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Decodificando com Genius: Escama

By 1 de maio de 2017 No Comments

Salve, salve galera, estamos apresentando mais um Decodificando com Genius de uma faixa relativamente recente, “Escama” do Luiz Lins, Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski, todas da PE SQUAD direto do norte. A escolha por esta música para o quadro se dá por dois motivos, o primeiro é a ascensão incontestável do rap do norte e nordeste, graças a “Sulicídio” do Baco e Diomedes que abalou a estrutura da cena. Depois, porque as anotações, além de terem sido muito bem escritas, possuem a aprovação do Mazili, que assina na produção desta faixa e também é o fundador do selo PE SQUAD.

Pra quem não sabe, os artistas também podem ter conta no Genius e quando solicitado esta conta passa a ser uma conta oficial. Desta forma, eles podem fornecer informações sobre sua própria arte, criando anotações, ou respondendo perguntas na página ou ainda aprovar anotações feitas pelos contribuidores. No caso desta faixa, são 18 usuários envolvidos na página e quase todas as anotações foram aprovadas pelo Mazili.

Falando um pouco de”Escama” em geral, a música é um trap produzida pelo Mazili e JNR Beats com um ritmo envolvente, bem propício para a temática da música, como podemos perceber pelo refrão:

Nego de moto, escama
Nego de prata, escama
Nego no poder, escama
Eu sou tipo Barack Obama
A polícia odeia a escama
Esses caras odeiam a escama
PE Squad na casa fazendo fumaça
Meu bonde na caça da grana

A gíria que da nome para a música, escama, seria algo similar à expressão “chavoso”, alguém com estilo e que ostenta na sua forma de se vestir. Também podemos notar que se refere a própria pele, como notamos no refrão pela referência ao ex-presidente americano Obama e ao ódio, que pode vir pela inveja ou pelo preconceito, como é o caso da polícia. Logo, a faixa é uma típica faixa de braggadocio, a qual os MCs utilizam o espaço para se gabar ou contar vantagem de alguma forma.

Vejamos então como cada um dos artistas mostrou ser escama.

Luiz Luis

luiz2

O MC-cantor chega nesta faixa rimando, inclusive no próprio refrão que já fora apresentado. Na sua “justificativa” do porquê seria escama, Luiz passeia por elementos da cultura do norte e nordeste e utiliza de forma criativa o sentido de algumas palavras e expressões.

Eu sou tudo que vocês quiseram ser e não são
E o que vocês não conseguem fingir que são
Falam sem convicção, mas eu vi que são ficção
Fique são, que se pagar de doido a gente faz balão
Aqui é sempre São João

Utilizando outra gíria/expressão do nordeste – fazer balão é uma ameaça, o mesmo que dizer que vai matar alguém -, Luis mostra que as ruas  de sua região também devem ser temidas. Note ainda a referência a festa de São João, não apenas como um elemento da cultura local, mas também como um demonstração que há muitas mortes para quem não fica na linha. O início do verso também se destaca pelo assonância das rimas com “ão”.

Somos Judeus pela grana
Odiamos alemão, eles odeiam a escama

Popularmente, de forma preconceituosa, os judeus são conhecidos pelo apego ao dinheiro. Ao mesmo tempo, os judeus também quase foram dizimados pelos Alemães durante o Holocausto na 2ª Guerra Mundial. Assim, a referência é dupla, tanto pela vontade de ter dinheiro como pelo ódio carregado contra os alemães preconceituosos, afinal, quem é escama, seguindo o significado colocado pelos envolvidos na música, possui a pele escura e gosta de ostentar.

Mas tu se engana se acha que tô na intenção de “várias danadinhas no contatinho do pai”, não
Várias iguarias no contratinho do pai

Muitos artistas são questionados com relação a sua arte, pois muitos tem a intensão apenas de usar isto para conseguir mulheres, por exemplo. LL modifica o trecho do já clássico “Vidro Fumê” do MC TH, deixando claro que seu objetivo com a música é ficar rico, demonstrando isto a partir das exigências que exigirá em seus contratos, algo comum em artistas considerados grandes na região pernambucana, mas que se estende para todo o Brasil ou mundo todo – quem nunca leu alguma história das exigência bizarras da Mariah Carey?

Um cálice pros meus comparsas
Calem-se os que falam demais!

Terminando seu braggadocio, Luiz Luiz manda um brinde aos seus rivais, mostrando que tem o que comemorar, seu sucesso, fruto de seu trabalho, pois enquanto ele vem ganhando espaço na música, os demais só falam. A linha ainda é uma ode a faixa “Cálice”, interpretada por Milton Nascimento e composta por Chico Buarque e Gilberto Gil.

Baco

Uma das características que mais gosto do Baco é o fato dele ser desbocado, abusado nas rimas. Nesta faixa, mesmo mantendo o braggadocio, ele o faz criando um personagem: um indivíduo pronto para curtir uma noite, mesmo que isso signifique arrumar confusão, pois mesmo não pensa nas consequências de seus atos. Isto fica evidente no início do verso que trago aqui em destaque.

