Firmeza, família Raplogia? Dando continuidade ao fluxo, venho compartilhar com vocês meus álbuns de Rap favoritos (aplausos, hehe)! Minhas aventuras no mundo Hip Hop é muito recente: a ascensão do que a crítica cultural caracteriza como Novo Rap Nacional foi muito importante para minha imersão na cultura Hip Hop, bem na época quando eu cursava História na universidade, em 2008. Emicida foi o primeiro rapper a chamar minha atenção com o single “Triunfo”, de seu álbum de estreia Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe… (2009). Tive o privilégio de conhecer melhor o Rap em um momento muito relevante da história do Hip Hop brasileiro, que ultimamente vem tomando proporções incríveis. Até rapper negro e gay já temos! Meu interesse pela cultura Hip Hop cresceu tanto que hoje pesquiso de maneira mais profunda no mestrado, investigando suas matrizes lá nos Estados Unidos. O critério de escolha da minha lista são aqueles álbuns que eu não canso nunca de ouvir, além de terem algum significado relevante para minha memória musical, senão iria fazer mais um daqueles textos imensos que costumo fazer, risos. Vamos lá:
Entre (2012) – Kamau
Kamau é um dos rappers brasileiros que sou fã de verdade. Non Ducor Duco (2008) foi o primeiro álbum que ouvi desse rapper paulista, mas os beats não me agradavam muito: o que realmente me impressionou foram suas rimas e o poder de cura que elas possuem. Costumo dizer que o Kamau é uma espécie de terapeuta que questiona os valores, desconstrói as estruturas das relações e principalmente infla sua autoestima. O discurso confessional e autobiográfico é o que mais gosto em sua discografia: em uma sociedade extremamente preconceituosa na qual dançamos em paradoxos de desigualdades, temos que sobreviver e nos fortalecer juntos, praticando a solidariedade entre nós negrxs. Kamau é uma espécie de amigo que sempre esteve presente em momentos de dificuldades e incertezas de minha vida: me fechava no meu mundo, dava o play e aumentava o volume do som. O single “Só” me marcou muito, dentre outros que quando ouço automaticamente acionam memórias que fazem parte de minha história. No EP “Entre” a força da poética de Kamau ganha mais potência através de beats pesados como nas faixas “Eu Vou” e “(Eu Quero) Mais”, revelando um Kamau mais maduro musicalmente. O remix “Pretinha” (releitura do single “Pretin” da Flora Matos) é uma delícia de ouvir. Kamau é meu terapeuta, meu amigo, meu príncipe dos olhos verdes. Um dia dou um beijo nesse marrento.
2014 Forest Hills Drive (2014) – J. Cole
Conheci o J. Cole há pouco tempo, mas o impacto de sua discografia foi bem intenso. 2014 Forest Hills Drive foi considerado o melhor álbum do ano de 2014 pela revista Complex e minha descoberta foi por uma simples curiosidade, morta por um download. J. Cole me seduziu por seu flow, tessitura vocal e beats incríveis, além de ser um rapper crítico e se posicionar em relação a questões polêmicas, como o processo de apropriação da cultura negra por artistas brancos na indústria fonográfica. Os videoclipes do J. Cole são bem legais, como o fofo “Wet Dreams” e o político “G.O.M.D.” (semelhanças com o videoclipe “Boa Esperança” de Emicida são meras coincidências, risos), compondo o fantástico Cole World de Jermaine. Destaco as faixas “Fire Squad” (“Damn my nigga why you actin’ like a bitch?”) e “No Role Models” (“Don’t save her, she don’t wanna be saved…”). O registro ao vivo do álbum vale muito a pena ouvir.
