Ei, eu ouço a morte me chamar Com o sorriso no rosto e o álcool na mente Me seguindo aonde eu vou – parte do refrão de “Poesia de Sexta-Feira”, de ADL MCs (part. Funkero)
Os donos do refrão que ficou conhecido pelas ruas do Rio de Janeiro chegou ao Raplogia. Dessa vez, trazemos um grupo direto das favelas de Teresópolis, interior do RJ, cidade com o maior número de comunidades do estado. Conhecidos como ADL MCs, os rappers DK e Lord e o produtor Thomaz nos concederam uma entrevista limpa e verdadeira, mostrando mais uma vez que o rap pode contribuir para tornar o mundo um lugar melhor. Basta conferir:
1. Salve, grupo AlémDaLoucura. É um grande prazer realizar essa entrevista com vocês. Vamos começar dando esse espaço para vocês falarem da formação do grupo. Como ele surgiu?
DK: Conheci o Lord em meados de 2005, a gente estudava na mesmo colégio Euclydes da Cunha – Teresópolis. Quando trocamos ideia pela primeira vez, Lord já tinha um caderno com umas letras monstras e de lá em diante começamos a nos encontrar sempre na hora do recreio e depois da escola para trocar letras. Em 2007 Thomaz, hoje nosso produtor, também estudava com a gente e era amigo do bairro e começou a fazer parte do grupo. Quando conhecemos Kast (Terrordosbeats, do grupo Cacife Clandestino), recém chegado na cidade, foi que gravamos nossas primeiras letras no Audacity e assim foi nossa primeira formação. Um grupo de amigos desejando fazer rep! Naldinho foi se dedicar ao skate, Kast voltou pro Rio e Thomaz foi fazer faculdade, eu e Lord mantemos o grupo durante anos por hobby. Assim que o Thomaz entrou pra faculdade de Produção Cultural pela UFF em 2009, ele voltou com a proposta de começarmos organizar tudo que a gente tinha. Procurar um estúdio e voltar com o grupo dessa vez pra trabalhar, e não mais pra brincar. Gravamos assim nossa demotape “Sonho de Menino” (2012) em 2010 e NÃO PARAMOS MAIS! Trabalhamos com Indiao na mixtape “Meus Amigos, Minha Família” (2014) em 2013, nosso primeiro trabalho oficial. Satisfeito com o resultado em 2014, fechamos nossa formação atual – Indião nos beats, eu e Lord no mic e Thomaz na produção!
2. Esta é tradicional nas entrevistas do Raplogia. Não poderíamos deixar perguntar: qual foi o primeiro contato de vocês com o Rap?
Lord: Quando eu tinha 13 anos, eu estava em casa vendo um programa de videoclipes, e nos primeiros lugares assisti um clipe do Eminem, “Without Me”. Me identifiquei com aquela batida e com o próprio artista, do qual sou fã até hoje. Logo depois pude conhecer os nomes nacionais como Racionais MCs, Sabotage, MV Bill, Quinto Andar, Black Alien e vários outros caras que tavam em evidência no cenário do rep nacional. Mais tarde nas trocas de ideia com o DK, ele me contou que seu primeiro contato com o rep foi da mesma forma: clipe do Eminem. Hahahah
3.Há algum significado para a escolha do nome “Além Da Loucura”?
DK: Em 2004 eramos um bonde de pichadores e nossa sigla era ADL – AlémDaLoucura. Todos na cidade já nos conheciam como ADL, era impossível desvincular o nome. Assumimos o Além Da Loucura porque não achamos uma definição melhor pra nossa família. Eramos loucos, viciado em rep e adrenalina!
4. Teresópolis é uma cidade que não é conhecida pela cena da cultura Hip-hop, apesar de ter nomes excelentes. Como é ser rapper numa cidade assim?
Lord: Militância, força de vontade, porta fechada na cara, pouco recurso, muita verdade, monopólios, abuso policial. Entre tudo vontade de mostrar a verdade de cada lugar e criar um cenário cultural que não seja fechado a certos grupos de artistas que agradam apenas a burguesia de uma cidade turística, que é a cidade com maior números de favelas do estado. Em 2011, iniciamos a roda cultural do Alto, maior movimento cultural da cidade (independente). 500 jovens se encontravam na praça, crianças e jovens dançavam e rimavam. Durante esses anos sofremos repressão da PM e inúmeros “nãos” dos órgãos públicos. Participamos do videoclipe do Questão de Raciocínio e logo apos o lançamento deste, sofremos inúmeras ameaças e injurias por parte de policiais da cidade. Sempre de peito aberto, nunca de boca fechada. Assim é ser artista do hip-hop em Teresópolis.
5. O ADL tem uma boa relação com o grupo Cacife Clandestino, da zona sul do Rio de Janeiro. O próprio beat da faixa “Poesia de Sexta Feira” foi produzido pelo Terrordosbeats. Vocês aprendem muito com esse tipo de contato?
DK: Como eu disse, Kast (TerrordosBeats) fazia parte do grupo. Começamos juntos nesse sonho e seguimos juntos mesmo não estando perto, quando apresentado ao Felp a identificação foi no estalo, a gente ouvia Facção Central, Sabotage e muita poesia criminal. Conhecemos 3030, CamCam, Chino do Oriente, e os amigos do Cartel MCs através do Kast nas primeiras rodas de Botafogo, quando tudo era apenas ainda um sonho. Apesar deles serem da zona sul e a gente das comunidades do interior, aprendemos que não importa se a pessoa vem do mesmo lugar que você, se a gente ta indo na mesma direção, vamos juntos!
