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Review: Sabotage – Sabotage

By 7 de dezembro de 2016 No Comments

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Em meio a discussões incessantes sobre a atitude e o conteúdo das letras dos MCs, surge um espectro para assombrá-los. Sabotage revirou-se no túmulo e abalou as estruturas do rap nacional, mesmo estando em outro plano. Lançado no dia 17 de outubro no Spotify, o álbum póstumo do Maestro do Canão tem 11 faixas e foi produzido pelo selo Instituto, de Daniel Ganjaman, Rica Amabis e Tejo Damasceno. Foram 13 anos de espera.

Durante esse período, houve tretas e especulações sobre a carreira de vários rappers, quando o foco deveria ser a música. E onde ficou o compromisso?

Assim como existem sites de rap mais preocupados com o número de cliques e curtidas, postando notícias sensacionalistas, sem o mínimo de apuração e sequer cuidado com a escrita, também há rappers que priorizam um ritmo de produção acelerado, com base apenas na audiência do público que os segue. E essa pressa, que pode afetar a qualidade de um bom trabalho, nem sempre é sinônimo de shows lotados.

Diante de tudo isso, Sabotage voltou para jogar novamente a luz que nunca irá se apagar.

1 – MOSQUITO

“Depois que o homem inventou o revólver
Todos corremos perigo
Onde o preto é bandido
O playboy queima índio e esbanja o prazer
Periferia é motivo, sem trabalho ou estudo, botar pra fuder
Justiça ferina tentou me forjar
No Canão ou no Bronks, não posso moscar”

Talvez uma das faixas que mais causou polêmica por parte dos fãs, por causa do instrumental mais puxado para o estilo trap, o que não era comum na época do Sabota. Mas, se considerarmos que o rapper tinha um gosto bastante eclético e levarmos em conta o resultado final da música, esta dúvida tende a ser sanada.

Afinal de contas, a produção da dupla Tropkillaz ficou impecável.  As vozes de Sabotinha e Tamires, filhos do rapper, também ficaram sensacionais e deram ainda mais originalidade à obra. Enquanto isso, Sabotage faz, com maestria, o de sempre: relata sua vivência pelas periferias paulistanas e mostra ser um cara antenado sobre o que rolava no mundo ao denunciar a tragédia do índio Galdino, queimado em Brasília há cerca de 17 anos. Questionamentos à transparência da justiça brasileira também estão presentes na canção.

Por fim, ele e aproveita para falar sobre o prazer de fazer rap. Toda essa verborragia numa batida positivamente inusitada e o flow característico do Maestro do Canão.

“DJ, scratch, escreve o rap
Nos diverte, vai pra frente
De repente, o disco pula
O beat muda, a culpa é sua”

Compare também a faixa atual com a antiga, lançada em 2003 na coletânea Uma Luz Que Nunca Irá Se Apagar:

2 – SUPERAR

Superar é só pra SUPERSTAR! Vocês podem até achar bobo e simplório esse jogo de palavras, mas sonoramente, pra mim, é do cacete. Também achei o refrão dessa música bem doido.

Confesso que não curti muito a participação do Shyheim, mas o Sabota e o DJ Nuts (scratches e samples sinistros!) não deixaram a peteca cair e fizeram muito bem suas respectivas partes. Destaco a seguinte passagem, onde é possível sentir a agressividade das rimas e saber que Maurinho não tá de brincadeira quando diz que vai tomar a porra toda de assalto e é assim que é mermo:

“Aqui quem reza e não cai, tem paz
Eu puxo o beck e corro atrás
Mano, eu vou vivendo sobre a dor, gladiador
Não vou politicar
Eu vou chegar tipo um trator
No naipe do louco dos que vão botar terror
Eu sei que é morte
Meu som tocou, endoide
Sublime e vem de mim, ser sempre assim
Nunca dar mio, honrar meu Brooklin”

3 – CANÃO FOI TÃO BOM

“Crime, ouro, dólar, bola fora, esquece
Os vermes, eleitos, querem; seus votos, preferem
Paralisia infantil no morro cresce
Ele observa, o crime impede o confere
A mãe, o pivete, sujeito mais que pé-de-breque
Se eu tô com frio, fome, fúria, trombo, click-clack
Sei que eles doam, mas não pros morros, pra UNICEF
Pobres esquecem, a mãe maior nos aparece e pede
O fim maior está tão breve, filho, então, que reze”

Tá aqui uma das minhas favoritas do álbum, ou talvez a predileta mesmo. Antes de tudo, queria dizer que chapei demais no instrumental desse som! O Ganjaman nunca falha na missão e as guitarras do Kassin ficaram incríveis.

Sabota já chegou de cara com uma levada potente e me deixou ligadão nesse primeiro verso da faixa. A voz de Negra Li ao fundo deu um toque especial de musicalidade simplesmente encantador.
DBS, no início, ao meu ver, não mandou muito bem. Ficou um flow oldschool, mas a execução não foi tão boa. Depois, ele até que melhora o desempenho e a música volta a fluir bem.

