“Eu vou gravar meu nome nessa história, já gravei na real… Mas vou borda-lo a mão num throw up feito em linhas de ouro” – É assim que começamos a entrevista com ela, que já carrega luz no nome: Luana – ou Lurdez da Luz.
Na caminhada do rap desde o final dos anos 90 com Mamelo Sound System, carreira solo desde 2009, mensageira de força, mãe de duas crianças lindas, Lurdez nos mostra o porquê de ser um dos nomes mais fortes do Hip Hop nacional.
Confira abaixo a entrevista onde falamos sobre ser mulher, Hip Hop, maternidade e ativismo durante seus quase 20 anos de carreira:
RAPLOGIA: Como foi o início da sua caminhada no rap?
LURDEZ DA LUZ: Primeiro como ouvinte, rolava de me juntar com amigos e ficar ouvindo projeto Rap Brasil e o Balança São Paulo do Armando Martins na Rádio metrô, isso em 92, 93, 94 por aí… Mas sempre ouvi de tudo em paralelo e sempre colei em todos os tipos de rolê na música, sempre fui mais ligada a música ao vivo do que a baile, então fui em muitos shows de rap e festivais que reuniam 15, 20 grupos/MC’s e DJ’s em um evento, era uma overdose (risos)… Mas até eu tomar coragem de começar a apresentar o que eu estava escrevendo pra alguém demorou, comecei em 98 influenciada por uma cena mais alternativa americana do que propriamente pelo rap nacional… Meu lance era mais pra poesia falada, mostrei pros caras do Mamelo Sound System – isso já era em 2000, que na época estavam gravando seu primeiro trabalho no estúdio que eu fui trabalhar como assistente – a YB, que também gravava 509 E, SNJ, e muita coisa de MPB –, eu tive um privilegio maravilhoso de viver isso tão nova… Bom, enfim, mostrei e entrei pro grupo e essa história está registrada em discos, clipes e shows.
R: O que mais te chamou atenção no Hip Hop que fez despertar essa paixão em você?
LDL: São alguns fatores. Ser a voz de quem nunca tinha sido ouvido, que falava sobre as injustiças sociais mesmo sendo sobre a vivência de um povo, que é o povo preto, me atraiu muito porque eu queria falar sobre minha quebrada, no caso a Luz, sobre o abandono, sobre os nossos problemas sociais. Eu também me identifiquei com o fato de trabalhar a fluência das palavras e com rimas, era a forma que eu escrevia espontaneamente e principalmente com o ritmo, os timbres, os samples, senti que era a música da minha geração, era o que tinha de mais fresco sendo feito e que podia misturar com todas as coisas que eu gostava, o jazz, o funk, o rock e a música brasileira… Percebi ser a mais livre de todas as formas de arte que eu conhecia até então, além de ser algo que uma pessoa autodidata podia fazer, e quando digo autodidata não digo ignorante, no rap você tem que estudar.
R: Quais foram as maiores diferenças que você sentiu fazendo parte de um grupo (Mamelo Sound System) e depois entrando na carreira solo
LDL: Eu era protegida, não precisava me preocupar com a parte dos negócios, em ter que articular nada mas também era limitada em minha expressão genuína. Depois consegui tanto em conteúdo quanto em estética me aproximar mais do que queria, e tô aprendendo muito sobre autogestão. Me ferrei demais na carreira solo mas também senti bem mais o gosto das vitórias.
R: Como é ser mãe e MC? Quais as diferenças que você percebe na Luana antes e depois da maternidade? (Inclusive parabéns por ter crianças tão lindas ♥).
LDL: O Rogê me trouxe o primeiro salto em maturidade, tipo coisas que eu ia aprender em alguns anos ou não ia aprender nunca aprendi em poucos dias, tipo insights e experiências que me fizeram ser “gente” (risos)… A Perola está sendo uma experiência mais consciente, com ela dei mais um salto na minha própria evolução e esse foi profundo, um caminho pra cura de feridas antigas que essa menina linda está me ajudando muito… Eu num consigo nem falar sobre eles sem me emocionar… Eu sei que atrapalha demais no corre, muito mesmo, mas a culpa é da estruturação da sociedade patriarcal capitalista, não de querer ser mãe ou de ser mãe a princípio sem querer… Se você não é a Ivete Sangalo em termos de carreira, ta vacilando de ter filho – o mundo te diz, mas eu não acredito no sistema, de verdade, é muito difícil seguir suas verdades, acreditar na lei maior do que nesse esquema onde o jogo se movimenta, mas eu sou fiel, e eu vou gravar meu nome nessa história, já gravei na real… Mas vou borda-lo a mão num throw up feito em linhas de ouro.
