Faz quase um mês que eu comecei a escrever esse texto, quando fomos apresentados a participação do Sant no videoclipe e faixa “Liberdade”, do Rodrigo Cartier, que contava ainda com um verso do DK. Mais uma vez estava impressionado e ao expressar isso com alguns colegas, um deles – Henrique Jacks, a cabeça por trás do Quadro Branco – colocou de forma precisa: “Sabe o que me impressiona no Sant? A interpretação do cara, tem muito peso em cada expressão corporal”. Tive que concordar em todos o sentidos e passei o dia pensando que não era só eu que observava a ascensão de um dos MCs mais geniais que o rap nacional viu nos últimos tempos. E nas semanas subsequentes, cada lançamento confirmava essa afirmação e o sentimento que cada música com Sant conseguia despertar em mim.
Diante deste cenário, o qual a cada verso eu ficava mais impressionado, não podia deixar de pensar que Sant é um dos principais nomes do rap nacional na atualidade. Se analisarmos de forma fria a cena atual, temos uma “classe” de MCs em um patamar diferenciado: Bk’, Don L, Baco, Diomedes, Rincon Sapiência, Djonga e Froid. Estes são os MCs que os fãs ávidos por rap mais “perseguem” cada detalhe, cada lançamento. Podemos argumentar e colocar um ou outro nome na lista, ou mesmo questionar a presença de alguns dos citados, mas a lista na “média” fica por aí. Pelo menos dois ou três nomes destes que eu citei devem ser repetidos por qualquer fã de rap que escuta regularmente o gênero. Porém, embora tenha colegas que concordem com a qualidade e importância do Sant, vejo poucos colocando ele neste patamar.
Então, surgiu a ideia de revisitar seus versos em 2017 e suas aparições em videoclipes com Decodificando com Genius para mostrar que Sant tem sido um MC cirúrgico na cena, fazendo jus ao ritmo, à poesia e dando voz à cultura de uma forma digna de ser estudada.
De Favela Vive à Poetas no Topo: o início da ascensão
Com o lançamento de seu primeiro álbum, O Que Separa Os Homens Dos Meninos Vol. I em 2015, que apesar de ter sido bem recebido pelo público, não chamou tanta atenção ao MC carioca como o que viria pela frente em 2016. O disco também mostra uma outra fase do MC, que apesar de estar afiado nas composições, não mostra o amadurecimento e a precisão que viria a mostrar nas suas faixas e versos subsequentes. O próprio Sant já havia revelado em entrevista ao RAPBOX que este disco era composto por letras que havia escrito mais ou menos nos seus 15 anos de idade. Nem por isso, não deixamos de verificar alguns momentos de impressionar:
Minha família é minha coroa<br> Se tu entende o que eu tô falando
― Sant – O Que Separa Os Homens dos Meninos
Porém, para muitos, as faixas que colocariam o MC entre os favoritos dos fãs na atualidade são os cyphers “Favela Vive” e “Poetas no Topo”. A primeira, organizada pela dupla ADL, formada por DK e Lord, conta ainda com Raillow (Primeiramente) e Froid. Ela iniciou o fervor nacional por cyphers, mas diferente de muitos dos cyphers que viriam nos meses seguintes, esta continha uma composição extremamente consciente.
Sociedade, entenda: o problema é essencial<br> E se ninguém vai ser do bem, bom, tentemos ser menos maus
― AlémDaLoucura ADL (Ft. Froid, Raillow & Sant) – Favela Vive (Cypher)
Além disso, assim como muitas faixas e versos lançadas com Sant, ela vem acompanhada de uma produção audiovisual de muita qualidade, dirigido por Guilherme Brehm, no qual o MC carioca explora com maestria. Cada linha proferida é captada com um interpretação corporal precisa, como se Sant conversasse com um força maior, nesse caso a própria sociedade, Deus ou seu próprio subconsciente.
Em seguida, temos “Poetas no Topo”, organizado pela Pineapple Supply e Brainstorm Studios, que além do Sant, trouxe Makalister, Menestrel, Bk’, Djonga e JXNVX. Neste cypher temos um verso inusitado do MC, o qual ele brinca com a ideia ideia passada pelo Bk’ em um áudio do WhatsApp incluído como interlúdio na música. Não vou me alongar muito neste verso, o vídeo no Quadro em Branco discute com bastante precisão o quão genial ele é, embora Sant faça a maior parte das suas rimas com a palavra “merda”.
