Lantz, criador do popular Pica-Pau. O curta é repleto de estereótipos raciais, e JAY-Z utiliza inúmeros deles dentro do vídeo de “The Story of O.J.

Em uma das cenas, um dos personagens aparece comendo uma melancia desproporcional ao seu tamanho, assim como no desenho. Um estereótipo que durou anos, foi de que negros adoravam melancias, e ele era usado de maneira pejorativas pelas pessoas.

No desenho, que foi criticado como uma “caricatura ofensiva sobre a vida dos negros no sul dos Estados Unidos”, uma das personagens é uma empregada que lava roupas em uma cidade chamada Lazy Town (Cidade dos Preguiçosos). Essa mesma mulher, aparece no vídeo lavando roupas. No clipe acima do filme de Spike Lee, o diretor explora em inúmeras partes o desenho como um dos mais ofensivos.

OUTRAS REFERÊNCIAS

Fora dos cartoons racistas, JAY-Z utiliza diversas outras imagem que remetem a escravidão, racismo e a situação da comunidade negra na América. Através da animação, ele retrata por exemplo, a horrível imagem do linchamento de Thomas Shipp e Abram Smith, que inspirou a crianção do poema/música “Strange Fruit” nos anos 30 – essa música, inclusive, teve uma versão gravada por Nina Simone.

Não apenas com “The Story of O.J.“, mas com todo o projeto 4:44, JAY-Z tenta nos mostrar algo muito além da sua vida. O rapper nunca foi tão maduro na abordagem de assuntos tão sérios, o que claramente interferiu para o disco soar tão bom.

Recentemente analisamos referências usadas por Kendrick Lamar em seu vídeo de “ELEMENT“, caso vocês gostem, matérias assim podem retornar com frequência no site. Deixe seu comentário com o feedback!

Matérias usadas como referência:

Exploring the Hidden Racist Past of the Looney Toons

How Jay-Z’s new video references & subverts racist cartoons

Is Ralph Bakshi’s “Coonskin” Still Controversial in 2014?

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe