O ano é 1998 e Hype Williams é um dos maiores diretores do hip-hop. Entre 1995 e 1998, ele simplesmente dirigiu vídeos de artistas como JAY-Z, Tupac, Notorious B.I.G., A Tribe Called Quest, LL Cool J, Ol’ Dirty Bastard, Busta Rhymes, D’Angelo, entre muitos outros, tendo-se tornado um dos mais requisitados videomakers do cenário.
Com um estilo único, usando lentes fisheye, distorcendo a visão da câmera em volta do foco central, colocando muito contraste e cores em suas cenas, Hype tornou-se conhecido e nos anos noventa, a transição para o cinema não foi algo tão surpreendente.
Belly foi o projeto da vida de Hype e estava sendo preparado desde o começo dos anos noventa:
“Eu sofri um acidente de carro em 1992, e Hype, que conheço desde o jardim de infância, veio ao meu quarto no hospital e disse que quando eu saísse dali, iríamos começar a fazer filmes. Comecei a ideia do filme em 1993. Anos depois, Hype me chama do nada e diz que tem um investidor potencial e que precisava que eu venda a ideia. Como eu sou mestre nisso, voei para Los Angeles e eu encontrei Bill Block da Artisan. Contei toda a história para ele, e ele simplesmente tirou a caneta dele e assinou o contrato ali,” disse Anthony Bodden, um dos autores do filme, para a King Magazine.
A produção independente foi feita através da Big Dog Films, de Hype Williams, e da Artisan Entertainment, uma distribuidora de DVDs que co-produzia filmes desde os anos oitenta.
Além de Bodden, a história do filme também foi criada por Hype Williams e Nas, estrela do filme como o personagem Sincere. Mas o envolvimento do rapper era muito além de uma simples atuação, suas músicas do clássico Illmatic, tornaram-se pequenas inspirações para cenas do longa.
O orçamento de Belly foi de 3 milhões de dólares. Muito desse orçamento foi usado apenas para filmar a cena inicial do longa, onde os rappers chegam ao clube Tunnel, em Nova York. Segundo envolvidos com a produção, essa cena durou cerca de dois dias para ser filmado, com o diretor sendo extremamente exigente com todo o processo. Os incríveis três minutos iniciais são reverenciados até hoje como uma das mais subestimadas cenas do cinema.
O controle criativo era algo que Hype exigia. Durante a produção, ele discutiu diversas vezes com outros produtores do filme, que ao seu ver, estavam tentando tirar esse controle dele. Momentos como a cena no clube de Tunnel mostravam que o filme já estava na mente do diretor, e dificilmente outra coisa sairia nas telonas.
Um dos produtores que tinham problema com o rumo que as coisas iam era Larry Meistrich, dono da Shooting Gallery, produtora que já havia trabalhado em filmes como New Jersey Drive. “Você sabe, Hype era um cineasta de primeira viagem. Existe sempre um grau extra de trabalho que vai ali. Filmes são muito diferentes, em relação a produção, de vídeos musicais. Então acredito que uma forma de ajuste para ele. Vídeos são rápidos, você filma muito em um dia e sem muita forma linear. Em filmes, a forma de filmar é mais devagar e linear, e essas são as regras, e você tem que segui-las” disse Meistrich para a King Mag.
A cena inicial de Belly é definitivamente um vídeo musical. Com Nas e DMX chegando no Tunnel repleto de luzes, cores e pessoas. Essa cena é incrível e pode ser vista abaixo:
Outro problema foi o comportamento de alguns atores durante a produção do filme. Muitos deles apareciam bêbados, chapados ou atrasados nas gravações. Nada surpreendente de um filme que não usava baseados falsos nas cenas.
As estrelas
Como citado anteriormente no texto, as letras de Nas em Illmatic inspiraram algumas cenas do filme, e o papel de Sincere, o gangster mais pé no chão, com sonhos mais conscientes de sair do crime, caiu como uma luva para ele.
Sincere é o personagem menos impulsivo de Belly, usando mais sua cabeça para pensar em movimentações. Essa característica mais pensativa e calma de Sincere, deve-se por ele ter uma mulher e filho esperando-o em casa. Sua esposa não se orgulha de suas atividades e procura com frequência alertá-lo do perigo. Em determinado momento da história, ele procura se reconectar com suas raízes e planeja uma viagem para a África com ambos.
No outro lado, temos um explosivo Tommy, aqui também chamado de Buns. Interpretado por DMX, ele é extremamente impulsivo e ambicioso. A explosividade do então desconhecido rapper na hora de sua fala deu o tom perfeito para o personagem. É impossível imaginar alguém nesse papel – Hype Williams disse que JAY-Z iria fazê-lo.
Os opostos dos personagens principais e seus destinos criam um balanço perfeito em Belly, mesmo com as atuações vistas em tela sendo apenas DMX e Nas interpretando eles mesmos.
A Estética
Quase todo o universo de Belly tem luxo. Logo no início, ao sermos apresentados aos membros da gangue de Sincere e Tommy, estamos na casa do segundo, um lugar onde a arte moderna é extremamente exaltada. Na televisão, Gummo, filme de 1997 dirigido por Harmony Korine, vira parte da história ao se tornar diálogo entre os três personagens.
É essa estética luxuosa que assistimos durante os 92 minutos de filme. Quando visitamos a casa do personagem Ox junto com Tommy, somos expostos a um luxuoso espaço escolhido a dedo por Hype e a um personagem extremamente interessante. Ox é o gangster jamaicano mais perigoso de Nova York, ele vive como um rei e suas jóias são reflexos de todo o poder que ele possui, retraindo o próprio personagem vivido por DMX.
Em questão de ambientação, o filme tem ótimos momentos. Somos imersos ao Queens em diversos momentos e a visita de Tommy à Jamaica é única, tornando Kingston extremamente vívida na tela. Grande parte por responsabilidade do diretor de fotografia Malik Hassan Sayeed, que junto a Hype e Little X, escolheram as melhores locações para as filmagens, apresentando sempre tomadas com bastante contraste e cores.
O Legado
Em um evento organizado na ComplexCon do ano passado, Hype Williams, Nas e T-Boz responderam perguntas do mestre de cerimônia do evento, Damien Scott. O filme da sua vida, como o próprio diretor afirmou no dia, é reflexo do que ele via no seu cotidiano.
Seja um filme bom ou não, Belly tem um legado bastante forte na cultura hip-hop. Esteticamente, o filme estabeleceu padrões e trouxe o que seria cool nos próximos anos. Em significado, ele torna-se ainda maior, sendo que a trama é a realidade da vida de muitas pessoas nos guetos norte-americanos.
Belly também tem um papel importante na formação de diretores negros que saíram dos vídeos musicais para longas-metragem após 1998. Director X, que trabalhou com Hype na película, dirigiu inúmeros clipes entre os anos 2000 até lançar o remake do clássico Super Fly em 2018; Chris Robinson dirigiu ATL em 2006 após anos gravando com rappers de grande porte.
Dificilmente filmes como o próprio ATL, Paid in Full, State of Property e outros importantes filmes para a cultura teriam sido realizados sem o impacto de Belly. Aos seus vinte anos, Belly envelheceu muito bem e promete se tornar cada vez mais necessário.