Hoje é extremamente normal ler “prod. by The Alchemist” em uma música ou álbum e ficar animado para ouvi-lo, afinal, o produtor está em uma sequência incrível de projetos desde o começo da década passada.

O modus operandi de Alan Daniel Maman é simples: se juntar aos pesos pesados do cenário, sejam eles lendas do rap – como Prodigy – ou artistas mais novos, como MIKE.

Mas para estar onde está hoje, The Alchemist teve uma caminhada interessante no rap, começando como rapper. Estar com o microfone em mãos hoje é menos comum do que era na época, mas esse era o plano quando ele tinha a alcunha de “Mudfoot”, no grupo The Whooliganz, composto também por Scott Caan (na época, Mad Skillz), filho do lendário ator James Caan, falecido em 2022.

Ser amigo de um filho de ator famoso em Hollywood não era algo incomum para Alchemist, que cresceu na abastada Beverly Hills. Seu amor pelo rap e sua breve caminhada com Scott, os fizeram serem apresentados a Quincy Jones III, filho de Quincy Jones.

Ser apresentado a QD3 fez com que as coisas ficassem mais fáceis. Mas é importante citar que através do talento de ambos, a atenção de outros nomes do cenário angelino se voltassem para eles. B-Real, do Cypress Hill, foi um desses.

A dupla virou parte do coletivo Soul Assassins, composto pelo Cypress Hill e outros grupos como House of Pain e Funkdoobiest.

“Eu penso que o que rolava era um super treinamento. Muitos não sabem, mas quando eu tinha 14 anos de idade, eu, você e Scott dávamos rolês. Você do Cypress Hill, House of Pain, ser parte do Soul Assassins era uma coisa gigantesca. E foi ali que pela primeira vez eu vi alguém fazer um beat, a primeira vez que eu vi uma drum machine. Lembro que T-Ray, você, Muggs, Lethal, DJ Ralph M, foram os primeiros que eu vi fazendo isso,” disse Alchemist em entrevista para o canal de YouTube do rapper B-Real.

Não é à toa esse discurso, afinal, foi DJ Muggs, o cara por trás de grandes hits do Cypress Hill que ensinou Alchemist a ser um produtor. Mas isso só aconteceu após uma sequência de fatos.

The Alchemist e Scott Caan haviam conseguido um contrato com a Tommy Boy Records, gravadora com um histórico imenso de problemas com outros rappers – como o grupo De La Soul. Esse acordo possibilitou aos dois o lançamento de um disco pelo selo, projeto que seria entitulado “Make Way for the W“.

O single “Put Your Handz Up“, produzido por DJ Lethal, foi lançado mas não foi bem recebido comercialmente nas rádios, o que ocasionou o engavetamento do disco pela Tommy Boy.

Mesmo tendo um single lançado em 1995 no Reino Unido, os Whooliganz se separaram. Scott seguiu a carreira do seu pai, e Alchemist permaneceu no rap, dando início a outra jornada, a de produtor

A-A-A-A-ALCHEMIST!

DJ Muggs produziu quase toda a discografia do Cypress Hill, grupo que fez sucesso anos anos noventa e início dos 2000. Vários hits passaram pela mão do DJ, que saiu do grupo recentemente. Mas sem dúvidas uma das suas maiores obras, foi ter iniciado Alchemist no mundo da produção.

Esse moleque é foda, faz eu me lembrar de mim. Um cara persistente e trabalhador“, comentou DJ Muggs sobre Alchemist para o podcast Bootleg Kev. Ele também conta que deu acesso a ferramentas que o jovem Alan não estava acostumado, além de deixá-lo participar de sessões de estúdio.

Mas foi apenas após B-Real conhecer Alchemist e Scott que Muggs apadrinhou o hoje produtor. “Duas crianças brancas de Beverly Hills? Sai fora,” revelou o ex-membro do Cypress Hill no mesmo podcast.

Devido sua amizade com Evidence do Dilated Peoples, o produtor iniciou a trabalhar com o grupo, fazendo instrumentais para alguns dos primeiros sons dos mesmos, em meados de 1997 – ele seria um dos nomes que mais assinaria músicas no disco de estreia dos mesmos, o “The Platform”, lançado em 2000.

