Quando o funk encontra o grime

Buscando uma sonoridade diferente, CESRV, Febem e Fleezus chegam com BRIME!, uma combinação do brime britânico com o funk e ritmos brasileiros. Para quem não conhece os três envolvidos, o produtor CESRV trabalhou em todos os discos do Febem e no EP da Ceia Ent, assinando produções ou fazendo a parte de mixagem & masterização dos discos. Essa experiência técnica inclusive foi utilizada no disco Bluesman (2018) do Baco Exu do Blues, no qual Cesar participou dos processos de gravação, mixagem e masterização. Do trio, Febem é o nome mais conhecido, atualmente o MC faz parte do selo da CEIA, pelo qual recentemente o disco RUNNING (2019), muito bem recebido pelos ouvintes de rap. Por fim, Fleezus, também de São Paulo, é um talentoso MC que ainda não lançou nenhum disco de expressão, pelo menos não até o lançamento de BRIME!.

A combinação inusitada funcionou como um time de futebol bem entrosado, que é bonito de se ver, independente da torcida. E escolho fazer essa metáfora futebolística devido a bela capa do disco, que merece uma atenção própria. Ela foi produzida a partir de uma ideia do próprio Febem, sendo uma imagem da final do Campeonato Mundial de Clubes de 2012, na qual Corinthians enfrentou e ganhou do time inglês Chelsea. O carrinho do Chicão para roubar a bola jogador Hazard funciona perfeitamente como uma alusão do trio brasileiro roubando a cena do grime dos ingleses. Isso se traduz no nome do disco, onde o “g” do grime é substituído por um “b” de Brasil.

Capa do disco BRIME!, idealizada por Febem.

Brime: o nascimento de um novo ritmo

O disco de 6 faixas contém algumas produções que foram realizadas em conjunto com artista britânicos. E embora o destaque seja para a mistura do brime com funk, o disco contém produções mais fiéis ao brime. “RADDIM” abre o disco com ritmos de funk, em uma faixa onde Febem e Fleezus mostram todo entrosamento trocando versos. Passando a vivência dos momentos que antecedem o rolê da quebrada, Fleezus se destaca nos momentos cantados no estilo funk.

“FALA MEMO” continua incorporando o ritmo de funk e traz a primeira participação internacional, Jevon, artista britânico que possui parentes brasileiros. Nesta faixa os três MCs passam sua visão da quebrada e mostram não ter vergonha nenhuma de onde vem:

Não sei de nada, é lei
Paz do Senhor, amém
Faz fé, jogo do bicho
Giroflex perigo – Febem

Na subida do morro é diferente
Tem ladrão, zé povinho, pastor e gerente
Tem quem chega junto, uns que some de repente
Aqui o poder paralelo ainda é a frente
Não vai pra grupo não, na rua é outra fita
Ninguém é peito de aço, tu viu muito Sintonia Fleezus

Just got my call from Tio
You told me that love got his best friend kill
That’s why I only show love to the real
Got my hand out, we need a meal – Jevon

Com sample de “Deixa os Garotos Brincar”, a dupla de MCs paulistas falam em “TERCEIRO MUNDO” sobre o fato das adversidades não impedirem que os jovens das quebradas sonharem e continuarem a realizar seu sonhos. Ideia que se traduz no marcante refrão

Manda avisar que aqui nóis tira água de pedra
Terceiro mundo, fábrica de Marighella
Manda avisar que aqui nóis tira água de pedra
Terceiro mundo, fábrica de Marighella

Não posso deixar de lembrar que em 2017 escrevia aqui para o site que as faixas com referências futebolísticas eram escassas no país do futebol, situação que mudou muito. Muitas faixas têm feito analogias com futebol e usado atletas como referências, “CHELSEA” traduz essa mudança muito bem. Torcedores do Timão declarados, basta olhar para a capa do álbum, Febem e Fleezus fazem referências a diversos jogadores de futebol famosos, dos brasileiros que vestiram a camisa do Corinthinas, Sócrates, Cássio, Emerson Sheik e Ronaldo, aos conhecidos internacionalmente, como Platini, Zidane, Ibrahimovic e Dele Alli.

Quando chegamos a faixa “SOHO” temos uma quebra no ritmo, inspiração no funk continua presente, mas em um ritmo é muito mais romântico e lento. Teeboi marca a segunda participação internacional no refrão, mas são os brasileiros que tão a tônica da faixa. Febem conta uma história na qual aborda uma mulher em sua experiência em Londres, na região que dá nome a faixa:

Andando pelo Soho é frio, like a Johnnie Walker
Acabei de achar sua Doctor Martens, Cinderela
Where you from? Do you know favela?
Chave de cadeia, deixa eu ser seu refém
Na terra da rainha todo mundo vive bem
Mas de onde eu venho todo menino é um rei

Já Fleezus relembra das mulheres que não davam atenção ao MC no tempo da escola. E embora ele aprecie a beleza destas mulheres, a única conquista que parece estar em sua mente neste momento são os horizontes que a música pode lhe levar:

Mó patricinha, não dava condição
Hoje em dia se ela me vê nessas ruas
Perigo, atravessa, acena com a mão
Aquele maloqueiro da fila da cantina
Hoje em dia está em London
Pode até falar que gosta
Mas o meu destino é esse mundão

A última faixa, e também um dos singles para o disco junto com “RADDIM”, “YING YANG” finaliza o álbum com uma faixa com uma mensagem bem positiva, energia que pode ser percebida no excelente clipe vertical dirigido por Bruno Cabral. Fleezus com vocais mais cantados no estilo de funks mais melódicos traz um refrão com uma mensagem de esperança (Mas é que, mano, a realidade ainda tá osso/O plano segue o mesmo: tirar a mãe do sufoco) e versos com a mesma mensagem:

Nessa estrada o que não falta é obstáculo
Queria que tudo mudasse, mas não é fácil
Quando não tem, não encontra aliado
Quando tu tá com as folha é vegano pra caralho

Revezando os versos com Fleezus, Febem muda o ritmo da faixa com suas rimas em um estilo mais tradicional ao rap, com versos com a mesma mensagem positiva do seu conterrâneo:

Só não dorme no trilho que o trem passa
Sobreviver tá caro, morrer é de graça
Abraça o mundo na emoção, ninguém conseguiu
Pega a visão, até Superman do cavalo caiu
Por isso o tapete lá em casa é de casca de ovo
O que me deseja, aqui desejo em dobro
Minha meta é dez, qualquer aposta eu cubro
Filha, fome ”cê” não passa, eu juro

O Veredito

Cersv, Febem e Fleezus fizeram o que muitos almejam e não conseguem, que é produzir um novo ritmo. BRIME! traz uma mistura muito orgânica e original entre o grime britânico e os ritmos do funk brasileiro. Mesmo quando as faixas não trazem uma forte influência dos ritmos nacionais, a partir da entrega dos MCs com versos mais cantados ou com levadas dos funk, notamos que a combinação que agrada os ouvintes com facilidade. E muito mais que as levadas e os ritmos, a própria estrutura dos versos também remontam ao funk, quando temos versos mais curtos combinados com refrãos marcantes e repetitivos.

Cesar na produção dispensa comentários. Febem vem se destacando cada vez mais a cada trabalho e verso lançados pelo MC. E, por fim, Fleezus, seja rimando ao estilo do rap ou cantando seus versos praticamente como se fossem funks, é um destaque a parte, criando uma expectativa no que pode vir a lançar num futuro próximo. Vai ser difícil deixar um trabalho tão original de fora dos destaques deste ano de 2020.

 

 

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