A mixtape New English foi lançada no dia 26 de junho de 2016 como o primeiro trabalho musical da discografia de Desiigner, rapper original do Brooklyn, NY. Os nomes mais conhecidos na lista de produção são Mike Dean, Rico Beats e Zana Rey. Compõem a coletânea faixas curiosamente curtas — e uma bem longa —, fato responsável pela mixtape ter 14 músicas e apenas pouco mais de 35 minutos. Não se sabe exatamente qual sua ligação com o álbum de estúdio que aparentemente está por vir, o The Life Of Desiigner.
A obra segue o sucesso de “Panda”, single número 1 nas paradas da Billboard, e se insere em um contexto em que Desiigner pode ensaiar sua decolagem para o sucesso comercial. É fruto de um momento em que tudo pode dar certo, haja vista as parcerias que tem sido feitas e os contratos que tem sido assinados. Ao que parece, New English vem ao público com a intenção de preparar o terreno para um grande crescimento artístico do rapper, ao mesmo tempo em que mostra o desejo de associar o peculiar inglês falado de Desiigner a uma marca de originalidade. Pode ser entendido como outra forma de dizer, por meio da arte, o que ele disse em uma entrevista recente para a FACTMAG:
I don’t sound like nobody. This is my funk, this my style. Ain’t nobody got it like me.
Desiigner conquistou grande popularidade no início do ano, quando conseguiu atingir número 1 nas paradas da Billboard com o já mencionado single “Panda”. Isso só se potencializou quando a faixa foi sampleada por Kanye West em seu álbum The Life Of Pablo (2016), na faixa “Father Stretch My Hands Pt. 2”. O rapper faz parte de uma nova escola que vem enfrentando críticas ferozes vindas de alguns setores da comunidade Hip-Hop, principalmente devido a pronúncia arrastada de palavras que beiram a incompreensão. É possível identificar, mesmo em sua recente discografia, influências claras de Lil Wayne, Future, Lil Jon e outros artistas do trap sulista americano (o original). Alguns mais otimistas diriam que, no que se refere a números no âmbito da indústria musical, o rapper já tem seu lugar garantido no topo. Outros defendem que Desiigner pode tropeçar ao ser percebido como só mais um na nova onda do trap.
Nem sempre é interessante começar uma resenha crítica a partir da arte da capa de uma mixtape. Nesse caso, porém, é de extrema importância que se preste atenção no que ela nos traz. Por esse motivo ela estará nesse ponto do artigo e não no final, como tem sido feito nas últimas reviews do site:
A capa foi desenhada por Joe Perez, profissional que costuma trabalhar com a GOOD Music. Como se pode ver até certo ponto, ela traz elementos da Era vitoriana da Inglaterra, período que compreende de junho de 1837 a janeiro de 1901. Certa confusão é percebida ao primeiro olhar, estando ela mais evidente pelo contraste entre o preto e o branco. Vê-se, acima de tudo, uma mistura de elementos, a agonizante impossibilidade de identificar totalmente o que é o que na capa. Os rabiscos contribuem para essa percepção. Pedaços de reconhecimento e sensações pela metade de familiaridades surgem e somem na experiência de tentar entendê-la, mas nada concreto é formulado porque todo o corpo de coisas juntas não faz sentido claro.
Assim também é a pronúncia do inglês de Desiigner em seu mumbling rap.
Encontra-se aqui o já mencionado motivo pelo qual o nome New English foi escolhido: afirmar que o rapper fala “um novo inglês”, uma nova linguagem na forma de fazer rap que se baseia na originalidade de sua pronúncia. O discurso das palavras mal faladas, em certos momentos, se perde ou se mistura com um oceano de murmúrios e grunhidos, anulando por completo qualquer possibilidade de boa qualidade lírica ou poética. Infelizmente para o rapper, a letra escrita das músicas não faz parte do álbum em si, tornando essa dimensão da obra um tanto difícil de ser alcançada pela audição, criando uma necessidade quase imediata de procurar fontes externas de suas letras.
Portanto, no que concerne clareza de pronúncias e mensagens poéticas, a mixtape beira o nulo, o neutro por incompreensão.
Entretanto, é importante perceber que a obra tem seu valor artístico e seu poder expressivo. New English possui uma forte energia agressiva que se faz presente em quase todas as faixas — “Overnight” e “Zombie Walk” tem pegadas mais lentas. Apela-se para uma sensação de adrenalina violenta, o que se relaciona diretamente com o próprio estilo do rapper de fazer música. Para o ouvinte que gosta, é o que basta. Destaco aqui as faixas “Caliber”, “Talk Regardless” e especialmente a segunda parte de “Da Day”, maior faixa do trabalho, com 6 minutos. Confira esta última (a partir de 3:45).
É claro que outros pontos negativos podem ser tirados daí. Todas as faixas parecem iguais nas primeiras audições, e somando isso ao fato de que Desiigner é um artista relativamente novo aos olhos do público, a mixtape pode ser vista, em leitura grosseira de tão simplista, como uma só música de 32 minutos mais a “Panda”. Alguns mais dispostos a entrar em detalhes de cada música irão, sem dúvidas, encontrar diferenças e, com tempo suficiente de exposição a elas, discordariam dessa visão.
É necessário, portanto, afastar-se de purismos que assombram a comunidade Hip-Hop para perceber bons aspectos em New English. É necessário entender que mesmo murmúrios quase incompreensíveis podem ser feitos de forma melódica, casando bem com o instrumental gerando boa musicalidade.
Nessa hora vem à cabeça um interlude que inserido na faixa “Niggas In Paris”, de Jay Z e Kanye West. É retirado de um diálogo do filme Blades of Glory (2007).
“Eu nem sei o que isso significa”. “Ninguém sabe o que isso significa, mas é provocativo”. New English, junto com diversos outros trabalhos de rap da sua era, seria um desses casos onde é necessário aplicar essa noção para que se entenda e se aprecie sua proposta. Se o ouvinte prioriza conteúdo lírico, densidade poética e clareza de pronúncia, esse não é o melhor trabalho para ser indicado. Se não, pode ser bom de ser ouvido.
De um jeito ou de outro, New English não é uma mixtape que deve ir direto para a lixeira dos desprezados do ano, como defendem alguns puristas que se afastam de tudo o que faz sucesso popular. Trata-se de um trabalho característico de uma tendência de sua época, onde seu autor encontra uma zona de conforto que produz músicas regulares apoiando-se numa produção que, dentre todos os elementos do trabalho, talvez seja um dos pontos mais fortes.