Makalister é um prodígio. Após chamar muita atenção do RAP Nacional no ano de 2015 com o Makalister Renton EP (o primeiro de sua carreira), o rapper catarinense lançou no dia 2 de março o ‘A Terça Parte da Noite‘, projeto que conta com 4 faixas produzidas por ele mesmo e está disponível no Youtube e pra download gratuito.
Referências são uma característica notável no rapper, e nesse último trabalho ele as leva em outro nível. Desde comparações com grandes jogadores de futebol como Petkovic e Roberto Baggio até os cineastas Michael Haneke e Gaspar Noé, Makalister enriquece suas letras com nomes e mais nomes. O próprio título ‘A Terça Parte da Noite’ é uma alusão ao filme homônimo do cineasta polonês Andrzej Zulawski. “É a parte (da noite) que não sinto fome de coisas banais”, conta Makalister. Em épocas de MC’s de boca cheia e lírica vazia, o trampo do catarinense é um belo prato pra quem busca o contrário.
Como diz Matéria Prima: “Às vezes, a margem é só o reflexo do centro.” Nesse EP, a sensação da audição é que Maka usa tudo que está no seu exterior – os filmes, o futebol, os relacionamentos – para falar sobre o que se passa por dentro da cabeça dele. ‘A Terça Parte da Noite’ com certeza é um projeto mais introspecctivo, curto e denso.
Inteiramente produzido pelo próprio rapper, as batidas sujas e mais voltadas para o boom bap ajudam a compôr a atmosfera noturna das letras e a traduzir as rimas para o ouvinte. O projeto já tem um vídeo lançado, é o da faixa que dá o título ao EP e que você confere logo abaixo, junto com um bate-papo completo com Makalister, um dos destaques da nova escola do RAP Nacional.
1.Salve mano! Sabemos que é uma pergunta clichê, mas como é tradição no Raplogia… Qual foi o seu primeiro contato com o RAP?
Salve Raplogia! Meu primeiro contato com rap veio através do meu pai e do meu tio/padrinho, nascidos no começo de 70 eles pegaram a chegada do rap, buscavam os discos que chegavam ao brasil, davam um rolê de skate.. tenho uns vinis aqui em casa que herdei deles como LL Cool J, Public Enemy, House Of Pain, Ice Cube. Eu apareço em um VHS com 4 anos cantando umas músicas do Planet Hemp com meu pai, então imagino que antes dos 4 mesmo eu já estava sendo influenciado a curtir rap.
2. Percebemos que você, juntamente com outros novos MC’s do sul principalmente, vem trazendo uma nova maneira de rimar no Brasil. Como você define seu estilo?
Eu não sei como definir meu estilo, é meio chato fazer isso.. Vejo que o rap não se define mais a SP/RIO e com a internet o público começa a conhecer a música e história de outros estados, talvez essa “nova” maneira de rimar pareça nova porque não deram muita atenção pra cá em tempos passados, saca?
3. O que acha da cena do RAP Brasileiro atual?
Enorme! Bastante gente, estilos, técnicas, beats pesadíssimos, os trabalhos visuais cada vez mais avançados, mcs jovens levam grandes plateias aos shows, mcs na televisão, mcs fora do brasil.. Aqui do sul não consigo ter uma boa noção de mercado, mas tem bastante mc atual fazendo uma boa grana, pelo menos é o que ostentam/mostram por aí. Ao mesmo tempo vejo muitos mcs também buscando as suas raízes, a luta sem ligar muito para a modernidade do “rap empresarial” e atuando mais na parte em que o Hip Hop entra na sociedade, muito foda! Nosso país é gigante, há mcs de várias realidades.
4. Como vem sendo assimilar que você é um rapper de fora do eixo que de um ano pra cá teve uma grande ascensão e chamou atenção a nível nacional?
Estranho. Eu me lembro que há uns 2 anos atrás ainda me via meio perdido, não sabia o que aconteceria. Quando lancei o Renton EP não imaginava o bang, eu queria, mas não imaginava e o bang veio. Hoje, depois do A Terça Parte da Noite EP e do espaço que ele está tomando, estou me sentindo mais livre pra fazer minhas músicas sem pensar no alcance.
5. Apesar de ter aparecido pra um público maior a partir de 2015, você já fazia RAP há alguns anos. Conta um pouco pra gente o que aconteceu até chegar no Makalister característico que vemos hoje.