Para completar a ideia de que estamos casando as composições com a interpretação do MC nos clipes e sua forma de expressar, fica uma anotação do fechamento do verso:
Sorri, retrato
― Pineapple StormTV (Ft. Bk’ (Nectar), Djonga, JXNV$, Makalister, Menestrel & Sant) – Poetas no Topo
Embora estas sejam as duas faixas que chamaram a atenção de muitos fãs de rap para o MC, eu incluiria mais três faixas do final de 2016 que também ganharam audiovisual: “Bastardos em Glória” do Morcego, “Geração Elevada” da DV Tribo com Síntese e Vinição e o Remix de “Negro Drama” da Tudo Clone da ODB.
Em “Bastardos em Glória”, Sant pega o tema de liberdade cunhado pelo refrão do Morcego e lança um verso cheio de profundidade.
Ê, eu inalei veneno e soprei a cura
Vivo na arte pra justificar minha loucura
Mentes com muros tem minha assinatura, atura
Até o velho sol raiar na babilônia
Durma com essa ou abrace a insônia
Em linhas como essa, Sant declara todo seu amor pela música e mostra que é por meio dela que ele se liberta e combate o preconceito. No clipe, lançado em no início de 2017, em determinado momento podemos ver o MC recitando suas músicas de música e boné, a vestimenta que mete medo na sociedade.
Já em “Geração Elevada”, o MC fala sobre sua perspectiva com relação a geração que representa. Ao mesmo tempo que é autocrítico (“Quem é do problema sabe/A solução cabe num pente/Mas em quem tu vai atirar se o espelho tá na tua frente?”), Sant também se coloca como um crítico dos outros MCs (“É uma avalanche de flows, zero terror/Tiveram de ligar o Chinaski, os caixão acabou”). Neste verso também, o MC mostra sua diversidade na levada e cadência, algo que fica marcado em todos os seus versos que não parecem obedecer uma composição linear.
Escolhendo um dos maiores, se não o maior, clássico do rap nacional para o Tudo Clone da ODB, no remix de “Negro Drama” o MC continua com as críticas sociais da faixa lançada em 2002. A letra, que continua atual, ganha um tom ainda mais agressivo no verso do MC que contrapõe a clássica linha do Brown (“Daria um filme!”):
(Prefiro contar uma história real)
Daria um filme, mas Hollywood pra nós é pouco
Nos deram ódio de sobra, então toma o troco
Só de Brasil são 500 de história morta
E pra todos os efeitos diz pra mamãe que eu tô “loko”
Sua sociedade fez meu povo ter vergonha
Do cabelo, da cor, da boca e do nariz
É… ‘cês nos foderam do nosso pé pra cima
Só que ‘cês esqueceram que nós temos raiz
Descendente de escravo é o caralho! Entenda bem:
Meus ancestrais eram seres humanos, vocês quem escravizaram
Então não vem denominar uma imposição
Que nem existia numa cultura que vocês arruinaram
Agora sentiram a treta
A luta vai continuar, mermo se a “Casa” virar “Preta”
Cerra o punho, favela na punchline
Marcus Garvey, o rap é nossa Black Star Line
E por fim, vale a pena destacar “Registro” com Kayuá, que marcaria também o início do O Mundo Ao Norte, que além de apresentar um verso diferenciado, também vem acompanhado de uma arte de capa carregada de significado:
Rotula em vitimismo esses séculos de injuria, ok doutor
Somos peso na consciência ou sangue de buceta
Não preciso que pinte, eu sou teu boi da cara preta
Plau, plau, pente de cem na minha caneta não atura
Vim por fogo na viatura e fim
Zona Norte desconforto, onde o RAP real foi morto
E ressuscitou em meu flow Shaolin
Hip-Hop, não cairás jamais nesse disfarce, é o jogo
Saiba toda grana do caixa não ressarce a vida devidamente estabelecida por Deus
Mas se alguém vai ter que cair cuidado com as pernas dos seus
A letra combina com a capa do single, a qual aparece Kayuá e Sant como se estivem tirando uma foto para a polícia, com as devidas identificações e com um certo ar de insatisfação: um protesto ao rótulo de bandido imposto pela polícia ao jovem negro, descrito com maestria em seus versos.