Após trabalhos para o Dilated Peoples e Defari, The Alchemist migrou para Nova York, focado em fazer sua faculdade.

“Eu fui para lá seguindo os meus sonhos. Eu fui primeiramente para estudar logo depois do ensino médio. Coloquei todas as minhas coisas em uma bolsa e tentei entrar na NYU (New York University). Eu tinha planos de estudar, mas além de tudo, eu queria ir para Nova York pois foi lá que eu passei umas férias quando tinha nove ou dez anos, apenas eu e a minha mãe. Haviam os grafites nos trens e o hip-hop passando pelas veias. É como se NY fosse o corpo, e o hip-hop o sangue. Eu fiquei impressionado. Então quando chegou a hora de escolher uma faculdade eu pensei em ir para lá. Mas eu queria mesmo era sair e fazer minha carreira na música. Eu fiz estudos gerais na NYU, e quando eu precisei escolher um major, eu não tinha planos, mas eu sabia comigo que eu realmente queria viver de música. Então eu arrisquei e acabou se pagando,” disse Alan para o RapReviews em uma entrevista em 2004.

Estar na Meca do hip-hop é algo diferente. O hip-hop nova-iorquino estava novamente em alta. Sair de Los Angeles para fazer faculdade realmente foi o melhor negócio que Alc poderia fazer. Em 1999, DJ Muggs o apresentou para Prodigy e Havoc, do Mobb Deep.

A conexão foi instantânea, e Alchemist assinou duas músicas no disco “Murda Muzik“, o quarto da carreira da dupla e até hoje o mais bem sucedido comercialmente. Além da participação nesse disco, o produtor esteve no clássico “Internal Affairs” de Pharoahe Monch, um grande clássico da Rawkus Records e também no disco de estreia da Terror Squad.

Prodigy e Alchemist se tornaram grandes parceiros. O produtor teve presença garantida no disco solo de estreia do rapper, o clássico “H.N.I.C.”, onde assinou inclusive a lendária “Keep It Thoro”.

Os primeiros anos da década de 2000 foram bem importantes para o produtor, que além de Prodigy, trabalhou com nomes como Jadakiss, Ghostface Killah, Guru, Dilated Peoples, Capone-N-Noreaga, e Big Pun, que para Alchemist, foi uma das suas melhores experiências dentro de um estúdio. “Ele incorporava o hip-hop. ‘Cê tá ligado, o hip-hop é meio exagerado, e ele era a representação humana daquilo,” disse ele.

The Alchemist lançou seu primeiro disco solo em 2004 pela Koch Records, “1st Infantry“, um projeto repleto de grandes rappers, assim como tem que ser.

Apenas em seu primeiro disco, Alchemist juntou: Prodigy, The Game, B-Real, Devin The Dude, Styles P, o grupo Dilated Peoples, entre outros. O hit do disco, é “Hold You Down“, uma das faixas mais clássicas daquela década.

O vídeo do single é dirigido por Estevan Oriol, fotógrafo de ascendência mexicana que sempre fez parte do Soul Assassins, suas fotos sempre foram muito famosas no mundo da música por retratar a cultura chicana e chola.

Alchemist lança versos na música, como de costume. Mas o destaque do som são as gemêas Nicole e Natalie Albino, componentes da dupla Nina Sky. O som contém um sample da trilha do filme “The Landlord“, de 1970, cantado por elas que ficou eternizado nos fãs de rap.

Outro destaque é o verso letal de Prodigy. “Hold You Down” foi revivida recentemente também devido seu making of ter feito muito sucesso na internet:

O som característico de Alchemist com samples e uma afiada drum machine se tornou referência. Um ano depois lançamento do seu disco, ele virou o DJ oficial do rapper Eminem, sucedendo DJ Green Lantern.

