O Raplogia colou no primeiro show da turnê “Gigantes”, que leva o nome do último álbum do rapper.
Fotos e reportagem por João Victor Medeiros
BK’ é um rapper que nos faz esperar pelo seu próximo passo desde os primórdios do Néctar. A próxima rima, a próxima música e desde o lançamento de Castelos & Ruínas, o próximo disco. Acho que é impossível ter uma estreia dropando um trampo que foi considerado clássico instantâneo e não criar expectativa e comparações no segundo álbum.
Entre o primeiro disco e Gigantes, BK’ deu início a série “Poetas no Topo”, colaborou bem em algumas faixas e dropou dois EPs prelúdios. Entre elogios e críticas de que o rapper estaria se tornando repetitivo, ele deu seu próximo passo: um trabalho maduro, acompanhado de um novo formato de show – agora com banda – numa qualidade rara no rap nacional.
BK’ escolheu o Circo Voador como seu palco. Nada mais propício, já que se encontra no coração da Lapa (que continua fabricando os mais insanos). Com as luzes apagadas e a projeção da capa feita por Maxwell Alexandre no telão, ouvimos um áudio de Mano Brown elogiando o MC pelas ideias passadas no disco e também pela sonoridade que tirou o artista da zona de conforto. Esse foi realmente um dos méritos de Abebe em seu segundo disco. Depois de C&R, vimos surgir alguns rimadores genéricos copiando o estilo de BK’ e eu duvido que surgirão rappers imitando o que foi feito em Gigantes pois é claro que ele lapidou sua maneira de escrever e teve um esforço cognitivo maior do que em C&R.
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A sagacidade da abertura com o áudio de Mano Brown foi seguida de Novo Poder e O Próximo Nascer do Sol, duas músicas que casaram incrivelmente bem. No palco, BK contou com as vozes de Juyé e Jonas Profeta, além de Magno Brito no baixo, Pedro Malcher nos teclados, El Lif nos scratches e Theo Zagrae na bateria – que também foi o diretor musical do show. Props para a equipe que conseguiu manter a mesma sonoridade ouvida nos sons assim como para BK’, que ao vivo não distoa do estúdio.
A rima “dizem que eu já não sou o mesmo de antes, fato/ Fui Cassius Clay, voltei Mohammed” é a síntese precisa do conceito de Gigantes, não a toa, finaliza um dos melhores versos na faixa que leva o nome do MC. Em seu novo disco, BK’ já destruiu e passou pelas ruínas e agora tá nos contando do próprio crescimento, desde a alma até a grana.
Para quem não sabe, Abebe Bikila – o nome de batismo de BK’ – foi também um corredor etíope, medalhista olímpico e considerado por muitos o maior maratonista de todos os tempos. Isso mostra o background racial que o rapper com certeza teve na sua criação, considerando até mesmo o conhecimento de sua mãe sobre o assunto. Em Gigantes, o MC aborda diversas questões raciais de maneira muito mais profunda do que apenas frases de efeito. Coisa que faria Frantz Fanon bater palma.
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Comentário da mãe de BK’ no clipe de Correria
A dupla Exóticos e Julius (que pra mim são as melhores do disco, junto a Abebe Bikila e Deus do Furdunço) foram muito bem no show, fazendo a galera cantar sílaba por sílaba.
Na primeira, as rimas
“Ela sabe o tamanho do mundo e quer saber se é real o tamanho do mundo que eu tenho nas calças“
“Eu acabei com o preconceito
Fui pra cama com um preto
Ele tem cara de mau”
pontuam muito bem a objetificação sofrida pelo homem negro quando se está com uma branca e BK’ ainda mostra as consequências disso para a mulher negra: a solidão.
Nas rimas de Julius, BK’ entrega um storytelling sensível, que é a história de muitos jovens negros no Brasil.
12 e 157, tráfico e roubo, respectivamente, são os dois empregos e a forma que o personagem encontrou de também ser gigante.
Algumas participações também foram ponto alto no show. BK’ surpreendeu o público trazendo Leo Galdeman, icônico saxofonista da MPB que tocou músicas dos dois discos. Luccas Carlos não pôde estar presente, mas Baco entrou ovacionado e cantou sua parte em Vivos, que soa um pouco infantil ao lado das rimas mais sagazes de Abebe. Depois foi a vez de Sain e D2, em Falam, que também entregam versos genéricos, apesar da enorme empolgação que criaram na plateia. No disco, considero que são dois pontos baixos (principalmente Falam, que vem após uma excelente sequência).
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BK’ fechou o show com a vinda de Akira que fez Adeus e em seguida o remix de Correria que trouxe também Drik Barbosa, representando a mulherada preta que colou em peso no show. É impressionante o entrosamento entre BK’ e AK [sem os verme pra secar] que faz um bom verso e prepara o terreno para a assinada com a Lab. Fantasma. Na minha opinião, ela tem o melhor verso da faixa e um dos melhores discos em um balé de técnica sem deixar a dever no conteúdo.
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Após sair do palco e ouvir o Bis em seguida, BK’ voltou com geral da Pirâmide Perdida pra cantar clássicos da gravadora e também do Nectar, como KGL e Pia, Brota, com o tradicional mosh/bate-cabeça do underground da Lapa, celebrando a noite e as novas etapas de sua carreira.
O show de Gigantes tá fino, se tiver oportunidade, não perca.
Confira abaixo mais imagens do espetáculo: