Depois de 18 anos, um dos maiores grupos do rap está de volta. O A Tribe Called Quest lançou em Novembro o seu último disco, sete meses após o falecimento membro Phife Dawg, quando já estavam com grande parte do projeto pronto. Intitulado We got it from Here… Thank you 4 your Service (irei abreviar o disco como WHT4S), o sexto álbum do ATCQ traz de volta a essência que não era vista há muito tempo.
Algo que me deixou bastante preocupado quando L.A. Reid soltou o boato de que o A Tribe Called Quest estava voltando, era a participação de Phife Dawg naquele ainda possível projeto. Falecido em Março, eu acreditava que teríamos poucos versos do 5 Foot Assassin, mas graças aos deuses do rap, eu estava errado. O rapper rima em grande parte das faixas, o que nos leva a confirmar fato de que o disco vinha sendo gravado há algum tempo sem a nossa ideia. Esse é um dos grandes trunfos do WHT4S, pois imaginar um disco do ATCQ sem ele é algo impossível, mesmo após a sua morte.
Q-Tip novamente cuida de toda a produção, dessa vez com auxílio de Blair Wells. Diferente de outro grupo que voltou após longo tempo, o De La Soul, Tip traz novamente o som característico do Tribe para mais uma caminhada. O De La inovou com o a musicalidade do seu disco, utilizando poucos samples e muito mais inspirações modernas, já o ATCQ, trouxe a musicalidade inspirada em jazz que sempre fez parte da sua carreira e que poucos conseguiram replicar com decência durante todos esses anos.
Mas se a essência está de volta, o que há de novo no disco? Conteúdo. É um disco que difere muito dos projetos mais positivos do grupo, trazendo um conteúdo mais político nas letras, como no single “We The People”, que é uma resposta aos acontecimentos recentes nos Estados Unidos (brutalidade policial, racismo e Donald Trump).
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Um dos grandes destaques do trabalho são as rimas de Jarobi, membro original do grupo que logo após o lançamento do primeiro disco, People’s Instinctive Travels and the Paths of Rhythm, deixou o ATCQ. Sua participação dessa vez é grandiosa, claramente para substituir a lacuna deixada por Phife Dawg. Na primeira faixa, a harmoniosa “The Space Program”, ele faz metade de um verso com grande maestria. O resto dessa faixa é de Q-Tip.
Q-Tip que novamente exerce a função de cabeça do grupo. Ele é quem produz as faixas desde 1990 e trabalha os conceitos com o restante. Ele é a voz do primeiro single, “We The People”, uma das faixas mais fortes do disco como já explicado acima. Em uma das minhas músicas favoritas do trabalho, “Whatever Will Be”, Tip trabalha um refrão no maior estilo Tribe: calmo, cadenciado e com um ritmo incrível.
Everybody runnin’ when they see the storm’s comin’
But whatever’s gonna be will be
Some will dash to the mountain, some will crawl
And the weakest amongst them, they will fall
But the strongest in faith, they will stand tall
Outra faixa que me agradou muito foi “Dis Generation”, onde Tip, Phife e Jarobi falam sobre a nova geração do hip-hop, citando nomes como o de Joey Bada$$, Earl, Kendrick Lamar e J.Cole, eles passam o bastão para a juventude. Busta Rhymes está presente nessa faixa, assim como em outras três.
Busta Rhymes (4 faixas) e Consequence (3 faixas) tem um espaço no disco. O primeiro chamou a atenção da cena quando participou da posse cut Scenario, de 1991 e parte do disco The Low End Theory. O segundo é primo de Q-Tip e começou a ter chances no rap com o A Tribe Called Quest no álbum de 1996, Beats, Rhymes and Life. Ambos fazem um bom trabalho, suas participações se tornaram um grande fanservice aos fãs hardcore do grupo.
Dividido em Lado A e Lado B, a primeira parte do disco chega ao fim com “Enough!!” e recomeça com “Mobius”, uma poderosa faixa com apenas Busta e Consequence rimando sobre grande variedade de assuntos que interferem na vida de um artista. Mesmo com dois lados, o disco não muda muito a mensagem que quer passar, e continua a abordar assuntos como a violência policial contra os negros, a fama, a situação política dos EUA nessa década e algo mais pessoal, como a perda de Phife Dawg.
Melhor do que muitos artistas atuais, ATCQ consegue falar sobre as barbáries que ocorrem com a comunidade negra nos EUA como ninguém. O uso do afro centrismo durante toda a carreira do grupo, mostra que todos os membros foram sempre ligados as suas raízes, mas isso não aparece tanto nesse disco, que cede espaço a esse retrato infeliz e atual. Na música “Conrad Tokyo” com Kendrick Lamar vemos uma boa representação do assunto, onde o rapper de Compton aborda também as gangues, sempre presentes nos seus trabalhos.
Outras músicas interessantes são “Lost Somebody” e “The Donald”, que falam de Phife Dawg. A primeira trata-se dos membros do grupo falando da perda do colega, a segunda é um ode ao rapper que está tão presente no disco que nem sentimos a sua falta.
We Got It from Here… Thank You 4 Your Service é o disco que merece ser o último da carreira do grupo. Muito melhor que The Love Movement, de 1998, o novo trabalho repagina a cara da Tribe mas também faz um grande ode à todas as suas obras. É uma grande forma de se despedir. Seja você da nova ou antiga geração, o último álbum do A Tribe Called Quest é para todos.