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Yas Werneck: “A mulher [no rap] precisa ser público e não enfeite”

By 12 de abril de 2017 No Comments

Professora, estudante de matemática e rapper. Yas Werneck, cria do subúrbio do Rio de Janeiro, conta à equipe do Raplogia como foi o lançamento de Hexagonal – seu primeiro EP -,  abre o jogo sobre o papel da mulher no rap e revela a dificuldade de se ver inserida na cena do rap carioca. Hip-hop, música independente e muita correria estão presentes na rotina da cantora de 25 anos, que possui mais de 90 composições. Ela conta que foi com o clipe de ‘Coméki’ [veja aqui], faixa mais tocada do EP, que conseguiu mais abertura. Seu EP está disponível nas plataformas digitais, apesar da resistência inicial da artista. “Achava que as pessoas não iriam querer comprar o CD físico”, conta. Foi exatamente o contrário. O disco é feito um por um pelas mãos da própria Yas. Quem não iria querer? Você pode acompanhar o trabalho da rapper nas redes sociais e em todos os meios digitais. Confira abaixo o bate o papo completo com a Yas Werneck.

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RAPLOGIA: Como foi o lançamento do EP Hexagonal, pós-venda e aceitação do público?

YAS WERNECK: Eu achei que poderia ter feito de uma forma melhor. Poderia ter colocado as músicas primeiro no YouTube e depois ter feito o lançamento do físico. Muita gente não ficou sabendo e até hoje me perguntam: “Caraca, você lançou o CD?”. Fiquei com medo de lançar as músicas nas plataformas e as pessoas ignorarem o físico. Mas, não. Pelo fato do CD ter um diferencial, as pessoas fazem questão de comprar. Nem abrem, só querem ter a capa [O EP Hexagonal é feito artesanalmente e possui seis lados].

RAPLOGIA: Como têm sido os shows? As coisas estão acontecendo…

YAS WERNECK: Depois do clipe de ‘Coméki’, tenho visto as coisas acontecerem mais. As pessoas ficam muito enlouquecidas com essa música. É muito engraçado. Eu já cantei três vezes num show só.

R: Sério? Como foi isso?

YW: Sim, foi em Bangu, em uma festa completamente “humanas”, com uma galera muito “gratidão, vamos aplaudir o sol”, de sandália de dedo. Eu cheguei lá e pensei: “O que eu tô fazendo aqui? Isso vai ser o caos”. Só tocava tropicália na festa, as pessoas dançavam rodando fechando os olhos, balançando os braços. Mas, não foi. As pessoas chegavam em mim e falavam “caramba, você que é a Yas? Eu vi o clipe”. Aí eu fiz o show e todo mundo sabia cantar as músicas. Todo mundo. E foi o melhor show que eu fiz. A galera toda da gratidão cantando de olho fechado. Foi muito maneiro. Quebrei super a cara. O público do rap tá muito variado. A pessoa que tem o estereótipo do rap às vezes não curte o rap mesmo. E o contrário acontece também.

R: Existe algum lugar que você queira muito tocar? Você quer tocar em outros estados, certo?

YW: Sim, muito! Hoje eu quero muito tocar fora do estado. Até comentei em outras entrevistas. Só me levem, paguem minha passagem que a gente desenrola o cachê. É um sonho.

R: Me fala um pouco da produção de música independente. Você ainda faz tudo sozinha?

YW: 100% independente. Desde o CD, às gravações, captações. Pouca grana, muito desenrolo e apoio das pessoas que acreditam no trabalho. Tem sido assim. Tudo. O EP surgiu com uma Vakinha on-line, né? Continua assim. Eu voltei a ficar sem estúdio e tô procurando um lugar. Tô procurando beat também, ou seja, voltei à estaca zero. Eu tenho um produtor executivo, que fecha shows pra mim, ajusta cachê… As pessoas não botam muito fé em mim, não me levam muito a sério. Por isso eu senti a necessidade de ter uma pessoa, um HOMEM, fazendo isso.

R: Acha que tem a ver um pouco com o machismo social?

YW: Também, cara. Tem muito a questão do coleguismo também. Um conhecido vai fazer uma festa e te chama para tocar “no amor”. Aí eu falo logo: “Quem trata disso é fulano, cara. Fala com ele”. Tô vendo mais de forma profissional.

R: Você tem feito isso sua profissão ou ainda sonha em viver de rap?

YW: Se acontecer, beleza. Mas eu entendo que é um meio muito instável. Eu sei que se eu pensar no dinheiro eu vou sair do meu foco. Eu tenho meu trabalho, sou universitária, não tô focando só na grana. Vejo o dinheiro como da seguinte forma: eu tô fazendo meu trabalho, então é justo eu receber por ele, além das pessoas que trabalham comigo e que precisam receber.

