Existe um período do ano na cidade americana de Atlanta que os índices de roubos aumentam consideravelmente. Anualmente, lojas são saqueadas, pessoas e residências são roubadas, no que é chamado de “Robbin’ Season” (Temporada de Roubo), e que acontece durante o feriado de Ação de Graças até pouco antes do Natal.
É nesse período que se passa a segunda temporada da série Atlanta, do canal FX, e que foi um dos grandes hits da televisão americana no ano de 2016. Produzida pelo multifuncional Donald Glover e pelo seu irmão, Stephen Glover, a série ganhou prêmios como Critics’ Choice, Golden Globes e Emmy Awards, grandes premiações da televisão norte-americana.
Combinando o cenário do hip-hop de Atlanta com o que há de mais surreal na vida de um jovem negro nos Estados Unidos, a série consegue misturar drama e comédia como ninguém, explorar situações do cotidiano nos guetos americanos e trazer uma diversidade para a telinha.
Sempre ácida e extremamente criativa, a primeira temporada da série teve 97% de aprovação no Rotten Tomatoes e hoje está disponível na Netflix – mesmo com o serviço retirando séries produzidas pela Fox do seu catálogo.
O segundo ano da série estreou no dia 1 de Março e a espera logo se justificou, afinal, novamente Atlanta é uma das melhores séries da televisão.
A segunda temporada de Atlanta é melhor que a primeira?
Para a segunda temporada, a série manteve seus personagens principais e uma estrutura muito semelhante àquela que fez sucesso em 2016, porém dessa vez, Atlanta consegue se distanciar da comédia trazendo situações mais dramáticas e densas de seus personagens.
O maior trunfo de Atlanta é não ser repetitiva, e se os fãs tinham medo que a segunda temporada não alcançasse o nível da primeira, ficaram certamente tranquilos quando a série começou a explorar seus personagens secundários logo no primeiro episódio. Ao longo dessa temporada, a série mostra camadas mais profundas de personagens que não tiveram o maior destaque no primeiro ano, dando episódios centrados neles e explorando ao máximo seus maiores medos e sonhos.
Nem tudo são flores, diz o ditado. E o drama explorado nessa segunda-temporada, mostra que todos os personagens têm muito o que passar ainda para se tornarem realizados. O maior exemplo disso é Paper Boi, que sendo um rapper emergente, deveria ter tudo aos seus pés, porém, o que acontece é que o artista ainda tem problemas não resolvidos em sua vida e também não sabe lidar com a fama.
O mesmo serve para Darius, personagem mais engraçado da série e que teve um episódio para chamar de seu nessa temporada. “Teddy Perkins” é de longe o episódio mais interessante deste ano devido sua carga extremamente dramática no final e críticas sobre artistas que crescem sobre os holofotes. Darius, mesmo sendo um personagem de humor escrachado, é sempre um dos que mais nos fazem refletir na série, e com esse seu episódio, é possível conhecer um pouco mais da personalidade dele.
Podemos definir Atlanta como uma dramédia nessa segunda-temporada, devido o grau do uso do drama, que de longe é mais usado aqui do que no primeiro ano. A partir do quarto episódio, é difícil ver um episódio que termine com um otimista e feliz final. Término de relacionamento, assassinato seguido de suicídio, roubo e decepções são alguns dos assuntos que finalizam episódios tensos e que nos trazem incríveis reflexões.
Hiro Murai novamente dirige grande parte dos episódios, continuando sua parceria com Glover. Trabalho que faz com maestria, sendo um dos grandes responsáveis pela atmosfera da série. Glover coloca suas mãos em alguns episódios que não aparece como Earn, e mantém a qualidade.
Se compararmos com o primeiro ano, a série ganhou muito mais complexidade e camadas. A continuidade dos episódios deixa muito agradável você maratoná-la em um dia e mergulhar nesse universo. O fato de elaborar melhor os personagens secundários é um grande trunfo perante ao primeiro ano, tornando essa segunda temporada, um caso raro entre séries, sendo melhor que o ano de lançamento.
Devo começar a assistir Atlanta?
Definitivamente sim. Se você gosta de um humor mais consciente e de hip-hop da cidade do trap, você deve assistir Atlanta e entender todas as nuances entre a realidade dos clipes, e da realidade mais crua. Mesmo trazendo elementos surrealistas, a série é bem realista e bate forte em algumas feridas ainda abertas na sociedade americana. O racismo é o principal assunto na veia crítica da série, seja em momentos do cotidiano, ou como um todo. Earn é um jovem homem negro tentando prosperar em uma indústria controlada por brancos, seu principal objetivo é prover para sua filha, e essa é uma realidade para muitos outros negros norte-americanos. Ver personagens tentar bloqueá-lo de atingir seus objetivos é bem comum durante os episódios, seja um jantar com a sua namorada, seja uma oportunidade de negócio.
Da mesma forma que toca em assuntos pertinentes para “homens comuns”, Atlanta fala sobre a fama. Paper Boi e seu grande estresse com situações corriqueiras na vida de um artista, ou o fato dele não conseguir se livrar de sanguessugas que estão em sua volta, deixam o personagem bastante impotente de tomar decisões e lidar com tudo o que lhe incomoda.
Se você, de alguma forma, foi impactado pelo vídeo de “This is America” do próprio Glover nas últimas semanas, você deve assistir Atlanta, afinal, o vídeo soa como um grande resumo do que ele vem fazendo desde 2016: conteúdo de qualidade e consciente sobre uma sociedade que ainda tem muito para aprender. Nós já listamos aqui motivos para você ver a série, e essa resenha, é mais um motivo para você entrar no universo de Donald Glover e Atlanta.