6. A vida difícil da favela é um ponto em comum entre todas as cidades do estado. Como crescer na favela influenciou o amadurecimento de vocês e o trabalho do grupo?
Lord: Em primeiro lugar, saber separar trabalho de convívio, a lealdade, o respeito entre nós integrantes e aos nossos fãs, a dedicação ao ajudar o amigo em situações pessoais ou de trabalho. A vida na comunidade nos direcionou pra uma linha de rep que não vende, mas que é real e nos agrada, por saber que retratamos alem da nossa, a verdade de muitos moradores daquele lugar, o sofrimento, os simples prazeres e o poder de superação sempre.
7.Uma das mensagens que vocês passam nas músicas é justamente o uso do rap como via alternativa ao crime. Quando vocês decidiram escolher esse caminho pra valer?
DK: Quando a gente só tinha esse caminho a seguir. Quando a gente foi prova viva que o rep salvava vidas. Sem orgulho nenhum em falar isso, mas trabalhamos no trafico, tanto eu quanto Lord, durante anos. Mas quando começamos a trabalhar com nossas músicas, a gente teve que escolher entre o crime e o rep. Não dava mais pra cantar com revolver na cintura com medo de morrer e nem parar o ensaio pra vender pó. Cansados de ver nossos irmãos favelados indo presos ou mortos, ou andar vegetando nas praças viciados em drogas, percebemos que a gente não tava sendo antissistema traficando, a gente tava apenas se colocando a mira deles, entrando na fila dos próximos que iam morrer como indigente. Mas mesmo já com destino traçado e programado o rep veio e colocou uma arma nas nossas mãos ,o microfone. E muita poesia como munição! Largamos o crime e a pichação pra virar não uma estrela mais sim uma arma de denuncia, ADL virou porta voz do nosso morro!
8. O grupo também está presente em atividades sociais em comunidades. Na última Páscoa, por exemplo, vocês promoveram entregas de chocolate. De onde veio essa ideia de tornar o ADL um agente de ajuda voluntária para a favela?
Lord: Fomos idealizadores da roda cultural do Alto, com o objetivo de alcançar as comunidades, mas alem de cultura , tínhamos a necessidade de ajudar. Tinhamos um bom público na roda e muitos fãs e amigos, e fizemos disso uma arma de movimentação e ação social. A gente não usa o nome ADL nessas ações, pois esta é uma ação coletiva não só da ADL, mas de amigos que colaboram com doações, mão de obra direta e indireta, com divulgação, brinquedos infantis e etc. Esta é a roda cultural do Alto.
9. Como é o processo criativo dos integrantes? Como vocês gostam de escrever?
DK: Inspiração eu só conheço de nome, tem hora que eu tenho que escrever. Eu vejo muitos filmes e documentários antes de escrever algumas coisas. Quase sempre uso minha vida pra desenvolver alguma letra, não por egocentrismo, mas porque minha vida e parecida com milhões de brasileiros moradores de comunidade. Poesia quando arde tu tem que escrever enquanto ta ardendo!
Lord: Não tenho hora, não tenho momento, fico meses sem escrever, sou preguiçoso. De repente estou escrevendo folhas por dia, rascunhos atras de rascunhos, algumas delas ficam guardadas por anos na gaveta, mas uma hora saem. Vejo coisas ao meu redor e elas escrevo num papel. Gravo guias e guias, reescrevo, vou lapidando, até tomar forma. Não a minha forma, mas sim forma que tem que ser tomada.
10. E a agenda de shows do grupo? Vocês ficam mais por Teresópolis ou vão até a capital com mais frequência?
Thomaz: Curiosamente, apesar do nosso trabalho ter na cidade de Teresópolis, a maior expressão e alcance entre outros artistas locais, não conseguimos realizar shows aqui em função da vida cultural da cidade que não oferece muita opção para o jovem. Dessa forma, tivemos no CCRP (Circuito Carioca de Ritmo e Poesia) que é a rede a de rodas culturais da capital, a primeira oportunidade para fazer circular nossos shows na capital, onde chegamos a integrar a programação do dia mundial do hip hop, no Circo Voador em 2013. Mas cabe ressaltar também o papel da internet, que foi um terreno fértil onde muitos MCs e grupos puderam distribuir suas músicas e videoclipes. O rep tem criado uma rede quase que independente que liga artistas e cenas bem distintas e dessa forma temos conseguido fazer shows em ambientes bem diferentes, desde saráus, bailes, boates e é claro, nas ruas.
11.Os fãs esperam ansiosos por mais trabalhos do ADL. Vocês estão trabalhando em algum projeto no momento?
Thomaz: Estamos já com algumas letras e estamos reunindo já os beats pra enfim lançarmos nossa mixtape planejada pro ano que vem! Nesse meio tempo lançaremos mais alguns videoclipes da mixtape de participações “Meus Amigos, Minha Família” (2014). Esse mês de abril estamos nos dedicando as gravações do clipe da faixa ”Na Vida”, participação Felp Cacife Clandestino, previsto pra ser lançado final de Maio ou começo de Junho!
12. Essa entrevista fica por aqui. Se quiserem, usem esse espaço para dar algum recado para os fãs ou darem um salve especial para alguém. Nós do Raplogia desejamos um imenso sucesso para o grupo e deixamos claro que estaremos sempre de porta aberta para vocês! Grande abraço a todos e viva o rap!
Salve pra toda família AlémDaLoucura e Raplogia, somos um só! Abração e acompanhem nossas novidades nas nossas páginas!