R: Você lançou um clipe da faixa ‘Coméki’. Coméki foi?

YW: Foi bem simples, a gente não tinha dinheiro. Foi num estacionamento, em Campo Grande. Ele me deu um retorno bem positivo.

R: E hoje está produzindo mais dois? Quais faixas?

YW: Transparente e Calmaria. Esse depende do clima, temperatura e vai ter uma produção legal. “Transparente” vamos fazer com dançarinos, dança contemporânea. Vai ficar super legal. Vamos misturar bailarinas com street dance. Espero que até meio do ano a gente consiga lançar.

R: Além dos clipes, têm alguma novidade por aí?

YW: Algumas paradas bem legais, mas nada ainda muito confirmado. ‘Coméki’ abriu muitas portas. Fernanda Abreu me mencionou no Instagram dela. Fiz algumas participações e as pessoas disseram que vão lançar esse ano. Vamos ver. Tem mais uma versão de ‘Calmaria’ vindo aí também.

R: Vamos falar de você no rap. Como você tem se sentido, como mulher, na cena do rap carioca? Você disse que ainda não está na cena.

YW: É, não dá, cara. Assim como em SP, é aqui no Rio. E não só no rap, mas em todas as áreas, a pessoa começou de um certo ponto por ter grana, conhecer pessoas etc. No rap é igual. Então, você sendo homem já é difícil de se inserir por não ter nenhum privilégio, ainda mais sendo mulher. Às vezes não só o público, mas também o contratante acha que você não se encaixa naquele público porque você é mulher. Acham que não vão querer ouvir o som de uma mulher, não vão querer ouvir o que ela tem a dizer, enfim…

R: Já sentiu algum tipo de preconceito?

YW: Em roda cultural, na hora do freestyle tá todo mundo ali. Anunciam meu show e a galera dispersa, tipo: “eu não quero ouvir o que essa mulher tem pra dizer”. Aí quando começo com ‘Comeki’, a galera ouve o pesadão e volta. Mas nunca sofri nada abusivo, não.

 R: A cultura de rap ainda é masculina, né?

YW: Total. Eles querem que as mulheres estejam lá, mas não como público ouvinte. Para serem apreciadas… esse é o lance. E quando eu toco em roda cultural eu sempre procuro dar um papo desse: falo para as meninas irem para serem público do rap e não enfeite.

R: Dentro do rap carioca e nacional, existe alguém, homem ou mulher, que você admire e que deseja trabalhar junto um dia?

YW: Eu gosto do Síntese. Acho que ele tem umas ideias bem maneiras. A galera fala muito sobre uma vivencia que não tem. Falam de favela e não moram na favela. Também curto muito a galera dos Antiéticos.

R: E qual é seu objetivo com o rap? Qual é a mensagem que você quer passar?

YW: Eu não consigo falar do rap sem falar do hip hop. Até porque é um dos elementos. Tenho aprendido muito com o gênero. Pra mim o hip-hop é isso: você passar adiante o conhecimento.

R: Hip-hop raiz e nutela.

YW: O hip-hop nutela quer que o evento esteja cheio pra ganhar dinheiro. O hip-hop raiz acredita que se no show tiver 5 pessoas e uma delas sair dali diferente já tá valendo. E é isso. Eu procuro passar nas minhas letras uma mensagem que as pessoas vão se identificar, vão conseguir ser melhor ao ouvirem. A gente ouve ‘Coméki’ e ri porque a letra é de certa forma engraçada e a partir daí já muda um pouco o estado da pessoa. O hip-hop é isso: passar uma mensagem a diante.

R: Hoje qual é sua maior dificuldade?

YW: É continuar sendo contra a tudo isso: o hip-hop que só quer dinheiro, patrocínio, fama, like, seguidores. Confesso que já entrei nessa vibe. Eu pensava: “Preciso ter seguidor porque a Nike vai me ver e vai me dar um tênis”. Já saí dessa. Hoje, eu não quero ser má influencia. As pessoas estão me vendo. Elas me veem quando passo aqui em Madureira, quando posto alguma coisa na minha rede. Então, tomo muito cuidado pra não ser contraditória e não sujar o nome do hip-hop. Isso é muito importante pra mim.

R: Qual é o seu próximo desafio?

YW: Ter estrutura para fazer meus próximos trabalhos. Não só ter uma gravadora, mas um lugar certo. Ter uns beats. Não quero ficar contando com o acaso. Eu acho que o lance é ter estrutura. Eu não sei como eu vou fazer. Não quero passar mais perrengue. Mas vai acontecer. Tenho 90 letras escritas, fora as que eu já lancei. Algumas são boas, outras não. Eu vou escrevendo… Um dia eu vou lançar.

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