Lakers e Ganjaman, com toda sua contundência, encerram a faixa. O primeiro manda uma mensagem mais religiosa e o segundo faz um alerta à condição de miséria das crianças mais carentes.

4 – PAÍS DA FOME (HOMENS ANIMAIS)

“Pra quem nasceu na Zona Sul, o sofrimento é evidência
Aqui não tem paz, aqui não tem sinceridade
Não tem nenhum filha da puta sem maldade
Necessidade; na Espraiada, o crime em sua porta
Também polícia, revólver, droga, caminho da roça
É óbvio que aqui as estatística me diz:
Na miguelagem ou então já sabe, só no sapatinho
Jamais irei dar mio, eu sempre penso assim:
“Quem não pode errar sou eu, que se foda o Zé Povin”

Aqui é onde eu acho que o disco realmente engata, porque depois só vem pedrada musical. E o mais legal disso tudo é que os instrumentais são bem diferentes uns dos outros. Diversidade é a cara do Sabota!

Essa track é aquela que te faz derrubar umas lágrimas, tanto é que o próprio intérprete acaba dando um tom “choroso”, porque a letra é triste mesmo.

É aquele rap que te faz refletir de verdade e ver como o nosso país ainda tem muito a evoluir, infelizmente. A história de Lokinho, descrito por Sabotage como seu melhor amigo, faz o ouvinte torcer por um final feliz do personagem, mesmo que o próprio Sabota já tenha relatado sua morte no início da faixa.

DJ Cia arrepia na produção da música, Korinho arrebentou no cavaco e as vozes de Dago Miranda e Andre Canto Rima no refrão ficaram incríveis.

A saudade do irmão, Deda, é tema constante nas músicas de Sabotage e aqui não seria diferente. O Maestro do Canão consegue, mais uma vez, descrever com precisão o sentimento de quem vive numa comunidade, batalhando todos os dias por uma perspectiva de vida melhor, seja trabalhador ou “ladrão de mil grau”.

5 – MALOCA É MARÉ

“A fusão perfeita, mais um gol de letra
É muita treta feito suíngue da Leda
O malandro chega, só no sapatinho
Buia tá na área pra inteirar o partido
Os bamba reunido, linha de produção
Padrão de qualidade, tipo rap do bom
Se liga no som, na base, no Instituto
Quem é guerreiro atenção no assunto
Anda na moral, não entra no esquema
Passa a caminhada só se tu tiver problema
Vai na fé, parceiro, vai buscar a paz
Trabalha dia a dia, é isso mesmo, rapaz
Malandro é malandro e mané é mané
Pois é, é assim que é, maloca é maré”

Pois é, pela primeira vez aqui o destaque não é pras rimas do Sabotage. Pra mim, quem matou a track foi o Rappin Hood, mas essa é só minha opinião, canalhas.

Acredito que esta seja a música mais alegre de todo o álbum e também a que eu senti passar mais rápido. É sempre muito agradável ouvir o Rappin Hood rimando nessa batida de samba, porque ele sabe fazer isso muito bem. Quem escuta o disco “Sujeito Homem” sabe do que eu tô falando…

Bom, tá mais do que na cara que o tema desse som é a malandragem da rua, né? Sabota narra mais uma vez sobre a rotina da favela e a escolha do crime como forma de sustento, enquanto Rappin Hood e Buia preferem falar deste assunto de maneira discreta na letra.

6 – RESPEITO É LEI

“Depois não vem, que não tem, coca não é rapé
Eu sei qual é que é, tem loque que se move a ponta-pé
A minha cara, aqui, se quer passar a mensagem
Mas pode ver que o style de malandro é com khakis
Sou Sabotage, sou anti-bala, estilo gângster
Quem tenta me tirar do rango, enfrenta “Enxame” e “O Trem”
Atende, aí, fei, pergunta quem…
Quem vacilou, plêi-plêi! Moscou, não tem ninguém
Um, dois, três, inspirado em Freeman
Cheguei, regressei, ha! Não vivo assim
Eu vivo de realidade, sou Sabotage, não tenho imagem, ha
A minha levada é segura, filha da puta”

Assim como já havia feito em “Canão Foi Tão Bom”, Maurin já chegou metendo o loko com sua levada segura, mas o segundo verso pra mim foi o melhor.

Ganjaman volta a aparecer com destaque ao lado de Quincas Moreira (roubou a cena com o violão!) e do Instituto. Com um time desses, fica ainda mais fácil fazer música. A sensação de ouvir essa segunda estrofe é a de que se você não respeitar o Sabotage, além de levar uns pipocos no meio da face, vai passar um trem por cima de você. E ele e os manos do RZO vão estar só olhando, tirando uma com a sua cara, porque eles te avisaram…

7 – QUEM VIVER VERÁ

“Na Zona Sul nem milagre traz emprego pra gente
Mas dengue tem também, tipo um mosquito, pziii
Um zumbido, pish, Brooklin Sul, pensaram sim
Que eu era louco, sabotei Maurin
Agora venham ver, aplaudir de pé, tanto homem ou mulher
Um golpe de mestre, de inteligencia exerce
Check-mate, Sabotage
Nas peripécias da favela da saudade”

Foi difícil destacar um trecho dessa vez, porque essa letra é muito boa. Dexter teve uma ótima participação. Pessoalmente, gosto muito da voz e do flow dele, mas o estilo do Sabotage pra mim é inigualável.

