Salve, leitores do Raplogia.
Estreamos hoje uma nova série chamada “Birth to Infinity”, onde nossos colunistas farão uma lista dos seus álbuns favoritos na história do RAP, do ano de seu nascimento até o ano atual, um por ano, fazendo assim uma linha do tempo do nosso movimento, suas evoluções e inúmeras influências ao decorrer da história, pela visão de cada um que vive o RAP.
Começo eu com a primeira lista, trazendo tudo que formou meu gosto no RAP, desde 1991, ano do meu nascimento. Vamos conhecer então meu “91 to Infinity”?
[1991] A Tribe Called Quest – The Low End Theory
Os percursores do chamado “Hip-Hop Underground” trouxeram em 1991 o seu segundo disco de estúdio, “The Low End Theory”, consolidando-os como um dos grandes pioneiros do estilo em Nova York. “The Low End Thoery” não é exatamente o meu disco favorito do grupo, mas foi o lançamento de 1991 que mais me marcou. Uma curiosidade bacana é que a icônica capa do disco, que trás um forte conceito de Pan-Africanismo, foi inspirada na capa do disco “The Cymbals/SYmbols Sessions”, de 1973, do músico de Jazz Sun Rá,
[1992] Dr. Dre – The Chronic
“The Chronic” é conhecido como um dos discos mais importantes da Costa Oeste Americana, moldando e consolidando o estilo do produtor e também da cena daquele lado do mapa. É considerado um dos clássicos “intocáveis” da história do RAP, trazendo as linhas de baixo e sintetizadores conhecidos tão amados pelos fãs do RAP que vem da West Coast.
[1993] Wu Tang Clan – 36 Chambers
“36 Chambers” influenciou todo o som de Nova York, e Wu Tang Clan influenciou quase todos os grupos de RAP que nasceram depois daquele ano de 1993. RZA criou um ambiente sujo e submerso, como era a Nova York dos anos 90. São tantos bons MC num mesmo disco que fica difícil falar de cada um deles. Metáforas e referências a filmes de luta são o carro chefe dessa obra, que, pra mim, é o melhor disco do Wu Tang, com certeza!
“Bring da mothafocka ruckus!”
[1994] Nas – Illmatic
Me pergunte qual o bairro com a maior quantidade de lendas e clássicos do RAP, e eu te direi que o Queens é esse lugar, com “Illmatic” sendo seu maior expoente, dentre outras dezenas de clássicos. Considerado pela maioria dos críticos de música como o maior álbum de RAP de todos os tempos, fez com que todo mundo se reinventasse, e o Queens tivesse sua marca registrada quando se fala de RAP. Nas deslanchou com suas rimas internas e certeiras em cima de beats dos maiores produtores de todos os tempos, como Q-Tip, Large Professor, Pete Rock e DJ Premier.
[1995] Mobb Deep – The Infamous
Totalmente influenciado por “Illmatic”, “The Infamous” veio logo após o fracasso do primeiro disco da dupla Prodigy e Havoc. E não podia ter sido diferente.
O estilo de produção de Havoc ficou eternizado por meio de um dos maiores single de todos os tempos – Shock Ones 2, e Prodigy como um dos Mc’s mais respeitados. Pra mim, é o melhor disco da Costa Leste, ela agressividade da dupla e toda a história que envolve sua produção, que teve em Q-Tip o grande guru desse lançamento.
Esteja em paz, P!
Menção honrosa: Raekwon – Only Built 4 Cuban Linx
[1996] Heltah Skeltah – Nocturnal
Com todo respeito a Notorious Big e Jay-Z, mas a dupla Rock e Ruck deixou um clássico tão importante que é impossível não coloca-lo como um dos melhores álbuns da história do Brooklyn. Falei dele aqui esse mês, e mais uma vez “Nocturnal” se faz presente entre meus discos favoritos.
A poesia por trás das letras de Sean Price e a agressividade e habilidade com as palavras de Rock, em cima de beats tão relevantes dentro do estilo de Nova York, fazem esse disco ser tão belo, mesmo que tão esquecido dentro das listas de melhores discos da cena. Ouçam “Nocturnal”, é uma grande obra.
[1997] Racionais MC’s – Sobrevivendo no Inferno
Se qualquer veículo especializado em música, de fora do Brasil, olhasse para o nosso RAP com o mesmo carinho que olhamos para o que vem de fora, esse disco estaria entre os 10 maiores disco de RAP de toda a história. “Sobrevivendo no Inferno” é tão atual e atemporal que, 20 anos depois, ainda ecoa por todos os lados, como em 2018, que foi escolhido como leitura obrigatória para o vestibular da UNICAMP. É desnecessário explicar porque essa obra é tão importante, mas acredito que, nenhum outro trabalho nacional irá supera-lo por toda a sua importância e relevância. Foi o primeiro disco de RAP que ouvi na vida, e talvez o mais importante pra mim.