Já dá para notar neste breve início que Sant apresenta uma composição diferenciada dos versos tradicionais e bem estruturados, apresentando métricas variadas e entregas, no que diz respeito à levada, cadência e interpretação da voz bastante diversificadas. Além disso, o MC lança uma perspectiva não usual sobre os temas, atento aos detalhes e contando histórias sob um olhar bastante atencioso, característica que chama o ouvinte para pensar em tudo aquilo que foi rimado. Por fim, fica evidente que a interpretação nos clipes também é um aspecto que o MC carioca sabe explorar, dando mais significado ainda às palavras expressas em suas músicas.
2017: O ano de Sant?
Introdução
Após “Poetas no Topo”, em 2017, são mais de 20 faixas/versos lançadas pelo MC até o momento. A maioria são participações acompanhadas de videoclipes, sem contar as participações do MC em outros videoclipes. Assim, embora neste tempo Sant não nos tenha dado um disco ou mixtape mais tradicional, o conteúdo produzido com a presença dele é suficiente para formarmos uma coletânea digna de disputar entre os melhores discos do ano.
Outro aspecto importante é que a maioria dos videoclipes lançados acrescentam na interpretação do carioca e reforçam o aspecto visual da cultura Hip-Hop. Adriana Borges explicita bem isso em seu texto Hip Hop é Cultura, Arte e Atitude: “Para começar, podemos dizer que o movimento Hip Hop é uma cultura popular, uma forma de arte e de atitude. Um estilo de vida que influencia o mundo inteiro. Uma construção coletiva de valorização de identidades, de conquista de espaço público, social e político. O movimento expressa tudo isso através da arte: congrega música, discursos/poesia, dança e grafite. É uma manifestação cultural e artística híbrida, contemporânea, espelho dos nossos tempos.”
Minha participação favorita
Começando este “estudo detalhado”, a primeira faixa que destaco deste ano de 2017 (talvez a mais memorável participação para mim) foi “Pedagoginga”, do belíssimo disco do Thiago Elniño chamado A Rotina do Pombo, lançada no começo do ano. A faixa que critica de forma contundente o ensino nas escolas brasileiras, que deixam de lado a realidade dos estudantes, principalmente do jovem negro, dos processos de aprendizagem, recebe um verso do Sant no qual ele conta a história da perspectiva do jovem negro, desde o início de sua vida até os seus 16 anos:
Nasceu vencendo o Apartheid no ventre
Vive quem sempre sabe olhar pra frente, certo?
Livre com toda vez áspera, conta meses a esperar
Pra respirar, mais um dessa diáspora
Com três ouvia pólvora, com quatro o pai não mais verá
Cinco primo preso, qual perspectiva haverá?
A nove do plantão disparará, opera lá
Mas pensa, menor de dez o juiz absolverá
Se envolver, era pra coroa não piorar, Deus escutará no rádio (Será?)
Na escola não ensinaram a orar, mas aprendeu a contar
E ponta é fácil, seiscentos por semana
Piscou tem treze agora
Vai comprar até kit novo e comemorar
Mas o silêncio na ilha diz o que se repetirá
Pra tua mérito-fazenda, meu verso-fagulha
Por que tinha só dezesseis, tem 5-8-4 na agulha
Veja bem: a faixa busca criticar o ensino e exaltar o conhecimento das ruas, o que Elniño faz de forma bastante explícita em seus versos. Contudo, Sant toma outra direção: ele não ataca diretamente o sistema de ensino. Vai mais fundo, fazendo uma crítica mostrando outras dificuldades enfrentadas pelo jovem negro além do ensino e que o tornam mais desinteressante. Afinal, diante de toda essa realidade retratada, não há como enxergar perspectivas, mas ainda assim jovens como Sant e Elniño encontram no conhecimento a porta para se libertar deste ciclo.
