Editorial

Quando se estreia com um instant-classic amado pelos fãs de rap, seguido de um álbum que nega repetir a fórmula anterior e conquista a crítica musical, é natural que algumas perguntas surjam sobre qual caminho o artista deverá escolher. Voltar a fórmula do primeiro e agradar os fãs viúvos? Continuar apostando na mistura com outros ritmos e encantar a crítica? Poderíamos estar falando de Kendrick Lamar e o álbum DAMN. (2017), mas estamos falando de BK’ – ou Abebe Bikila e seu terceiro disco solo, O Líder em Movimento (2020).

O novo trabalho do rapper carioca vem estimulado pelas lutas raciais e profundamente conectado ao momento atual – ainda que tenha sido concebido e registrado ainda em janeiro, antes das tristes mortes por violência racial que abalaram o mundo em 2020. No entanto, o racismo é, infelizmente, um tema constante há séculos na nossa sociedade. Narrando a história de um líder negro que passa por uma transição de liderança egoísta para fortalecimento de seu povo através da horizontalização do poder, o terceiro disco da carreira de BK’ aprofunda e toca com precisão, o tema do racismo e alguns de seus desdobramentos.

“Eles mataram Pac, mataram BIG, eles querem matar um mano que resiste!”, BK’ deixa bem claro quais são os líderes que o influenciam logo na primeira linha do disco. Com um tema núcleo tão abrangente como o racismo, fica fácil cair no lugar comum e genérico que muito se vê no rap nacional e as frases prontas que não estão dizendo mais do que o já óbvio do “eu sou preto, a polícia não gosta de mim”. Aqui, BK’ – ou o líder – está preocupado em falar com mais profundidade com a sua comunidade. “Dinheiro para nós não é luxo, dinheiro para nós é proteção” e toda Porcentos 2, por exemplo, são um potente comentário sobre a importância do dinheiro como ferramenta de manutenção das vidas negras. Até em uma luta anti racista e capitalista precisamos, antes de tudo, ter o pão de cada dia.

Foto: João Victor Medeiros

Apesar de narrar a trajetória de um personagem, o storytelling é pouco explorado. Seria interessante ver BK’ se aprofundar nessa técnica na qual já mostrou ter capacidade, como na música “Regras da Loja”, do niLL. São faixas como “Poder” que permitem a fabulação sobre essa história. Nela, virada do beat produzido pelos meninos do Deekapz traduz o colapso desse líder, que se percebe afogado pelo poder e suas paranoias. “Olhar pra trás e ver que tá sozinho, só sangue no rastro do caminho”. Além da dupla, Nansy Silvz produz “Universo” enquanto as outras oito batidas são da responsa de JXNV$. A quase onipresença do beatmaker e rapper da Pirâmide Perdida na produção dos instrumentais confere a musicalidade de OLEM uma unidade maior do que Gigantes – que seguia mesmo uma proposta mais plural – e um refinamento de coisas experimentadas em C&R. Exemplo disso é o beat de “Amor”, que é originalmente da música “Verão no KTT”, nunca lançada e datada de 2016.

Segundo BK’, OLEM e C&R fazem parte do mesmo lado da árvore genealógica de sua criação. O preto-e-branco da capa e a ausência de outros rappers remetem ao disco de estreia, mas as semelhanças param por aí. Nesse novo trabalho, BK’ mira no “edutenimento”, conceito proposto por KRS-One que consiste em entreter mas também dar o “papo reto”. Sem love songs, muitas delas os maiores sucessos do artista, e nem bangers como “Top-Boy”, o terceiro disco do Flow Zidane é uma afirmação da sua capacidade de criar conceitos e aprofundá-los linguisticamente e uma declaração do seu amor ao rap como uma forma de arte plena por si só. BK’ não é músico, muito menos cantor. É rapper. E se orgulha disso, com muitos méritos.

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