Menção honrosa: Capone N Noreaga – The War Report
[1998] 5 Elementz – The album that time forgot
“O álbum que o tempo esqueceu” faz jus ao disco. Quase desconhecido pelo público em geral, a obra ficou pra história. É um dos primeiros registros sonoros do grande J Dilla, que produziu o disco todo. O grupo é originário de Detroit, trazendo também o grande Proof, DJ Sicari, Thyme & Mudd.
É um disco bem sujo e descompromissado com a qualidade de produção que vemos hoje, devido ao estilo da época e a dificuldade de acesso a boas MPCs e mixers. Nada disso apaga a qualidade sonora do álbum, que merece ser reconhecido e lembrado pelos amantes de Hip-Hop. “Sun Flower” é uma música maravilhosa, uma batida excelente, e pode ser a porta de entrada pra quem ainda não conhece o grupo.
Estejam em paz, J Dilla e Proof!
[1999] MFDOOM – Operatiom Doomsday
Depois da morte do seu irmão, Daniel Dumile abandonou o KMD e o nome Zen Love X, e após um tempo sumido, retornou como o Super Vilão mascarado, chamado MFDOOM. Automaticamente, criou uma legião de fãs devido sua aparência desconhecida e seu universo criado por meio de rimas metafóricas, abarrotadas de referências a sua vida pessoal e aos HQ’s. “Operatiom Doomsday” foi o início de uma carreira brilhante, que fez o MC ser colocado no ponto máximo dentro do panteão do Hip-Hop Underground. Obra indispensável pra se conhecer mais da cena.
[2000] Quasimoto – The Unseen
Na virada da década de 90 para 2000, o Hi[-Hop foi revolucionado por novos estilos incorporados ao estilo, e co a aparição de novos Mc’s e produtores. No ano 2000, um personagem quase-humano, amarelo e sempre acompanhado de um cigarro e sua arma – um tijolo, deu as caras pelos lados de Los Angeles, virando o jogo do RAP e mostrando uma roupagem totalmente diferente. Estamos falando de Quasimoto, e seu disco e estréia, “The Unseen”, o primeiro grande projeto de sucesso do produtor e DJ Madlib. Falamos dele aqui, então é desnecessário tecer mais elogios a essa grande obra-prima do RAP.
“I was born in 1973, on the 22nd on December, my pop shot 6 cops, i remember .. “
Menção honrosa: Outkast – Stankonia (Isso aqui é uma das coisas mais lindas do RAP, ainda falarei sobre ele e sua importância).
[2001] Cannibal Ox – The Cold Vein
Em 2001 a dupla do Harlem, Vast Aire e Vordul Mega, com produção do talentosíssimo El-P, trouxe a rua o seu disco “The Cold Vein”. Carregado de uma estética apocalíptica, o grupo fez um dos trabalhos mais bem aceitos do underground, recebendo dezenas de elogios e até comparações com “36 Chambers”. Ouvir “Straight Off the D.I.C” é como mergulhar num sample de rock psicodélico e carregado de sujeira, batidas frias e uma visão nada otimista do mundo.
[2002] Aesop Rock – Daylight EP
Considerado o MC com o vocabulário mais amplo de todos os tempos, superando até mesmo Shakespeare, Aesop tem status de lenda pelo underground. “Daylight EP” é só um dos vários e aclamados trabalhos do rapper de Nova York. Amo a forma como ele canta, a levada incomparável, as letras abarrotadas de referências e metáforas que fritam minha cabeça. Fica o destaque aqui na faixa “Alchemy”, ouçam e louvem um dos maiores MC’s que ja pisaram nesse plano!
[2003] Little Brother – The Listening
9th Wonder, um dos meus produtores favoritos e um dos mais prolíficos da cena dos anos 2000, junto dos Mc’s Phonte e Big Pooh, lançaram em 2003 o disco de estréia do Little Brother, “The Listening”. Com um conceito de que o disco está sendo ouvido em uma rádio, o trio da Carolina do Norte trouxe uma das mais belas obras do movimento, cercada de mensagens de amor, questões raciais e conselhos de vida. Os beats extremamente elegantes, sempre acompanhados de samples de vocais femininos e a caixa já conhecida de 9th Wonder, junto de um talento absurdo dos Mc’s fez um barulho enorme na cena e influenciou muitos grupos futuramente.
[2004] Madvillain – Madvillainy
Infurnados em um bunker anti-bomba na California, MFDOOM e Madlib ficaram meses regados a maconha e bebida para criar a obra que, para a cena está num altar dos deuses, e para mim é o melhor disco de RAP já feito: Madvillainy!