Uncle Al: Os discos colaborativos

Nunca esquecendo dos seus melhores amigos no rap, The Alchemist sempre fez questão de desenvolver instrumentais para seus colegas de sempre. Mas em 2007, pela primeira vez, o produtor resolveu chamar um deles para colaborar em um projeto único: com Prodigy, no disco “Return of the Mac”, um dos projetos mais sensacionais da sua trajetória.

Nós já falamos aqui no Raplogia como o visceral disco de Prodigy e The Alchemist pavimentou um pouco do caminho das parcerias rappers/produtores, e também como ele é significativo para a carreira de ambos.

Gosto bastante de destacar que esse disco dá início a uma fase na carreira de Alchemist que dura até hoje: fazer discos em parceria com talentosos rappers do cenário. Desde 2007 foram 9 discos colaborativos, 8 EPs e 7 mixtapes – não contando com “Heavy Surveillance”, com o grupo Dilated Peoples, lançado anos antes. São 24 projetos colaborativos de grande qualidade.

Alchemist colaborou com nomes populares como Prodigy, Action Bronson, Freddie Gibbs, Curren$y, membros da Griselda e Earl Sweatshirt gravaram com Alchemist; assim como nomes mais emergentes e desconhecidos como o grupo Durag Dynasty, o duo Armand Hammer, Mike, Wiki, entre outros.

São muitos nomes. Mas Alchemist se manteve muito conciso em suas produções e bastante seletivo com quem trabalha.

Para a Complex, o produtor comentou como escolhe os artistas:

“Me aproximo de cada um de maneira diferente – da mesma forma que um pintor iria até a tela e tentaria fazer algo diferente. Todo mundo é diferente. Seres humanos possuem diferentes nuances e peculiaridades. Primeiramente, meu processo é me tornar amigo, ou pelo menos conhecer a pessoa e gostar dela. Se você é um artista bom, você está realmente em sintonia consigo mesmo e está fazendo uma música que representa você como pessoa. Quando lembro de muita coisa boa que eu fiz com alguns artistas, eu lembro de no primeiro encontro ter um momento que eu falava “Gosto desse mano”. Ou eles diziam algo maneiro ou faziam uma piada. Somos divertidos. Se você é muito duro, talvez não funcione, humor é uma grande parte do que nós fazemos.”

Ao ler o trecho dessa entrevista, visualizamos os artistas que Alchemist vem recentemente trabalhando e é um grande fato que humor trabalhe em favor dessa parceria, nomes como Freddie Gibbs, Action Bronson e Earl Sweatshirt fazem jus a essa declaração.

É interessante analisar também como Alchemist faz a maioria dos artistas se moldar a sua sonoridade, ao mesmo tempo que sempre muda algo em seus projetos. Conhecedor de música, ele sabe que tem de aprender dos seus artistas, como ele mesmo comentou em entrevista para o site RockTheBells:

“Existem fases. Quando você é um aprendiz, você desenvolve um estilo. Você se torna sua própria parada. Depois, você se torna um professor e está ensinando. Se você avança da fase de ensino, você chega na parte que o aprendiz se torna um professor. Agora, se você é inteligente o bastante, você aprende algo dos seus estudantes. É o estágio final. São etapas vitais, na minha opinião.

Se você chegar nessa etapa de aprender com seus discípulos, você está na parte final do processo. Sinto que estou chegando nessa etapa agora. Eu aprendo muito com amigos mais jovens que fazem coisas diferentes. Não sinto que meu conhecimento ou o que eu vivi nos últimos anos me faz superior ou capaz de vetar coisas e dizer que eu já fiz aquilo. Estou na fase onde eu posso ensinar, mas também aprender dessa galera.”

E é simples. Basta analisar o catálogo recente do produtor que a gente viu que Alchemist aprendeu muito com novos nomes do cenário, e certamente é isso o quê movimenta e o tira da zona de conforto. Ser um dos nomes mais prolíferos da história do rap não é algo que você faz do dia para a noite, é preciso talento, mente aberta e saber com quem trabalhar.

Muito provavelmente falaremos sobre o trabalho de The Alchemist daqui há dez anos e ele continuará trabalhando com nomes novos do rap. É esperar para ver.

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe