Após o lançamento do álbum “A Vida de Emmett Till” no ano passado, Delatorvi retorna com um projeto mais denso: sua segunda mixtape, “Gospel Gang”. Com diferentes referências abrangentes a musicalidade gospel, o MC de Nova Lima, Minas Gerais, mostra sua evolução na música e o conceito de prosperidade e paz ao longo das nove faixas que compõem a tape.
Para saber mais sobre suas influências e sobre a criação da Gospel Gang, o Raplogia trocou uma ideia com Delatorvi, que comentou sobre sua jornada na música, projetos futuros e o desenvolvimento do trap no Brasil. Confira!
Raplogia: Quando começou na música? Sempre teve vontade de trilhar uma carreira artística?
Delatorvi: Salve salve, primeiramente! Então, eu comecei como um ouvinte. Gostava de escutar todo o tipo de música, rock, principalmente. Muito neo soul, Tim Maia, Cassiano, Jorge Ben…meu pai ouvia bastante, então tive boas referências musicais. E comecei na música depois que passei a escrever poesia, comecei a formar fonéticas e melodias, mas até então nunca tinha entrado em um estúdio, era tudo um hobby.
Raplogia: E o seu envolvimento com o hip-hop, como aconteceu?
Delatorvi: Meu envolvimento com o hip-hop foi muito abrangente e forte. Sempre gostei muito de filmes, então assistia alguns com temas raciais, só com negros, tipo Juice do Tupac. Eu não sabia o nome das músicas, mas já tinha ouvido.
O mesmo aconteceu com Racionais MCs. Tenho quatro irmãos mais velhos que já ouviam eles, Thaíde, RZO. Mas até então eu não tinha ideia do que era esteticamente, não conseguia formar uma imagem. Foi aí que passei a ver filmes sobre o movimento, que passei a estudar, a entender, e me joguei de cabeça. Frequentei shows, o Duelo de MCs aqui de Belo Horizonte, que é bem histórico, e aconteceu. Foi assim que me vi dentro do hip-hop.
Em entrevista ao Genius Brasil, você comentou que busca criar uma identidade para o seu trabalho, principalmente pensando nos negros. Como faz e incorpora isso nas suas produções e na sua imagem enquanto artista?
Cara, essa entrevista foi muito importante. Um salve para o Genius Brasil! Então, na real, isso é verdade. Tento pautar uma identidade baseada na minha vivência e em uma realidade coletiva. A gente sabe que o racismo está aí, que ele não diminuiu. Simplesmente se sintetizou, as pessoas se adaptam, tá ligado?
É uma parada difícil de acabar, mas falar sobre isso, contar como acontece, é uma maneira de nos fortalecermos. Dentro da música soa como um “ei, estamos sendo oprimidos ainda, a coisa não mudou”. Eu tento inserir isso na minha arte como uma responsabilidade meio que afetiva, vamos dizer assim.
Você acabou de soltar a mixtape “Gospel Gang”. Como foi o processo de desenvolvimento desse projeto?
O processo de criação é bem curioso porque eu gravei em vários locais e mesmo assim conseguiu ser mais caseiro do que o meu álbum “A Vida de Emmett Till”, e um pouco mais “amador” que a minha primeira mixtape “HNMB”. Aqui, eu acho que adotei uma postura mais musical, coloquei mais melodia, um negócio mais cantado e menos combativo. Talvez ainda seja combativo por causa da minha originalidade lírica, mas é isso.
O Gospel veio no conceito de Shalom mesmo, prosperidade e paz. Eu desejo que as pessoas sejam felizes e cantem, sabe? Gospel: como se sentem na presença de Deus. No geral, eu me refiro a música gospel. Os negros que trouxeram essa parada, esse lado musical. O soul e consequentemente o rap estão nesse contexto. Grandes artistas surgiram daí, Kanye West, Beyoncé, Alicia Keys, Vanessa Jackson…
Diante dessa experimentação, o que você mais notou de diferente nesta mixtape para seus demais trabalhos?
Acho que a minha evolução musical. Eu estou bem satisfeito com o meu processo evolutivo, eu amadureci muito.
E como se deu a escolha dos feats?
Ah mano, são artistas que eu sou fã, que eu admiro. Convidei por isso. Sou muito fã do Raffa Moreira, da Brisa Flow, Nego E, Izumed, Makalister, Lil Vazio, Neext, Oreia… São pessoas que eu admiro musicalmente e tenho empatia, uma certa amizade.
Pretende lançar mais videoclipes com músicas presentes na “Gospel Gang”?
Pô, eu soltei o clipe de “Visionário” recentemente. O Raffa soltou “Shalom” no canal dele e logo menos vou lançar “Alta costura” com o Makalister.
Mudando um pouco de assunto, qual a sua opinião sobre a cena trap nacional? Quais pontos positivos e negativos você destaca?
O trap cresceu demais no Brasil, arrisco dizer que já está influenciando a cena pop. A gente se expandiu de forma orgânica, sem precisar comprar views, e etc. Além de toda a influência que geramos na moda, o trap é referência de direcionamento. O ponto negativo está na galera que tenta surfar no hype do trap sem fazê-lo de verdade. Os artistas que realmente vivem disso acabam sendo prejudicados, tanto pela lírica, quanto pela forma como gravam e os efeitos que usam. O que não faz nenhum sentido já que digamos que esse é o “correto”, como se formou. Entendo que a brasilidade seja importante, mas muitos ignoram como o trap é lá fora e como se estruturou aqui.
Nas redes sociais, você está sempre expondo suas opiniões e debatendo sobre diferentes assuntos. Você acha que se posicionar de forma tão objetiva e sem pudor já prejudicou o seu trabalho? Em que medida?
Que pergunta difícil, vocês me pegaram nessa. Mas sim, isso me prejudica pra caralho. Eu estou aprendendo a falar menos. De certa forma, você cria inimigos quando fala verdades e quando não assume a responsabilidade sobre o seu discurso. Uma hora você pode falar besteira, pode errar.
Eu me arrependendo de muita coisa que já falei, assim como me orgulho de ter dito outras. Então, é um ciclo vicioso. O bagulho é saber se equilibrar, como se fosse um slackline, sei lá, saber surfar no próprio hype.
E Quais os seus planos para o futuro? Pode dar um spoiler sobre o que está por vir?
Eu quero lançar um desfile com a minha marca de roupas e produzir um álbum. No estúdio, com instrumentos, menos eletrônico. Spoiler? Ah, logo menos vai ter a mixtape “Maior que Satan” que lançarei com o Loc Dog, que também é da minha banca Savage Mob. Tenho vários planos com a Antehype Music que é a minha produtora, e um projeto de trap funk com o meu mano MC Magrinho. Quem acompanha o Jovem Prince pode ficar feliz porque tem muita coisa boa pra esse e pro próximo ano.
Pra finalizar, qual o seu recado para os que estão começando na música?
Acredite em você. Não desista logo nas primeiras decepções, porque isso vai ter de sobra. Vai ter muito sentinela vendo sua caminhada e seu progresso que vai ficar incomodado, mas pode ter certeza que sua trajetória também fará muitas pessoas felizes. Acredite que você é bom e que pode melhorar, aceite críticas. Faça o que tiver ao seu alcance.
Acompanhe o Delatorvi no Instagram e no Twitter.