Sabota começa falando da dificuldade que todo favelado tem para arranjar emprego e faz críticas à falta de saneamento básico nas periferias, o que ajuda o mosquito da dengue a se proliferar. O Maestro do Canão finaliza cantando sobre sua ascensão na música, que até hoje é motivo de muitos aplausos dos fãs de rap.

8 – LEVADA SEGURA

“Aí, playboy de esquimó, movido a pó
Conhecido lá no Brooklin por deixar a maior
Cabuloso lá do shopping, não vem do veneno
Usa uma arma e nem se envolve
Estuda direito, assassina a noiva
Quero mais é que se foda
Enfim, do lado forte bem se mata, nada pega, e aí?”

MANO, O QUE FALAR DESSE BEAT?! E ESSE REFRÃO?! Dá vontade de ir no fliperama mais próximo e jogar Sonic chapadão ouvindo essa música, de boa mermo. Essa batida fica na mente, chega a grudar. A participação de Mr.Bomba, do SP Funk, só agregou.

O refrão chiclete mostra que Sabotage também pode ser comercial sem perder a essência do gueto. No verso em destaque, é notória a crítica à justiça brasileira, que pune com rigor os mais pobres e alivia a barra dos ricos. Na primeira faixa do disco, “Mosquito”, isto também foi discutido pelo rapper.

9 – O GATILHO

“Na favela várias minas de milidia
Falta de crença, vendeu sua TV, virou cantina
Criança perdida, é uma criança iludida
Ontem sonhou em ter uma boneca, hoje quer ser a Tiazinha
Rá! Uma maneira de ser Feiticeira pra hipnotizar
Às vezes fixa, acredita em ser modelo
Pode crer, hoje a Itália, a China
O itinerário do puteiro, descabelo”

Mais um refrão bem feito pra conta do Maurinho. Paciência é, de fato, uma virtude, e Sabotage mandou a letra pra galera seguir o conselho. Mas na periferia, é dez mil vezes mais difícil ser paciente e o caminho do dinheiro rápido está bem ao lado, junto com todos os perigos que essa vida pode proporcionar. A falta de paciência também atinge as crianças, que já têm desejos de adulto ainda na infância.

A participação de BNegão, no final, dá um misto de saudade e alegria por ouvir um som tão agradável. Realmente, as ideias do Maestro do Canão eram avançadas, tanto é que o disco ficou totalmente atemporal. É possível se identificar com diversos assuntos abordados pelo rapper ainda hoje, em 2016.

10 – SAI DA FRENTE

“Quem nasce preto ou branco pobre
Joga o jogo da glória
Guerreiro, nasceu guerreiro
Encara a trajetória
Então acorda!
Levante, erga-se
Raciocine e lute
Pra sair daqui com liberdade
O mundo pode ser melhor que eu vi
Melhor que a convivência aqui, olha pra mim
Sou igual a ti
De carne e osso eu vim, rumo ao itinerário ser feliz
Sem ti-ti-ti
Eu quero progredir
Pra mudar aqui temos que partir juntin
A união transforma em força
Move gente de tantos país
Educadamente, inteligentemente sai da frente
Hoje eu quero ver meus manos mais cientes possível
Sempre, sempre presente e consciente!”

Apesar de entender os motivos que levam as pessoas a praticar crimes, Sabotage manda uma mensagem motivacional para quem ainda pode escolher outro caminho, mesmo estando preso. Sempre há chance de mudar e recomeçar sua trajetória. Esse é o papo do Maurinho.

Ganjaman, Rica Amabis e Tejo Damasceno também representaram na construção dessa música. Aqui não tem boom bap enlatado e nem trap modinha não, meu amigo. Isso é Sabotage!

11 – MÍSSEL

“Os homi já sabe que eu sou rapper, enquadra sempre
Um simples matim gera tal problema, tiozin
Quer um conselho, Joe? Coca mais não, só do verdin
A rua endoidou, quem quer mais tá assim
Na selva, Joe, a caça tá aberta aos tupi”

Na última faixa deste álbum, Sabotage te aconselha a tomar cuidado com essa tal de cocaína.  Para ele, é bem melhor ficar só de boas dando uns puxo no beck, porque isso não vai te matar.

Sandrão é quem começa a cantar e já descreve uma cena cabulosa, com direito a confusão com a polícia e a menorzada empinando moto pra lá e pra cá. Deu pra visualizar muito bem o que ele quis dizer.
A produção de DJ Cia foi novamente um sucesso. Não é uma das minhas preferidas, mas encerrou com chave de ouro a tracklist de um dos melhores álbuns do rap nacional em 2016.

Então é isso, pessoal! Espero que tenham gostado desse review, que talvez tenha ficado um pouco grande, mas acredito que a leitura valha a pena. Rs

Até a próxima!


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