A primeira vez que ouvi falar de Nipsey Hussle, ele ainda era um rapper em ascensão. Em 2010, foi um dos nomes presentes na indicação anual de calouros da XXL; Naquela edição, ele dividiu espaço com nomes como J. Cole, Wiz Khalifa, Freddie Gibbs e Jay Rock.

Nip chamou atenção devido ao fato de ser um rapper de Los Angeles, cidade que aos poucos renascia para o cenário do hip-hop. Entre 2010 e 2011, as mixtapes The Marathon e The Marathon Continues foram grandes lançamentos daqueles anos e o colocaram sob o radar dos grandes nomes. 

Nipsey no estúdio de DJ Khaled em Miami, 2009. Foto: mpi04/MediaPunch/IPX.

Todo o corre de Nipsey era feito de maneira independente através da gravadora All Money In, fundada por ele após o término de seu contrato com a Epic Records.

Artisticamente, era um rapper extremamente talentoso, contava suas histórias nas quebradas de Crenshaw como ninguém. Socialmente, Nipsey sempre foi engajado, criava programas na sua comunidade e era um ícone no South Central de Los Angeles. De forma estratégica, ele começou ganhar nome com o lançamento de Creenshaw (2013) atraindo os olhares de JAY Z. Em sua terceira mixtape pela própria gravadora, agora mais estabelecido, resolveu inovar. Vendeu-a por cem dólares e em 24 horas conseguiu faturar o valor de U$ 100,000, criando um recorde dentro do cenário. 

Gastando 75 centavos para produzir cada CD da mixtape, ele lucrou mais de 1300%: 

“É 2013. Quer aceitemos ou não, comprar música é uma escolha, não um requisito. Quando penso na psicologia por trás do que me faz comprar um álbum de artistas, é sempre uma forma de retribuição. A razão pela qual eu escolhi cobrar 100 dólares por unidade e só começar com 1000 unidades, é porque eu costumo fazer minhas músicas para aqueles que estão ouvindo. Não se trata de sair fora da minha zona na esperança de novas descobertas. Cada vez menos os fãs estão sendo bem tratados. Estou focado em servir aqueles que estão conectados. Dito isso, é algo de valor acima do volume. Eu não vou oferecer um produto feito sem compromisso ou concessão para as plataformas. Então a forma que vendemos tem de mudar.”

Quando JAY Z ouviu da estratégia, comprou mais 100 cópias da mixtape. A partir de então, ele começou a ser ainda mais respeitado dentro do cenário e tornou-se um grande estrategista da sua carreira. 

Entre Crenshaw e seu disco de estreia ele agraciou os fãs com a mixtape Mailbox Money (2014). Seu contrato com a Atlantic garantiu grandes nomes para seu disco de estreia, Victory Lap (2018). YG, Puff Daddy, Kendrick Lamar, The-Dream e Cee-Lo Green. O visceral estilo do rapper tornou o disco um dos melhores álbuns do ano e também um dos grandes trabalhos da Costa Oeste na última década. O ápice da sua “volta da vitória” foi a indicação ao Grammy de Melhor Disco de Rap em 2019. Mesmo perdendo para Cardi B com Invasion of Privacy, era notório que grandes coisas estavam por vir. 

Foto: Vivien Killilea.

O legado como líder nas comunidades 

A vida em Crenshaw sempre foi bem retratada por artistas como Ice-T, Dom Kennedy, Kurupt, e vários outros nomes. Em 1991, o bairro foi o cenário do clássico filme de estreia de John Singleton Boyz n the Hood, que mostrava uma violenta realidade no local. 

Mesmo nesse cenário, Nipsey Hussle sempre quis inspirar os mais jovens e elaborar formas de muitos deles terem novos destinos que não fossem gangues, violência e crime. Próximo a sua morte, ele havia agendado reuniões com a polícia de Los Angeles para discutir violência com armas de fogo.

Ele buscava também desenvolver negócios na Crenshaw Boulevard, fazendo com que todos eles fossem de empreendedores negros. Ele foi alvejado na frente de sua loja, Marathon Clothing, que é localizada em um centro comercial no qual o rapper estava investindo. 

Seu principal objetivo era impulsionar e beneficiar a comunidade negra com investimentos e negócios próprios, e através da iniciativa Our Opportunity ele gostaria de desenvolver isso em várias cidades americanas. 

Além de estar próximo a todos esses negócios, ele se envolveu nas primeiras conversações para desenvolvimento do museu Destination Crenshaw, que traz uma experiência cultural para as pessoas na Crenshaw Boulevard. O museu frequentemente celebra artistas negros e faz exibições de trabalhos que contam a história da comunidade. 

Também pensando em sua comunidade, Nipsey havia doado dinheiro para a 59th Street Elementary School em Los Angeles. Essa quantia foi doada para serem comprados tênis, revitalizar quadras de basquete e playgrounds. 

Foto: Getty Images.

A realização desse investimento deve-se ao próprio Nipsey ter sonhos quando mais jovem e não ter estrutura para isso ocorrer. Dessa forma, ele buscou ser uma plataforma de impulsos para os jovens iniciarem caminhos para os seus sonhos se tornarem realidades em um futuro bem próximo.

Nipsey Hussle nunca abandonou seus iguais. A comunidade a qual ilustrava através de suas letras, era também o que o motivava para alcançar objetivos dentro da música. O retorno para Crenshaw era uma forma do rapper agradecer e também não querer ver crianças e adolescentes tomarem rumos para a violência de gangues, bastante comum na região e que fez parte da vida dele. 

Essa consciência em prol da comunidade cresceu em Nipsey Hussle após ter levado seu pai para uma viagem na Eritreia, país natal dele que fica localizado na África Oriental. A nação foi uma colônia italiana até 1942, e anos depois seria anexada à Etiópia. 

Após ter ganhado uma grana trabalhando nas ruas, Nipsey levou seu pai e irmão para essa viagem em 2004, quando tinha 19 anos. Foram três meses por lá, onde o rapper conheceu uma realidade extremamente diferente da que vivia.

“Eu vi pessoas em posições chave como presidentes, governantes, polícia, todos da mesma cor. É um país controlado pelas pessoas. Sem classe racial, todos se sentem parte dele,” disse Nip para Complex em 2010 sobre sua viagem. 

Em sua volta para os EUA, ele viu como as coisas poderiam ser em Crenshaw e em muitos outros lugares da América. A partir de então sua visão foi a de impulsionar negócios, pessoas, e toda a sua comunidade.

O que ficou musicalmente

Depois de Victory Lap, sua carreira iria naturalmente se tornar sólida. O projeto de estreia foi muito além do esperado e rendeu ao rapper uma nomeação ao Grammy e mais atenção dos grandes nomes do cenário. 

Após sua morte, o disco voltou aos charts ficando atrás apenas de Billie Eilish em Abril do ano passado. Em Janeiro de 2020, o certificado de platina marcava a casa dos milhões de cópias vendidas. 

O primeiro single de Nipsey em 2019 foi “Racks in the Middle“, com Roddy Ricch e produção de Hit-Boy. O impacto da música foi imenso e em 2020, levou o Grammy de Melhor Performance de Rap, recebido por sua viúva Lauren London e restante da família. 

Um dos nomes mais emergentes do jogo, Nipsey teve sua ascensão freada em frente à sua loja, mas o seu legado será eterno e fará muitas outras pessoas dar a volta da vitória.

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe