Quase dois anos depois de sua primeira menção pública, Views é lançado no dia 29 de abril de 2016. É o quarto álbum do rapper canadense Drake, contando com 20 faixas e duração total de 81 minutos e 5 segundos. Foi gravado no estúdio State Of The Art (S.O.T.A.) Studios, de Noah “40” Shebib, em Toronto (Canadá), cidade natal do rapper. A capa é uma foto do artista sentado na CN Tower, construção mais alta da cidade. Foi confirmado depois que a foto era uma montagem — e bem fora de escala.
Como não é nossa intenção analisar o design gráfico da capa, falemos da obra em si: ela se insere em um contexto em que Drake já tem um nome consolidado na cena internacional e está acostumado a ficar no topo das paradas comerciais. Em 2016, o canadense é uma das principais referências do rap, mesmo estabelecendo um forte diálogo com o pop e outros gêneros em algumas faixas de Views. Em “Hype”, a quinta track do trabalho, ouve-se inclusive a comum exaltação da própria obra nessa posição de artista reconhecido:
“Views already a classic” – Drake em “Hype”, Views (2016)
Se a verdade na afirmação dessa linha é discutível, não se pode dizer o mesmo deste fato: a temática da dor e reflexões sobre a vida, quase sempre motivadas por relacionamentos fracassados ou não, é uma marca na discografia do canadense, sendo utilizadas desde o início de sua carreira. Em Views não é diferente e isso é bem nítido. Sim, é possível enxergar no álbum não só esse elemento específico, mas também outras características artísticas que renderam a Drake a injusta imagem de “soft” — “macio” no sentido de “frouxo”, “otário” — quando explodia pelas primeiras vezes nas paradas musicais. Na criação lírica e musical do álbum, o rapper escolhe menos risco. Não ousa, não recicla. Segue a evolução que sempre seguiu.
Nesse sentido, a “Keep the Family Close”, primeira faixa, pode servir como uma metáfora quando falamos da forma e conteúdo da coletânea. Explico: sua letra faz uma reflexão acerca dos relacionamentos que o eu lírico teve, meio pelo qual ele atinge a conclusão de que a família é a melhor coisa a se valorizar nesses momentos de fracasso amoroso. Trata-se, acima de tudo, de uma volta à zona de conforto da família, de um lugar em que o eu lírico quer aquietar-se, diminuir de tamanho, voar baixo. E assim também é com o álbum: Drake não saiu de sua zona de conforto e escolheu manter sua fórmula, estando sujeito a todas as vantagens e desvantagens que isso pode trazer.
Não necessariamente isso se trata de um defeito. Se o ouvinte sempre gostou do som de Drake, é provável que irá considerar Views um ótimo álbum. Na minha opinião, “ótimo” pode ser um pouco demais. Nesse contexto, o que pode ser dito sobre as qualidades do álbum é o que sempre foi dito. As faixas tem um forte poder expressivo, garantido pelo impressionante talento artístico de Drake — o que sem dúvidas justifica sua fama de ter o toque de Midas (the Midas touch). As participações têm desempenhos decentes, sendo o melhor deles os versos de Rihanna em “Too Good”. O desempenho do rapper também é um ponto forte, visto que ele não demonstra desconforto nem perda de qualidade ao mudar de ritmos e sensações, ainda que dentro de uma margem conhecida para ele mesmo. Além disso, as (in)diretas para seus desafetos também tem sua importância para a qualidade do trabalho:
“Man you boys just got to Hollywood, you boys just started
You don’t know what you just started
All I do is hang with the young and heartless
All this for my family, man, I try my hardest” – Drake em “Pop Style”, Views (2016)
Um ponto interessante que deve ser mencionado é a estruturação do álbum, sutileza que para muitos passa despercebida. Em entrevista com Zane Lowe, o rapper canadense explicou que a sequência de músicas é centrada na mudança de estações climáticas da cidade de Toronto. Algo como uma transição do inverno — símbolo para músicas mais tristes ou calmas — para o verão — símbolo para músicas mais agitadas e quentes. Por essa lógica, o início do álbum é o inicio do inverno, sendo composto por faixas como “U With Me?”, que aliás faz um bom uso do sample do rapper DMX, e “Feel No Way”, a terceira e quarta track respectivamente. A predominância dessa sensação de calmaria se perde quando chegamos em “Still Here”, que é seguida pelas “Controlla”, “One Dance” e “Grammys”, que tem ritmos mais quentes e agitados. O inverno voltaria depois, com o perdão do paradoxo, em “Fire & Desire”, onde o rapper volta aos ritmos calmos e segue até o final do álbum. Isso, é claro, tirando a famosa “Hotline Bling”, colocada como faixa bônus.
Em aspecto geral, a impressão que fica é que, apesar das músicas gravadas em Views serem bem sucedidas em entreter, faltou sair da zona de conforto. Não que ele precise sair, mas não seria surpresa se, depois de escutar o álbum inteiro, um ouvinte ficasse com a impressão de que já ouviu aquilo antes. Isso pode prejudicar a forma como o trabalho é percebido. Dito isso, é provável que alguns mais críticos do rapper joguem esse álbum na tediosa gaveta do “mais do mesmo”, onde a previsibilidade impera e a ousadia está em falta. No entanto, isso não significa que falamos de um álbum ruim. Há um motivo pelo qual The Boy decide manter a fórmula: ela funciona. Ela vende e agrada os ouvintes (ou parte deles). O sucesso comercial de Views já é certo e seu lançamento é mais um passo para Drake aumentar ainda mais o poder do seu nome e conseguir influenciar gerações ao longo dos anos que estão por vir.
“Keychain go jang-a-lang, I wanna do major things
MJ in every way, I just don’t fade away” – Drake em “9”, Views (2016)