Vale comentar, neste clipe dirigido por João Vitor Medeiros – veja mais detalhes neste artigo do Raplogia –, que ambos MCs olham um jovem negro em busca de livros, conhecimento, mas ambos não são anjos como estamos acostumados a imaginar. São orixás. Assim, simbolizam uma cultura também renegada nas escolas – para quem não sabe, apesar de existir uma lei que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira, a mesma não é contemplada, sem contar que quando se fala de religião no ambiente escolar, só se pensa no cristianismo.
O lado romântico
Outra faceta que surgiu para os fãs do Sant esse ano foi o lado romântico do MC. Muito de suas músicas falam de amor – quem sabe até um duplo sentido como um amor pela cultura Hip-Hop – e é também este lado romântico que trouxe algumas de suas linhas mais poéticas. As duas primeiras faixas nessas temática são “Álbum de Fotos” do Sagaz e “Olhares” da Cynthia Luz. A faixa lançada pela Pineapple e Brainstorm Studios apresenta um verso onde o MC conta a história de um amor que deu errado e as memórias que ficaram junto dele:
Sou tão medroso e ela, impassível na frente dos dragões de meus defeitos
Do meu feitio fugir
Mas eu lutei até atravessar meu peito
Vestirei esse sorriso hipócrita, só pra me sentir melhor
Ou, estar vivendo sonhos nostálgicos, pra te sentir mulher
(…)
Quando perguntam se tô bem, tenho mentido
No mínimo omitido
Aquele tímido menino errou
Ao se ver crescido e aí se viu vencido
Após descobrirmos, vimos
O destino é apenas um tecido fino
O interessante nestes trechos é notar que ele toma consciência de seus erros e percebe que foram eles que mudaram o destino, ou seja, que ele poderia estar com a mulher pela qual está sofrendo, porém não era o momento certo, ele não havia amadurecido. E é nesta mesma temática que ele escreve seu verso em “Olhares”:
Eu vou cantar pra onde minha voz vá
Espero um dia te encontrar por lá
Tão fácil ver que o mundo é um presídio
E que esses altos edifícios são um convite ao suicídio
Aos ares, observa quantos andares
Preserva-te quando andares, olhares
Retina, rotina ou tédio?
Social no aplicativo, futuro do abraço: assédio
Aos ares, observa quantos andares
Preserva-te quando andares, olhares
Nas duas faixas é interessante notar que Sant dá outra perspectiva ao álbum de fotos e aos olhares. Um álbum de fotos, físico ou digital, nada mais é que um livro de memórias. As fotos para o MC são seus erros, as fotos mais íntimas que ele pode guardar da mulher na questão. Já os olhares são aqueles que ele enxerga mundo afora agora sem ela e que essa melancolia e depressão que observa no mundo ele consegue enxergar na sua própria relação. Em ambas as faixas ele dá a “solução” para os seus erros:
E não há algo nesse plano que vá recompor
Compondo até me decompor
Com um pouco mais de tempo eu poderia nos reescrever, preta – Em “Álbum de Fotos”Ôh, amor, traz um copo de água pra mim, por favor
Que hoje eu vou parar para compor, escrever até decompor
E vou chorar até recompor – Em “Olhares”
É através da poesia que ele coloca seus sentimentos para fora em busca de curar as dores, amadurecendo, seja para tentar de novo ou seguir em frente. É a forma de expressão mais pura e única que um indivíduo pode construir, sendo o rap um dos caminhos para isso. Além disso, ao mesmo tempo que ele revela seus defeitos, admite seus erros, ele também faz diversos paralelos e analogias com outras situações do cotidiano. Ou seja, mesmo em uma música romântica há espaço para algo mais, uma mensagem. Quem sabe até se preocupar com outros assuntos é o caminho para superar um amor perdido ou não correspondido.