Batuk Freak (2013) – Karol Conka
A ascensão do Novo Rap Nacional também foi caracterizada pela invasão das mulheres rappers na cena Hip Hop brasileira de maneira mais intensa, ainda asfixiadas pelo underground extremamente machista e sexista da cultura Hip Hop. Flora Matos, Lurdez da Luz e Karol Conka foram as primeiras rappers que tive notícias, vanguardas que abriram novos caminhos para as mulheres que hoje transformam o Rap em uma manifestação cultural mais feminina e plural. Porém, Karol Conka é a minha preferida principalmente por construir sua estética musical a partir do trânsito e hibridismo entre ritmos pós-modernos e tradicionais, dando ênfase às matrizes negras da música popular brasileira, como coco, maracatu, embolada, batuque, axé, samba, funk, dentre outros, compondo uma sonoridade diaspórica muito coesa e legítima. A força feminista negra de sua poética torna sua musicalidade altamente subversiva e transgressora. Não há faixa para se destacar: Batuk Freak para mim é um clássico em uma cultura na qual homens são sempre protagonistas. Rainha lacradora, meu máximo respeito!
Unplugged MTV (2001) – Jay-Z
Para quem pesquisa um dos maiores rappers da história do Hip Hop, escolher esse álbum de cara é meio que exótico. Sempre gostei de álbuns acústicos pois são através deles que podemos ouvir versões mais cruas e orgânicas da música, ter um contato maior com sua essência sem muitos efeitos e produções técnicas. Pelo o pouco que conheço, não existem tantos álbuns de Rap acústicos (no Brasil o Marcelo D2 também gravou um acústico MTV muito foda por sinal) principalmente por o Rap ser um gênero musical inventado por máquinas, como pick-ups, MPC’s e programas de computador. Nesse álbum Jay-Z é acompanhado pela banda de neo soul The Roots: as bases são desenvolvidas por instrumentos musicais, os efeitos são executados por técnicas de beat box e percussão e há orquestração de instrumentos de cordas e sopro. A back’n vocal Jaguar Wright é simplesmente foda nas faixas “Heart Of The City (Ain’t No Love)” e “Song Cry”. As participações especiais de Mary J. Blige em “Can’t Knock the Hustle/Family Affair” como também de Pharrell em “I Just Wanna Love U (Give It 2 Me)” são minhas faixas favoritas.
Rá! (2015) – Rodrigo Ogi
Conheci o Ogi por conta do Criolo, em alguma entrevista que eu não me lembro na qual ele citava seus rappers preferidos. Foi aí que eu ouvi o Crônicas da Cidade Cinza: que álbum, que álbum! Declaro aqui meu amor pela tessitura e dinâmica vocal do Ogi, que é superada no álbum Rá! A extraordinária capacidade de contar histórias através de suas rimas ganha organicidade com suas experimentações e performances, como seus personagens fossem materializados através da música. Ogi é aquele amigo divertido que sempre tem histórias interessantíssimas para contar na mesa do bar, um dos pouquíssimos rappers brancos que eu sou fã, ele e o Action Bronson. Minhas faixas preferidas do álbum são “Aventureiro”, “Trindade (Parte 1, 2 e 3)” e “Chico Cicatriz” (“Você é digno de pena, cuzão! Eu sou leão, você hiena, Jão!”). Ressalto a produção do Nave, feiticeiro dos beats. A bença, vovô Ogi!
Acid Rap (2013) – Chance, The Rapper
Este tecnicamente não é um álbum, mas eu considero como um. Ano passado a Complex em suas listas destacou o Chance como uma das promessas da cena Hip Hop de Chicago, terra sagrada do deus Yeezus. Nunca confie tanto em listas, mas a Complex costuma acertar nas apostas. Hoje sendo aclamado pela crítica musical com o The Coloring Book, Chancelor chama a atenção por seu timbre, sua performance divertida, como também por suas influências do R&B, jazz, soul e gospel, oxigenando o Hip Hop através da Black Music. Dá vontade de morder de tão fofo. “Cocoa Butter Kisses (feat. Vic Mensa & Twista)”, “Juice” e “Everybody’s Everything (feat. Saba & BJ The Chicago Kid)” são faixas para ouvir em um dia de sol.
