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Sobre umas rimas meia-boca e um ego pra lá de Marraquexe

By 11 de maio de 2016 No Comments

Há pouco tempo, vi na comunidade Genius Brasil um fórum que perguntava “O que falta para o Rap Brasileiro?” 

Bem, se considerarmos muitos dos MCs que já têm trabalhos sólidos ou que estão num processo consistente de ascensão, a resposta é: não falta nada – inclusive, várias ponderações acerca disso feitas no próprio fórum são excelentes.

Mas e se formos olhar para quem ainda não atingiu maturidade artística? O que dizer?

Falta labor, consciência artística, saber o que se é, onde se quer chegar…

A questão aqui não é ter pouca instrução formal, muito menos fazer um trabalho que ainda não tem profundidade conceitual, mas, sim, o que fazer para mudar isso e, a partir daí, conseguir levar um trampo a outros patamares e, durante esse processo, apresentá-lo de maneira coerente (por que não?!).

Para tanto, é necessário trabalho duro e no Brasil já começamos mal, porque aqui ninguém lê. Isso nos leva a uma conclusão: 1) você lê, expande sua mente e elabora coisas realmente significantes ou 2) não lê, decora umas  punchlines dos jornais e passa a vida no lugar comum de quem não consegue sequer ter autonomia do próprio pensamento, muito menos criar algo decente, achando que só à luz de muita inspiração se faz um bom trabalho. E, possivelmente, esse seja um dos maiores problemas: o senso comum sobre a tal inspiração.

Em entrevista ao Jornal Estado de São Paulo, em 22 de março de 2003, Rachel de Queiroz, primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), disse:

“A noção comum que se tem a respeito do escritor é que pessoas excepcionais, nascidas com o dom de escrever bem o belo, são periodicamente visitadas por uma espécie de iluminação das musas, ou do Espírito Santo, ou de um outro espírito propriamente dito – fenômeno a que se dá o nome de ‘Inspiração’. O escritor fica sendo assim uma espécie de agente ou médium, que apenas capta as inspirações sobre ele descidas, manipulando-as no papel graças ‘àquele’ dom de nascimento que é a sua marca. Pode ser que existam esses privilegiados – mas os que conheço são diferentes. Não há nada de súbito, nem de claro, nem de fácil.”

Com isso, a romancista cearense não pretende eximir o papel da inspiração no processo criativo, mas desmistificar um conceito cultivado no imaginário popular, o de que a criação artística não está intrinsecamente ligado a esforço e disciplina, mas sim a algo transcendente.

Já Clarice Lispector, em entrevista concedida em 1977 à TV Cultura, dá a seguinte resposta quando o repórter Júlio Lerner pergunta em qual horário a escritora acorda:

“Quatro e meia, cinco horas. Fico fumando, tomando café, sozinha sem nenhuma interferência. Quando estou escrevendo alguma coisa eu anoto a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vêm. O que se chama inspiração, não é? Agora quando estou no ato de concatenar as inspirações, aí sou obrigada a trabalhar diariamente.”

E o trabalho diário não se resume a escrever. O trabalho é consumir cultura – quantos livros você lê por mês?; é acompanhar mais de um jornal e não consumir só as manchetes; é  conhecer sobre o que se pretende discursar e sair da redoma musical para encontrar conhecimento; é estudar teoria musical, ritmo, compasso, porque um flow não se aprimora do nada. O trabalho diário é foda.

Ainda, somado ao que foi dito pelas duas escritoras, demos espaço a um dos maiores letristas do rap brasileiro. Gustavo de Almeida, aka Black Alien, fala sobre alguns encontros com Sabotage e se posiciona diante de elogios vindos de amigos, músicos e jornalistas:

*Faixas 4 e 8 da mixtape “Mr. Niterói a Lírica Bereta”, trilha sonora de documentário homônimo que aborda a carreira de Black Alien.

Além de comentar sobre a avidez por conhecimento de Sabotage – e, mais uma vez, ratificar o que dissemos anteriormente-, Black Alien recusa a qualificação de gênio e esse é o gancho para o próximo tema!

Embora eu discorde do MC (afinal, ele é genial!), é preciso muito pé no chão para não se deixar levar pelo ego. Então, vejamos nós: um dos mais influentes rappers do Brasil recusa tal elogio, mas há quem lance seu primeiro single – que mais parece um cover do CPM 22 – e se ache o Marvin Gaye da parada; ou quem tenha um trabalho péssimo e uma vaidade tão grande quanto sonha que um dia seja sua conta bancária. Calma lá!

Ter dimensão do próprio trabalho e, antes de tudo, de si mesmo, é muito importante, pois todo bom artista é, também, um bom psicólogo. E não adianta enfeitar um trabalho e tentar dar a ele uma profundidade que não seja própria dele. Isto é como pintar um quadro barroco. Além do mais, é importante que uma ideia realmente complexa, quando existir, venha acompanhada de uma expressão simples, do contrário, o texto acaba perdendo boa parte da sua função.

E, além da falsa complexidade atribuída ao trabalho, há as traduções erradas (erradíssimas!) de cenários estrangeiros para o nacional. Mais uma vez, com a palavra, Black Alien:

E aí não dá pra agir como se seu home studio fosse a sede da Ruthless Records ou da A$AP Mob, só porque as amizades dizem que é, certo?! Mas se esse for o pensamento, voltamos à conversa sobre ter dimensão do próprio trabalho e de si mesmo.

Diante disso, não dá pra fazer um som de qualquer jeito, escrever qualquer coisa pseudo-complexa como release e sair tentando fazer com que escutem seu som como se você fosse o novo Tupac se você não o é. Um bom trabalho requer tempo, um discurso sólido requer estudo, vivência.

E eu nem falei do hype que faz a cabeça de uma geração inteira . Isso é papo pra outro dia.

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