A faixa mais recente nesta temática é “Capricorniana”, a terceira da série Poesia Acústica da Pineapple e Brainstorm. Novamente, o MC carioca demonstra toda suas indecisões e incertezas no seu verso, inseguro se suas palavras ou seu som são o suficiente para a amada em questão, uma vulnerabilidade tocante e sincera:
Eu tava doido pra cantar pra ela nosso som
Que escrevi ontem pensando no amanhã
E hoje eu tô aqui despreparado, preocupado com tu-do ao redor
As pernas tremem, a boca não abre, hmm
E não dá nem pra me mover
Talvez se eu tivesse ensaiado mais
Talvez se eu estivesse um pouco mais firme
Talvez esse borbulho no estômago signifique que nóis combine
E nem precise de mais canções, além dos sons de voz enquanto converso contigo
Mas eu não consigo e tudo que eu não te digo aqui, deusa
É que ontem eu pus no verso
Que eu tava doido pra cantar nosso som, escrevi ontem
E hoje eu tô aqui doido pra cantar pra ela
Nosso som, nosso som
Sant, vai
O Mundo Ao Norte
Mas é com O Mundo Ao Norte que o MC se mostra mais à vontade. As faixas associados ao movimento são totalmente imprevisíveis com relação ao temática e construção dos versos – inclusive, este aspecto, de certa maneira, foi tema de outro vídeo no canal Quadro em Branco. Cada linha ou conjunto de linhas é carregado de muito peso, uma densidade de informações que nem o ouvinte mais atento consegue captar na primeira vez que ouve estas músicas:
Hoje depois do fim
Vi que não nasci assim
O mundo me mudou
E o que me incomodou foi eu não perceber antes
Ante meu monstro pessoal não fui perseverante
Tornei-me esse antro de caos
Mermo crime de ontem (Sant) – Em “Frio”No meio do berimbolo
Clima feio esfola tolo
Rima tirada do solo
Cria veio de sola – Em “d’omundoaonorte”Eu, rival meu
Luto contra minha auto-pressão
Pois quanta frustração cabe num coração, hein? – Em “Leões”
Muitas das rimas do Sant mostram detalhes de sua vivência, mas que também fazem parte do cotidiano de muitas pessoas e ao mesmo tempo passam despercebidos. Como se fosse aquele pensamento que você tem quando está no ônibus para o trabalho cansado pela correria do dia a dia. Nestas faixa o MC também brinca com a própria estrutura dos versos, variando a métrica constantemente, tornando a rima totalmente imprevisível. A escolha pelas palavras também é cuidadosa, em alguns momentos econômica e outras sem pressa para construir a ideia. E a rima? Está lá, mas onde você menos imagina.
São nestas faixas também que se destaca o tratamento audiovisual, videoclipes dirigidos por Gabriel Camacho com tomadas gravadas nas ruas onde o MC convive e vive as realidades as quais canta em suas músicas. Uma realidade crua, muitas vezes ignorada e que é retratada aqui com orgulho. Mesmo em uma faixa para diversão – em “457” do MC Coé temos um videoclipe que mostra o rolê para uma praia – ou em uma participação – em “Ascende o Isqueiro” do Mr. Break o MC aparece para mostrar a sua relação de amizade – Sant não erra na maneira que se mostra a vontade, tudo aquilo ali retratado nos clipes faz parte dele, faz parte da cultura que resolveu viver.
Os últimos lançamentos
Continuando a viagem por sua música, em seus versos mais recentes temos a faixa “Basquiat” do EP Minha Alma Canta – Parte 1 do Tiago Mac, na qual o MC carioca fala de sua arte e o fato de ser tão impactante e diferente como a do artista que dá nome a faixa:
Memes na timeline
E eles só leem as headlines
Ao ser o maior frontline
Eu amasso sem punchline, fé
(…)
São aqueles detalhes escrotos que te desmorona
E olha bem pra minha cara, nego
Fala quem vira caça, nego
Paguei sempre por cada rara, nego
Toda vez fica um pouco mais cara, negro
Joguei claro, negro
Já que nada que para não espera, é a melhora, negro
São milhares de febres e a cura não sara
Se do chão não passa, atravessei pro topo, nego
Dois trechos de um mesmo verso completamente diferentes, mas dentro do mesmo tópico: a arte. Sant possui essa habilidade de transformar os detalhes em óbvios e de transmitir muito em poucas linhas. Como ele mesmo diz na entrevista do RAPBOX: “o rap é o reflexo da vida”. Como a vida é contraditória, Sant é a própria contradição a cena:
Certa vez me disseram:
“Sant, você deveria ser menos chato
Rap depressivo mulher não rebola”
Não dura uma tela, perderam o tato
Em “O Que Tiver Que Ser Vai Ser” da 1Kilo, Sant faz o papel de conselheiro para Baviera:
Normal chorar toda vez que sinto dor
E a lágrima lava a alma
Nada como um dia após o outro dia
Até minhas emoções são racionais
Quero paz, não quero guerra
Ou acabar com essa terra
Baviera, calma!