Contra Nós Ninguém Será (2013) – Edi Rock
Esse álbum solo do Edi Rock marcou um momento muito difícil de minha vida, especialmente com a faixa “That’s My Way (feat. Seu Jorge)”. Sabe aquele Rap que parece sua biografia? Pois é, não tem como eu ouvir e não chorar. É meu hino de guerra. Costumo dizer que o Rap é o divã do homem negro: através da palavra nós denunciamos nossos problemas, confessamos nossos erros, desabafamos nossas dores, nos permitimos a sonhar. Escrever raps é exorcizar demônios. Além do valor sentimental, Contra Nós Ninguém Será é um álbum que possui altos teores de black music brasileira, uma verdadeira incursão nas sonoridades dos anos 1970 e 1980, apesar de não abrir mão dos beats pesados do gangsta brasileiro (típico do Racionais MC’s), ampliando as perspectivas sonoras através de conexões com o reggae e até com o tango. A porrada de participações especiais torna a experiência de audição única para cada faixa. “É força e poder, dom através do som”.
Habits & Contradictions (2012) – Schoolboy Q
Não vou mentir: eu vi uma imagem do Schoolboy Q com o Kendrick Lamar e me apaixonei logo de cara. Achei ele um gostoso e resolvi ouvir pra ver se o Rap dele prestava. Fiz o download da deluxe edition do álbum Oxymoron, agradou o que eu ouvi, porém não me impressionou. Passou um tempo, resolvi ouvir os outros álbuns e me deparei com esse que para mim é uma obra prima da nova geração de Compton. Óbvio que depois do recente lançamento de Blank Face LP, esse nível absurdo não vai ser superado nunca mais, mas continua sendo o álbum no qual o Q me mostrou que além de gostoso é um rapper do caralho. Os beats são caracterizados por sonoridades urbanas sujas que possuem dinâmicas descontínuas, ora pesadas e intensas, ora leves e sublimes. É uma espécie de Rap sinestésico, que incita os sentidos. “Hands On The Wheel (feat. A$AP Rocky)”, “Oxy Music”, “Raymond 1969” e “How We Feeling” sempre estão no repeat.
Nó Na Orelha (2011) – Criolo
Nó Na Orelha é um álbum símbolo, um álbum manifesto do Novo Rap Nacional, na minha opinião. Criolo revolucionou a forma de se fazer Rap e construiu uma ponte sólida interligando o Rap à MPB, que a maioria dxs artistas, sendo do Hip Hop ou não, começaram a transitar. O Rap foi o elemento marginalizado que sempre resistiram em misturar no hibridismo musical brasileiro, e se o Novo Rap Nacional tem uma conquista é de ter conseguido ser reconhecido e imbricado enquanto uma das mais importantes matrizes musicais de nossa cultura. Foi um choque estético imenso na época em que eu ouvi, por todos os aspectos que compõe o álbum. É de fato um dos grandes clássicos do Hip Hop brasileiro, uma obra gerada por um ser humano tão sublime que é o Criolo, produzido por um cara tão foda que é o Daniel Ganjaman. Um álbum para mostrar pros filhos.
The College Dropout (2004) – Kanye West
Eu e minha casa serviremos a Yeezy! Kanye West é realmente um gênio incompreendido, apesar de ultimamente falar e fazer muita merda como o The Life Of Pablo e o videoclipe da faixa “Famous”. Meu desejo era que toda discografia de Yeezy fosse como esse álbum: ele é perfeito! Acredito que Kanye West está em uma crise criativa que está comprometendo decisivamente sua estética. The College Dropout e The Life Of Pablo são dois opostos assimétricos. Hoje em dia é bem difícil defender o Muhammad Ali do Hip Hop, mas continuo minha devoção para além do Rap e da música, acompanhando seu trabalho enquanto designer de moda e me inspirando em sua personalidade. WAKE UP, MR. WEST!
Por hoje é só, amiguinhxs. Depois da minha listinha, desconstruam na mentalidade de vocês que nós gays só ouvimos pop e música eletrônica. Até a próxima e espero que tenham curtido!
Daniel Dos Santos (DanDan) é licenciado em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), mestrando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), membro fundador e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afrobrasileiros (AfroUneb) e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade (CuS), nos quais desenvolve o #TheGangstaProject: Masculinidades Negras nos Videoclipes dos Rappers Jay Z e 50 Cent. É apaixonado pelo Drake e Kanye West. Os boxeadores negros são suas principais inspirações.