Com alguns beats gravados em um hotel no Brasil, onde disquetes contendo algumas faixas foram roubados, a dupla trouxe uma roupagem jamais vista de batidas, rimas e um formato de disco de curta duração com rimas certeiras, divertidas e quase indecifráveis do Super Vilão! Faltam palavras pra falar de tal obra, então aqui tecemos algumas palavras sobre o disco e como ele mudou o jogo.
[2005] 50 Cent – The Massacre
Ame ou odeia Curtis Jacknson, mas o fato é que o MC é um dos grandes nomes do RAP nos anos 2000. Após o lançamento de seu primeiro disco – Get rich or die Trying, considerado pela Allmusic como “o melhor álbum de estréia da década”, 50 lançou seu quarto álbum de estúdio, “The Massacre”, que vendeu 1,14 milhões de cópias nos quatro primeiros dias (sendo o número mais alto em um ciclo de vendas) e ficou na primeira posição da Billboard 200 por seis semanas. Indiscutível como o MC deixou a sua marca e um grande legado na história do RAP.
[2006] J Dilla – Donuts
“Donuts”f oi o primeiro disco solo do lendário produtor J Dilla, lançado dia 07 de Fevereiro de 2006. 3 dias depois o produtor morreria, devido ao problema de saúde que o acompanhava.
“Donuts” é emblemático por isso, por ser o primeiro disco e por ser o último em vida, por trazer todo o talento do grande Jay Dee, oriundo de Detroit e dono de batidas clássicas que acompanharam gente como Erykah Badu, Common, Madlib, Slum Village, Busta Rhymes e mais uma infinidade de artistas que viam em Dilla a personificação da perfeição.
[2007] Subsolo – Ordem de Despejo
Como fim do lendário Quinto Andar, o Dream Team formado por Lumbriga, Gato Congelado, Kamau, Shawlin, Pai Lua, Xará, DJ Mako e Materia Prima se instalou por 1 mês em um sítio no interior de São Paulo para compor um disco carregado, melancólico e que, pra mim, é um dos grandes do nosso pais. Literalmente do Quinto Andar para o Subsolo, “Ordem de Despejo” é a voz de uma geração entre 20 e 30 anos na busca por respostas para os males da vida e da existência. É um dos discos mais poéticos que tempos por aqui, e que caberia em qualquer lista de grandes trabalhos da nossa geração.
[2008] Jazz Liberatorz – Clin Doeil
Ao lado da coletânea Jazz Matazz, do falecido Guru, Jazz Liberatorz é um dos melhores grupos do gênero Jazz Hip-Hop. “Cin Doeil” foi a estréia do trio francês, descompromissados com o sucesso mas cheios de talento e referências musicais. A obra contou com a participação de uma gama de Mc’s do underground americano e foi eternizada nesse post que fizemos em comemoração aos 10 anos de seu lançamento.
[2009] Mos Def – The Ecstatic
“The Ecstatic” é lindo desde a capa, que ilustra esse post, até as produções de J Dilla, The Neptunes e dos irmãos Madlib e Oh No, utilizando beats já lançados em beat-tapes pela Stones Throw, até o flow aconchegante e hipnótico do MC do Brooklyn. É impecável como disco e obra de arte.
[2010] Roc Marciano – Marcberg
Já veterano, Roc Marciano é um caso a parte dentro da cena. Um dos expoentes de um estilo de RAP que tem ficado para trás, o MC de Long Island, ao melhor estilo “escrevo letra e produzo, melhor pra mim eu deduzo” lançou em 2010 seu disco de estréia. Roc é um MC ã moda antiga, flow elegante e oriundo dos que vivem as ruas de Nova York. O que me chama a atenção em suas produções é como elas soam hipnóticas, como o jazz se cruza com a agressividade de suas rimas, fazendo com que seu estilo de batidas seja totalmente diferente de qualquer produtor da atualidade. Roc ainda carrega o liricismo e a malícia dos velhos gangsters de NY.
[2011] Curren$y – Covert Coup
Spitta é conhecido como um dos MC’s que mais se popularizaram no underground nos últimos anos. Conhecido também pela sua infinidade de mixtapes que tratam da sua vida regada a muita maconha e carros, muitos se esquecem que, em 2010, o MC se juntou ao lendário The Alchemist para criar o que é, pra mim, o seu melhor trabalho.
Diferente da sonoridade de quase todos os discos vindos do Sul nos anos 2000, Spitta narra sua jornada pelas ruas de New Orleans, em cima de batidas impecáveis. Uma das minhas faixas favoritas é a prova disso, “Life Instruction”, mesmo que Smoke DZA tenha roubado a cena, ainda é uma grande colaboração de ambos, e prova também que Alchemist é um dos maiores no que faz.
