Blank Face LP é o quarto álbum de estúdio do rapper da California ScHoolboy Q, contando com 17 faixas que compõem 72 minutos e 27 segundos de duração. Metro Boomin’, Swizz Beatz e The Alchemist são alguns dos principais nomes envolvidos em sua produção musical. Foi gravado por inteiro no estúdio TDE Red Room, lugar consagrado por gravar outros álbuns de artistas da Top Dawg Entertainment em Carson, California. Seu lançamento foi acompanhado por um pequeno filme produzido pela TDE. É dividido em três partes e possui pouco mais de 24 minutos no total. Para assisti-lo, clique neste link.
O contexto em que se deu o lançamento do álbum é marcado por relativa ansiedade por parte dos ouvintes de rap, tendo em vista os recentes lançamentos muito bem sucedidos da Top Dawg. Falo aqui, é claro, de To Pimp A Butterfly (2015), These Days… (2014), 90059 (2015) e o Oxymoron (2014), do próprio Q. A qualidade inegável desses projetos gerou grande empolgação em torno do que seriam os próximos passos na caminhada dos artistas da TDE. No entanto, considero otimista demais afirmar que Blank Face LP representa um capítulo extraordinário, um passo incomum na carreira do rapper. Ainda assim, numa discografia que já é associada à boa qualidade, o quarto projeto de Q se destaca com maravilhosos pontos positivos.
ScHoolboy Q atravessa um momento curioso na carreira. Apesar de gozar de certa credibilidade no gênero, precisa tratar de se manter em pé e não ser esquecido frente aos lançamentos cada vez mais fortes da cena. Se Blank Face veio com essa proposta, me parece certo que a ultrapassou. Mais do que apenas relembrar que Q ainda está entre os grandes, o trabalho serve como uma reafirmação de talento e capacidade artística de trabalhar bem e com originalidade temáticas propostas. Termina o que Oxymoron (2014) começou: consolida o artista entre os maiores nomes da cena.
No entanto, faltou equilíbrio ao início de Blank Face. “TorcH”, primeira faixa, apesar de ter boa letra e uma energia poderosa, tem cinco minutos e meio e apresenta um refrão estranhamente longo, por isso incomoda por servir como introdução. Esses quase seis minutos se tornam ainda maiores quando vemos que a segunda faixa, a “Lord Have Mercy” – que traz um instrumental excelente e uma performance quase perfeita de Q e Swizz Beatz -, não chega nem a dois. Quase um crime, dada a sua qualidade. O começo deixa uma sensação de que faltam em algumas faixas que sobram em outras. Especificamente, essa percepção do longo tempo se reproduz no álbum num cenário geral, deixando a impressão de que valiosos segundos poderiam ser cortados.
Se um dos sentidos da expressão “blank face” dialoga com o anonimato e a ausência de identidade, o Blank Face LP (2016) segue na direção oposta. Já é esperado que o desempenho de Schoolboy Q ganhe poder no aspecto originalidade. Seus trabalhos antigos provam isso e o álbum em questão aqui não fica fora dessa regra. Mesmo com uma temática muito utilizada na cena, Q consegue abordar os mesmos assuntos que todos do subgênero abordam, mas com um conjunto de voz e flow tão original quanto sua figura.
And hope was all that I needed, dreamin’ myself to work
This workin’ affair was better than bullet holes in my shirt
The demons hate when you make it and stay alive
They’d rather see me down under than see me fly – Schoolboy Q em “Lord Have Mercy”, Blank Face LP (2016)
É possível entender que o sentido de “blank face” que está sendo usado na obra é o que dialoga com frieza de sentimentos e ausência de emoções frente aos estímulos do mundo. Nesse ponto, uma conexão direta pode ser feita com a temática gangsta. Poucos podem fazer gangsta rap como Schoolboy Q, que tem nas suas origens de Los Angeles, mais especificamente em South Los Angeles, um passado como membro dos Crips, gangue norte-americana conhecida por ser uma das maiores do país. Q volta as origens com uma utilização pontual de vocabulário que pinta imagens como símbolos da vida criminal nos guetos.
The afterbell, we hang in halls
Underage, smokin’ weed and alcohol
Grandma sweeped shells out the driveway – Schoolboy Q em “TorcH”, Blank Face LP (2016)
O gangsta rap de Q é exposto de uma forma revitalizada e atualizada com tendências atuais de produção. Como é possível supor, criminalidade, drogas e armas são temas recorrentes no álbum. Elas aparecem em meio a uma expressiva quantidade de referências a outras obras de arte e figuras de linguagem que fazem das letras um ponto forte do trabalho. O melhor do projeto, entretanto, é a técnica do rapper, que traduz o talento de quem sabe usar a métrica das palavras nos complicados tempos dos instrumentais. Seja em faixas mais agitadas ou mais relaxadas, o artista não decepciona.
Um importante ponto a ser mencionado sobre o álbum em questão é a forte influência de outro personagem bem conhecido na cena do rap: Ghostface Killah, do Wu-Tang Clan. Ele é conhecido por ser um dos primeiros a usar máscaras em clipes de rap – daí o nome do álbum – e por seu nome ter originado diferentes apelidos, incluindo “the killer with no face”. Daí surge a ideia de “Groovy Tony / Eddie Kane”, quarta faixa do álbum.
Real life nigga, I’m in the stu’ ’til all the weed blown
Wait long, long, I hid the dope behind the cellphone
Y’all don’t hear me, I want the money right, ugh
Groovy Tony, no face killer, I see the money right, ugh – Schoolboy Q em “Groovy Tony / Eddie Kane”, Blank Face LP (2016).
Blank Face LP encontra outro ponto forte nas participações. Kanye West dispensa comentários em “THat Part”, terceira faixa do álbum, e o mesmo pode ser dito dos rappers Traffic e TF na faixa “Tookie Knows II”. Outros nomes não tem desempenho tão memorável. Anderson .Paak, artista que vem se saindo muito bem nos projetos em que participa e nos álbuns solo, no entanto, merece um prêmio só pelas features que tem na coletânea. De longe o melhor entre os artistas participantes, ele tem muito espaço no álbum, contribuindo tanto na introdução quanto na faixa que leva o nome do trabalho.
Be what you wanna be as long as you get the money right, yeah
Niggas don’t understand until you leap over 25
Dancin’ with devils, never knew how to treat your woman right, yeah – Anderson .Paak em “Blank Face”, Blank Face LP (2016), de Schoolboy Q.
Eis um álbum difícil de ser analisado. Ao mesmo tempo que vejo inegável qualidade no trabalho desenvolvido por todos os nomes, tenho a sensação de que algo faltou. Mas o que faltou? Faltou fazer com que a diferença, aquilo que torna a arte extraordinária, fosse muito além da originalidade do rapper e elevasse a condição do projeto a um divisor de águas, uma marca na história no gênero. Faltou o “algo a mais”, símbolo unânime dos espetaculares álbuns que são lembrados ao longo dos anos. Blank Face LP (2016) não é um álbum extraordinário. Mas que fique claro: um ótimo trabalho. É, sem dúvida alguma, candidato a melhor do ano.