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Review: Igor Bidi – Mini Jornada Gigante (2016)

By 5 de agosto de 2016 No Comments

A mixtape Mini Jornada Gigante foi lançada no dia 26 de julho de 2016 e é o segundo trabalho oficial do rapper carioca Igor Bidi, tendo 13 faixas e totalizando 53 minutos. Seu lançamento se deu depois de diversos adiamentos decorrentes de problemas técnicos no processo de produção, como informado pelo próprio artista no evento oficial do álbum do Facebook. Seus produtores são nomes presentes na cena do Rio de Janeiro, incluindo Mr Break, Kaique Beats e Boca dos Beats. A mixagem e masterização foram feitas pela Reppresent e a gravação ficou com a mesma Reppresent e com a conhecida R.E.E.O Mix. A mixtape tem como principais participações os nomes de Rod, do 3030, Liink, e Gabriel, do Camaradas Camarão.

Se analisarmos outros trabalhos lançados durante o mesmo momento na cena de rap nacional, é fácil perceber que a MJG traz um tema um tanto singular. Essa singularidade se dá pela própria linha artística de Bidi, que enxerga na espiritualidade e no metafísico um terreno fértil para cultivar sua música. Vemos isso na descrição do trabalho no YouTube: “[é] mais que uma mixtape, é uma terapia sonora, remédio de alma, encorajante de Vida, uma jornada xamânica musical em meio ao Ritmo e a Poesia”. Sim, a MJG nos permite dizer agora que criar com esses temas é uma marca de Igor Bidi. Ainda que diferenças na forma possam ser detectadas, não deixamos de ver, tanto na Mini Jornada Gigante (2016) quanto no D.E.U/S. Pt. 1 -ego+Alma (2014) (trabalho anterior do artista), os mesmos traços conhecidos de sua obra. Isso não significa que devemos, nesse caso, nos preocupar com a repetição de temas — a ingrata causa que gera a crítica do temido “mais do mesmo” —, já que a discografia do rapper ainda não é exatamente uma volumosa coletânea de títulos no rap nacional.

Igor Bidi no clipe de “Leve”, nona faixa da mixtape.

É seguro afirmar, inclusive, que a discografia de Igor Bidi, nesse momento, diz pouco sobre sua condição de artista respeitado na cena do Rio de Janeiro. Há anos que seu nome é conhecido nos principais eventos de rap da cidade, sendo inclusive muito presente na Roda Cultural de Botafogo, Zona Sul da cidade, um dos muitos centros de Hip-Hop que contribuíram para o gênero. Raros são aqueles que, com poucos trabalhos lançados, podem dizer ter o respeito que tem Bidi na cidade maravilhosa. Nesse panorama, a MJG chega à cena com a possibilidade de alavancar o nome do rapper em escala nacional, o elevando a um fenômeno que ultrapassa o municipal.

Não dá pra afirmar que isso vai acontecer. O que podemos dizer por agora é que Bidi lançou uma mixtape que mergulha na espiritualidade para encontrar em suas profundezas mensagens de positividade, sabedoria, superação e amor. E o rapper mostrou que sabe fazer esse mergulho muito bem.

Tempestade sempre foi normal
Tão natural, natural

Tô sem tempo pra arrependimento
Se arrepender é negar o próprio crescimento — Igor Bidi, em “Portas”, Mini Jornada Gigante (2016)

Em entrevista para o Raplogia no início de 2016, Igor Bidi explicou que o nome “Mini Jornada Gigante”, com todo o paradoxo que ele traz, era uma referência à experiência da vida. Entendo que tenha a ver com relatividade do tempo e do nosso tamanho em relação ao universo e à própria vida. Trata-se, sobretudo, de um contexto perfeito para criações que tendem ao espiritual. Entre conversas com o invisível e pulsações do universo a cada batimento cardíaco, MJG traz um rico conjunto de símbolos e elementos do campo semântico da espiritualidade. Quando expostos em instrumentais repletos de reverberações e ecos, fica completa a construção da atmosfera cósmica da maioria das faixas. Essa percepção traz ao ouvinte a ideia de estar interagindo com algo grande, espaçoso, aberto. Isso pode ser visto melhor na “Gravidade Zero (part. Liink)”, faixa 11.

Além disso, se disciplina é a matéria prima do flow, como dito em “Corre”, segunda faixa, o rapper demonstrou grande capacidade nesse processo produtivo. É naturalidade o que se nota na levada de Igor Bidi — em suas palavras, ele desliza nas tracks —, ao passo em que ele muda entre pronuncias mais cantadas e outras mais secas. Destaco aqui a “Equilibrium (part. Rod 3030)”, oitava faixa. Ao mesmo tempo letras trazem uma densidade interessante de referências, rimas internas e figuras de linguagem. A “Verbalizando Pt. 4”, sétima faixa do trabalho e quarta de sua conhecida série “Verbalizando”, pode traduzir bem esse aspecto.

É bem verdade, no entanto, que faixas mais agressivas não são o forte do projeto — apenas “V.D.L.” e “SDF” dão adrenalina à mixtape. O desempenho de Bidi é muito bom especialmente na primeira, e mesmo que ela prove que o rapper consegue sair de sua zona de conforto, fica uma sensação de que poderíamos ter ouvido mais. A impressão que tive é que mais duas faixas nessa linha mais pesada fariam bem à Mini Jornada Gigante. É também necessário dizer que a já mencionada singularidade do tema é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que ela pode ser positiva para alguns ouvintes, também pode ser negativa. Quem não é interessado em espiritualidade, em religião e em assuntos metafísicos pode não se identificar com o conteúdo da MJG. Isso não necessariamente é um problema. Se a intenção do trabalho for atingir um público mais segmentado, esse fato deve constituir pouca preocupação.

Forjo minha armadura e ela é feita de Oricalco
Vou de Millenium Falcon
Meu semblante é o que remete ao lado navegante
Aos poderes adormecidos do meu lado atlante
Remanescente do mar em fúria, Atlântida e Lemúria – Igor Bidi em “V.D.L.”, Mini Jornada Gigante (2016).

As participações são poucas, mas consistentes. O verso de Rod, do 3030, em “Equilibrium”, oitava faixa, se destaca pela estrutura de rimas e qualidade lírica. Liink, que também tende a caminhar pela metafísica em seu trabalho, se deu muito bem nessa colaboração com Bidi. A pouca quantidade de colaborações com outros artistas, surpreendentemente, não me pareceu deixar a MJG monótona. Isso é natural e é esperado quando temos muitas faixas só com uma voz. Nesse caso, no entanto, Bidi consegue ser versátil  o bastante para tornar a experiência sonora da mixtape algo que entretém o ouvinte.

Em Mini Jornada Gigante (2016), Igor Bidi é bem sucedido em fazer o que propõe. São linhas que trazem positividade, sabedoria espiritual, processos de crescimento pessoal através do sofrimento e da incerteza, incentivos a superação e auto ajuda. Apesar de já consagrado no Rio de Janeiro, Igor Bidi tem o potencial para ser muito maior na cena nacional, e MJG pode ser o primeiro passo para essa jornada. Na minha opinião, é um dos grandes projetos nacionais do ano.

Vejo lágrimas de Amor no olhar do Vigilante
E mermo que a gente se encontre perdidos nas trevas
Ele nunca esquece o quanto a gente é brilhante
Eternos aprendizes…
Eternos viajantes… – Igor Bidi em “Emanar”, Mini Jornada Gigante (2016).

Capa oficial da mixtape.


Veja nossa entrevista com Igor Bidi aqui!

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