R: Quais são suas inspirações? O que/ quem você considera uma motivação na sua caminhada?
LDL: A realidade, tanto a minha quanto a que observo me inspira. A música e o pensar, eu diria todo o imaginário do continente africano me inspira, assim como o que seus descendentes em toda América criam, essa conexão fala mais pra mim do que outras que também chegam a me inspirar como indígena, europeia, que num tem nem como dissociar porquê foi a imposta… Minha família, a que eu construí, é minha maior motivação, e algo que me faz continuar é acreditar na minha contribuição para uma mudança positiva interior e exterior.
R: Como é ser mulher num meio predominantemente masculino como o Hip Hop? Você já passou por situações machistas? Como encara isso?
LDL: Ser mulher nesse mundo é igual pra todas as minas independente das escolhas, digo os problemas são similares em uma escala maior ou menor, além de todas as peculiaridades de classe, cor, traumas e tal, mas tá ai as estáticas de desigualdade e violência que não me deixam mentir. Passo todos os dias por situações machistas, sempre passei e isso foi me deixando mais radical. Eu sempre fui amiga dos caras, mas acreditar que você é um deles é um erro. Não podemos ser condescendentes com as ações e os pensamentos machistas dos nossos amigos, colegas de trabalho, filhos, companheiros… Mas sobre o Hip Hop: é meu fundamento, formação é a minha linguagem e isso é maravilhoso. Mas o julgamento do metiê do Hip Hop sobre mim ou meu trabalho, num tô nem aí.
R: Quais os nomes de minas no Hip Hop nacional que você aponta como estrelas do presente/ futuro?
LDL: No momento a Karol Conká é quem rompeu as várias barreiras em todos os campos, tem a Livia Cruz, Brisa Flow e a Tassia Reis que estão contribuindo pra mudança e fazendo um sons que eu curto, e tem as minas que vão lançar trabalhos que eu boto mó fé como a Bivolt e a Bia D’Oxum… Temos as DJ’s como a Donna de Brasilia e a Miria Alves fazendo diferença, a Flavya Gaeta que alem de DJ é beatmaker e fez um selo agora pra lançar suas produções, e na dança sempre tivemos mulheres incríveis como a Monika Bernardes que é percursora e tem um estilo que mistura várias vertentes ao Hip Hop e hoje a Natacha Vergilio, que extrapola os limites da dança de rua com performances incríveis. Tem muitas minas muito boas, umas você se identifica mais, outras menos, respeito a todas, só não compactuo com produto feito por homem afirmando ser a maior feminista de todas (como se fosse possível medir isso).
R: Quais são seus sonhos e planos para o futuro?
LDL: Rola um passo a passo agora né, num posso ficar ansiosa e nem moscar… Tô no reaquecimento, o mundo não gosta que as mulheres envelheçam, eles querem substitui-las, mas num tem substituta pra nenhuma de nós… O que tô trampando agora tem a ver com arte educação, já estamos tendo vários exemplos de mulheres pra se espelhar, mas chegar perto das novinha pra passar a visão e ajudar a atravessar o “caminho das pedras” tá faltando, é uma parte do trabalho mais dura que num tem visibilidade nem status algum, mas que eu estou disposta a fazer e pensei em formatos e arrumei aliadas e vou realizar. Vou começar também um trabalho audiovisual que será meu próximo lançamento, uma espécie de videomixtape. Eu quero muito fazer no futuro um DVD com as melhores composições da carreira com uma banda grande cabulosa, por que eu mereço!
R: Para finalizar, deixe um salve para as minas que estão começando na caminhada de seguir seu sonho no Hip Hop.
LDL: Minas, se priorizem, muitas são as tentações (risos), mas não acreditem que alguém – principalmente um homem – vai resolver seus problemas, se preparem, estudem e encontrem seu jeito de fazer sua música sem copiar ninguém.
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