“Identidade” 2010/11, minha primeira dupla, um single e uns bons shows pela ilha. “Aeroclub” 2012, segunda dupla com o Pulilu, mc que mais me influenciou liricamente, fizemos um single de trabalho e muitos shows também com as outras músicas que não tinham sido lançadas. “Maka x Beli” 2013, mais uma dupla que veio com o clipe de “99 Escalas de um voo perdido”, produzi bastante coisa com o Beli Remour, mas saiu só o clipe e foi Beli que me ensinou a fazer beats de vez, altas época, teve bons shows também, Beli é FODA! “Maka & Efiswami” 2014, cinco singles, desses eram um clipe e um lyrics, tocamos em SP e começamos a abrir um público da hora pra lançar os trabalhos, Efieli me deu uma grande noção de como fazer um verso livre se tornar uma música e com ele comecei a expor minha identidade visual. 2015 pra cá veio o Renton EP, mais um show em SP e 2016 lancei meu primeiro trabalho com beats próprios.
6. O Makalister Renton EP contém produções mais modernas, enquanto no ‘A Terça Parte da Noite’ vemos uma sonoridade totalmente diferente, todo produzido por você. Porque essa escolha em mudar de um estilo que foi tão bem aceito pelo grande público?
Não foi uma escolha. Existe muito material que ainda não finalizei e não mostrei, acho que será necessário mais uns 2 ou 3 EP’s pra alguém rotular com facilidade o meu “estilo”, o que ando fazendo de novo já está muito diferente desses EPs já lançados e minha cabeça frita.
7. Conta pra gente um pouco sobre o conceito desse EP, o porque desse nome e sobre o que se trata.
É algo noturno, solitário, silencioso, abissal. A terça parte da noite é a parte que não sinto fome de coisas banais, é a parte da noite que estou respondendo essa entrevista, é a parte da noite que não durmo, vejo os filmes, me meto em emboscadas sentimentais. A Terça Parte da Noite é um filme também, fica a dica, não preciso falar muito sobre o filme, acredito que assistindo da pra entender legal do que se trata e porque me influenciou.
8. Apesar de ter sido lançado semana passada, já é possível comparar a recepção das pessoas a esse novo trampo com o Makalister Renton EP?
Eu não esperava a aceitação que está tendo, mas se é pra comparar com o Renton EP, A Terça Parte da Noite está voando mais alto, principalmente pelo fato de me mostrar como beatmaker também. Muito doido, foda mesmo! Tá chegando cada vez mais gente de todos os cantos, quero muito tocar por esses lugares!
9. Por fim, o que podemos esperar do Makalister ainda esse ano? Deixe também qualquer recado que você ache válido para os nossos leitores!
Há algumas coisas que foram escritas e que falam muito por mim, há beats que fiz e beats que recebi também. Estou produzindo um EP para um mc aqui das áreas e pelo jeito vou rimar junto com ele, um EP Colaborativo, os beats estão muito bons e Pablo é meu amigo de anos, já fizemos shows e bons rolês juntos. Eu sei também que se me disciplinar um pouco mais eu consigo lançar o álbum de estreia que até então tem beats do Victor Xamã e do Arit, não vou soltar o nome ainda, mas sinto que esse álbum está nascendo pelo período que vivo e pelo que ando escrevendo.
Acho válido dizer aos leitores que não vou usar esse espaço pra ditar algo ou moralizar, posso usar esse espaço pra deixar um escrito, afinal não há nada demais que separa o artista do público.
Os extremos chocam-se
Brota o círculo
Nasces no núcleo da esfera
O mundo é um cubículo moído
Troco farpas com as paredes de acrílico
Navego os mares da culpa
Na garrafa de vidro a barco é inútil
Como corres preso as cordas vocais em nó?
Genéricos-homens-rótulos
Seres póstumos seremos nós sem filhos
Carro é caro e entope as veias do Nilo
Na metrópole que é Ilha, perdido já não me sinto
Eles nos acham num clique
Biometria?!
É o “drone” da polícia ríspida
Fome de espírito livre
Anêmico
Alérgico as câmeras
Vi num filme alemão
“A Vida dos Outros” é deles!
Quebraria muros
Jovens ao culto do surto
Literatura de rua, bares, estúdios
Moro no impacto mudo
Nasci no núcleo da esfera
Maldito mundo redondo
Que não há cantos aos planos prados
Período pós-escombro
Alívio rápido