[2012] Kendrick Lamar – Good Kid, M.A.A.D City
Esse dispensa comentários!
Considerado por muitos, e inclusive por mim, como o melhor disco do K-Dot, Kendrick é testemunha ocular de como é a vida nas periferias de Compton. Eu acho a introdução desse disco maravilhosa, passando por todos os ótimos singles, e enfim, é um dos candidatos a clássicos eternos do RAP.
[2013] GQ – Death threats & Love Notes
O apadrinhado por 9th Wonder, GQ, trouxe em 2013 o seu disco de estréia “Death threats & Love notes”, que conheci vagando pelo submundo do YouTube. O MC de Los Angeles trás em sua bagagem um estilo de rima parecido com os grandes MC’s de Nova York, mas suas produções não negam suas origens, Lírica afiada, batidas elegantes, histórias de rua, enfim, é um disco maravilhoso. “Ameaças de morte & Notas de amor” é um disco que vocês precisam ouvir!
[2014] Freddie Gibbs – Pinata
MadGibbs juntaram forças para trazer o melhor disco de 2014, e o que fez Frddie Gibbs explodir. “Pinata” é a história de Gibbs que, pensando em formas de conseguir transportar drogas sem ser descoberto, teve um sonho onde fazia esse transporte dentro de Pinatas, que são recipientes feitos de papel machê, cerâmica ou pano. Na época Gibbs ainda estava no tráfico de drogas, enquanto escrevia suas músicas. Foi num contato com Madlib que o disco saiu, sendo produzido a distância, com Loop Digga fazendo as batidas e enviando para Gibbs rimar em cima. E assim nasceu um grande clássico do Hip-Hop, que aborda a vida nas ruas como poucos conseguiram na última década.
[2015] Joey Bada$$ – B4.Da.$$
Depois do estrondo que “1999” – sua mixtape de estréia, fez na cena underground, resgatando o espírito dos anos dourados, Bada$$ lançou o seu disco de estréia, “B4.Da.$$”, que trás uma sonoridade diferente e um tanto mais agressiva. Desde “Hazeus View”, “Christ Conscious”, até “Escape 120”, que é um verdadeiro beat de Drum and Bass clássico, Joey deixou seu nome como uma realidade na nova escola do RAP. O que veio depois é a história do jovem MC.
[2016] YG – Still Brazy
Depois de sofrer um atentado a tiros, que quase tirou a sua vida, o MC de Compton – YG, trouxe para as ruas o seu segundo disco, “Still Brazy”. Disco esse que, em sua essência, trás o que há de melhor na Costa Oeste, o G-Funk característico, com elementos do TRAP de Atlanta e rimas sobre crime, drogas, tiros, e tudo mais que um rapper Gangsta pode falar. A reinvenção dos sintetizadores e linhas de baixo de L!
“Don’t come to LA, nobody fuck with me!”
[2017] Divine Council – DB$B
Divine Council é, com certeza, meu grupo favorito da atualidade. “DB$S” foi ançado como uma mixtape, e desde a capa que contém uma bacia de frango frito, batatas frita, maconha e gatos gigantes (?), o grupo mostra que não veio para trazer mensagens reflexivas, mas para falar da sua correria atrás de grana, mulheres, progresso no RAP e estar no topo. Isso não deixa de ser uma mensagem, e $ilkmoney mostra isso com seu flow absurdamente bom, diferenciado da maioria dos MC’s do TRAP. Cyrax o acompanha com a mesma qualidade. Mas, o diferencial mesmo são as produções do ICYTWAT, que se tornou meu produtor favorito da nova escola, trazendo um TRAP mais introspectivo, sujo, com elementos do lo-fi e vaporwave, tornando essa mixtape o trampo que eu mais ouvi e gostei no ano passado, e colocando os queridinhos de Andre 3000 e Erykah Badu no topo da cena emergente do TRAP!
[2018] Mude seus Planos – Gatilhos de Brinquedo
Pra finalizar, meus manos Mud e Plano B trouxeram um disco esse ano que, não fosse a falta de visibilidade no mainstream nacional, colocariam eles no topo dos melhores lançamentos do RAPBR. “Gatilhos de Brinquedo” é um enredo de vivências pelas ruas do Jardim Robru, fundão da Zona Leste de São Paulo, com batidas impecáveis do Mud, velho de guerra no ofício e as rimas satíricas e extremamente metafóricas do Plano B. O trabalho saiu recentemente, mas merece atenção no cenário nacional, e pra mim já é o meu disco favorito de 2018!
E aí, quais os discos favoritos de vocês em cada ano?
Deixem aqui nos comentários, e em breve, mais um post da coluna “Birth do Infinity!”.