Calma o quê?
Se eu perdi tempo demais
Ah, esqueça lá atrás, só o futuro te salva
Salva do quê? Ancorado no cais
É, mas é no cais que conserta seus traumas – Baviera & Sant
Para então em seguida fornecer um dos seus versos mais sinceros:
Boas pessoas sofrem
As dores dos mundos
Boas pessoas sofrem
Por mais que anjos soprem
Por que os sinos dobram, hein?
Boas pessoas cantam
As dores dos mundos nas mais belas flores do campo
Boas pessoas cantam
Boas pessoas amam e vivem pra sempre
Então vamos
O que tiver que ser será
Isso é tudo que nós temos
Ele serve ao Baviera e ao ouvinte, como aquela pessoa conselheira, que enxerga a situação de outra perspectiva, bem como sua própria forma de composição. Ele enxerga a realidade como ela é, dura, capaz de nos trazer sofrimento, mas é também nesta realidade onde está o amor e o sentido para continuarmos vivendo. Essa ideia segue, num tom mais dramático e agressivo em “Registro II” com Kayuá, onde Sant pega o ouvinte desprevenido:
Ei, conta as notas próximo as criança, primo
É, o orgulho da função
(..)
Variável destino e suas linhas
As que não podem ser, são minhas (papo reto)
E a polícia segue odiando a polícia (é, odiando a polícia)
Reflexo disso ainda vende notícia
Coração aberto, eucalipto
Parece floresta, mas é deserto
Terreno dessa mente é fértil
E quem planta daqui sabe o ritmo
Bota ritmo
(…)
Mais uma noite no subúrbio, tiro, mais um morre (mais um morre)
É um tabuleiro de xadrez
Os peões tão nas torres
Bispos, reis e rainhas pecam
Enquanto a cavalaria vos cerca
E o jogo é dominado pelo mesmo lado há milênios
É o rodo, vamo mudar esse quadro todo
Sant!
Além dos sentimentos descritos, há muito que falar deste verso: o comprometimento a causa (como uma metáfora no início do verso), o fato de sair de linhas tão poéticas para outras tão diretas quantos se refere a polícia para então retomar com outra metáfora sobre a formação de opinião e, por fim, finalizar com a clássica analogia entre a sociedade e o xadrez. Tudo isso acompanhado de mais um audiovisual do Gabriel Camacho, agora preto e branco, recurso que parece ter sido usado para acompanhar a faixa que conta com certa agressividade.
Daria para falar muito sobre os trechos em questão ou do videoclipe, são muitas interpretações possíveis, mas o interessante na construção dos versos do Sant é justamente isso, apesar de dizer muito, nos deixa sem palavras para expressar tudo que sentimentos. É o apreço pelo detalhe.
Sant: Assassino de participações ou participante indispensável?
A ideia deste Decodificando com Genius era mostrar que Sant é um artista que merece destaque em 2017, por mais que não tenha lançado um disco, EP ou Mixtape. Suas participações e singles são o suficiente para colocá-lo nas discussões. Longe de “renegar” alguém (salve Raul!), diria que Sant foi indispensável este ano, muito mais do que chegar com “fome” em uma participação para roubar a cena, ele chegou com “fome” de mostrar que é mais que música. Todo talento envolvido nas produções audiovisuais e produções musicais merecem todo o crédito, mas o simples fato de Sant escolher trabalhar com essas pessoas também mostra a consciência plena do artista, nenhuma música dele este ano foi em vão, com certeza irão ressonar por muito tempo em seus shows.
Talvez o próprio Sant descreva em suas linhas melhor do que qualquer texto sua própria música:
Tem coisa sem explicação
Só quem é vai me entender