Dia de confronto
Torcida, corrida
Cachorro de briga
Direto da antiga
Corrente não é coleira

As brigas de torcida são um assunto bastante polêmico, muito se discute até que ponto uma rivalidade pode se traduzir dentro e fora de campo. Interessante notar como ele faz a transição deste assunto para a questão da corrente, aqui interpretada não apenas no seu sentido figurativo, como uma coleira, mas também como adereço usado pelos pelos escravos antigamente e hoje pelos adeptos da cultura hip-hop como uma joia. A ideia é retomada por Diomedes mais tarde – “Outrora escravos, hoje compramos na joalheria correntes brilhantes”.

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Boné mal-encaixado
Vejo as La Fúria dançar
Essa bunda é pra morar, não quero alugar
Fazendo mais dinheiro do que dízimo
Inimigos dizimo, 6 fodas, 3 assaltos
Então temos 9-9-9-9-9 problemas

Baco também faz alusão para elementos da região que vive, tanto pela história engraçada com o boné mal-encaixado quanto pela banda La Fúria. Em seguida, o MC, aproveitando a deixa das dançarinas da banda baiana, faz referência ao seu colega BK “Tipo a bunda dela era tão grande que dava até para morar”. Por fim, aproveitando o lado ostentação de um escama, Exu se aproveita do homônimo dizimo/dízimo para completar a sua ideia sobre dinheiro ao mesmo tempo que cita sua faixa mais conhecida, “999”. Também percebe a referência a faixa “99 Problems” do Jay Z, o qual o próprio Baco diz ter uma admiração muito grande.

Diomedes Chinaski

Diomedes também estabelece sua perspectiva do significado de escama, reforçando em seu verso aspectos da sua história de vida que o fazem ser verdade e merecedor do título.

Foda-se instante de fama
Sou diamante da lama
Real nego drama, farda não me ama

Logo de início, temos um trecho cheio de significados e referências. Podemos interpretar este trecho como a vontade do MC em ter uma arte que ultrapasse essa geração ou também que sua arte seja valiosa apesar de vir de uma origem humilde. O trecho é construída a partir de elementos do seu contexto – Olinda, por exemplo, é conhecida pelos lamaçais – e alusões à própria cultura, seja a ideia dos diamantes da lama ou a referência a famosa faixa “Negro Drama” do Racionais MC’s. Perceba ainda o reforço da ideia apresenta no refrão sobre o preconceito da polícia na última frase.

E ninguém corta esse axé
Nem sua xenofobia “a la bandeirantes”

Um dos aspectos reforçados nas faixas dos MCs do norte e nordeste é a questão da xenofobia. Nada melhor do que fazer isso usando elementos da cultura negra e da história, os bandeirantes eram descendentes de portugueses da região de São Paulo escolhidos para buscar riquezas, controlar os índios e exterminar quilombos. Dado a data do lançamento, há indícios que ela tenha sido uma resposta a faixa “Inimigos” do Haikaiss como uma resposta ao “Sulicídio” e outras faixas nas quais o DMC tem sido “atacado”, isto tendo em vista que o termo “axé” é comumente usado por quem vem do norte ou nordeste.

Indo para o fim do verso, o MC também faz referência a elementos religiosos, recorrentes em sua música.

Se os maluco botam fé, sou bíblico
Tô a frente do meu tempo
Mermo que a porra do tempo
Seja frio, sem sentimento e cíclico

diomedes

Religião e tempo são elementos que têm sido recorrentes, tanto nas faixas e trabalhos do Chinaski (Ouroboros é um trabalho incorpora elementos do tempo cíclico, o eterno retorno como é bem explicado pelo canal Quadro em Branco) quanto do Baco (basta vermos versos do MC em “Poetas no Topo 2”, “Tropicália” ou “Dissposição”). Ambos artista, além de demonstrarem profundo conhecimento a respeito destes conceitos, também utilizam isto como um recurso para gerar múltiplas interpretações para os ouvintes. Não basta entendermos os versos como são escritos, é necessário buscarmos outros conhecimentos para ter compreensão da mensagem.

E então…

Como podemos ver, mesmo uma faixa que tem como objetivo “se gabar” para os demais MCs e ouvintes podemos encontrar aspectos que demonstram a qualidade dos artistas que tem surgido fora do eixo tradicional da cena. Luiz Lins, Baco e Diomedes, junto com a PE SQUAD, demonstram ter muito a contribuir para a cultura, inclusive são artistas bastante envolvidos em diversos projetos que tem sido assunto das discussões das rodas dos fãs e veículos de comunicação. Afinal, o rap nacional precisava já fazia algum tempo ser retirado da acomodação.

Aproveitando para falar do “ano lírico”, este não é só um momento no qual os artistas estão dando atenção para as letras – uma característica do gênero que existe faz muito tempo -, mas como uma afirmação que os fãs também devem buscar compreender as mensagens passadas, valorizar artistas que tem apreço pela arte como ela é produzida. E se tratando do rap, cada linha, estrofe ou verso bem elaborado é sempre bem vindo. Nós no Genius buscamos valorizat justamente este aspecto, então chega mais para contribuir também.

Até!

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