O rap sempre serviu para contar histórias, sejam elas verídicas e autobiográficas, ou pura ficção. Durante os anos 80, muitos artistas usaram a música para contar histórias – em muitos casos, divertidas – e definiram uma técnica chamada storytelling como uma das maiores aliadas do gênero. Basta olharmos alguns dos grandes sucessos da década que usavam essa forma de abordagem em suas linhas: “Children’s Story” de Slick Rick, “6 N The Mornin” de Ice-T e “Black Steel in the Hour of Chaos” do Public Enemy. Hoje iremos relembrar a parte do grupo Geto Boys nessa linhagem.

Muito antes das linhas complexas de Rakim, Will Smith como Fresh Prince trabalhava muito o storytelling em suas músicas. Ele contava geralmente desventuras divertidas e pseudo perigosas que aconteciam em sua vida e o seu estilo fazia sucesso. Quando artistas trouxeram uma maior complexabilidade lírica, imaginou-se que seria o fim das histórias simples, mas o negócio só melhorou e um dos grandes expoentes disso é a faixa “Mind Playing Tricks On Me” do grupo texano, Geto Boys.

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O ano é 1988, o grupo Geto Boys vinha de uma recente reconstrução. Os membros originais Sire Jukebox e Prince Johnny C haviam sido substituídos após o fracasso do primeiro álbum por Scarface e Willie D, dois rappers proeminentes de Houston que faziam um barulho no cenário regional – ambos haviam lançados alguns registros pela Rap-A-Lot, gravadora do grupo, o que facilitou a troca de membros no grupo.

O primeiro disco da nova formação dos Geto Boys saiu em 1989. Grip It! On That Other Level teve resultado positivo com a crítica, levando até os famosos 5 Mics da The Source. O impacto do disco foi bem grande em uma cena que apenas se importava com o rap vindo de Nova York ou Los Angeles.

Após intercalarem o próximo disco com um EP lançado em 1990, os Geto Boys voltaram com o disco We Can’t Be Stopped. Entre as 14 faixas desse disco, “Mind Playing Tricks on Me“, o único single – e que baita single. Uma viagem por mentes profundas e uma história insana contada com o mesmo storytelling vindo dos rappers dos anos 80.

Mind Playing Tricks on Me” trata tem como base o transtorno de estresse pós-traumático, que é um transtorno psicológico que ocorre em resposta a uma situação – ou evento – estressante. Os principais sinais e sintomas desse transtorno são pensamentos recorrentes e intrusivos que remetem ao trauma, também como reclusão social, taquicardia, sudorese e distúrbios do sono. Todos esses sintomas são mostrados na faixa através dos versos de Scarface, Willie D e Bushwick Bill.

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Talvez, em questão de storytelling, “Mind Playing Tricks On Me” seja a música mais perfeita. Os Geto Boys nos colocam dentro da música através de versos extremamente intensos. “Eu estava passando por uma parada profunda quando eu era jovem. Estava passando por uma depressão. Queria apenas morrer. Passei muito tempo no hospital lidando com depressão. Eu era um daqueles jovens todo ferrado da mente. Não sabia o que fazer, eu não valorizava a vida naquela época como eu faço hoje. Eu pensava sobre morte, pensava sobre paradas loucas,” disse Scarface  em entrevista para a Complex.

Scarface é a grande mente por trás do som – sem tirar o crédito do resto dos Geto Boys. Dos quatro versos na música, apenas o de Willie D não foi escrito pelo Facemob. A parte de Bushwick, onde o personagem da música tem alucinações, também sai da mente do lendário rapper.

Mind Playing Tricks on Me” é reverenciada até hoje, tendo vários outros rappers interpolando linhas dela e utilizando samples durante toda a história. Biggie por exemplo, faz uma referência a música e ao trio no início do segundo verso da música “One More Chance“, um dos primeiros sucessos comerciais da carreira do rapper. Os Geto Boys também ganharam um salve de um quentíssimo Ice Cube na faixa “When Will They Shoot?“.

Mais recentemente, a icônica música dos Geto Boys inúmeros artistas como o duo Clipse (“Nightmares“), Kid Cudi (“Day N Nite” e “Beez“), Killer Mile (“Big Money, Big Cars“), Prodigy (“Mac 10 Handle“) entre inúmeras outras. O legado que o grupo deixou através dessa música é gigante, e em seu catálogo, nenhuma música conseguiu alcançar o mesmo impacto de “Mind Playing Tricks on Me” – o mais perto disso foi “Damn It Feels Good To Be A Gangsta“.

Através da história de paranoia contada em “Mind Playing Tricks on Me“, o rap do sul começou a cada vez mais ter o respeito que sempre mereceu. O horrorcore – subgênero que traz músicas mais violentas – começou a despontar e a carreira de Scarface se tornou gigantesca, inspirando dinossauros do rap como JAY-Z, DMX, Killer Mike, Mobb Deep e vários outros.

Essa é uma das músicas do rap que merece ser relembrada com frequência, então, ouça abaixo:

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe