Indy Naíse é acolhedora, assim como a música que produz. Talvez esse aconchego tão notável tenha a ver com um dos objetivos de Indiara Naíse fazer arte: a troca de experiências que constrói uma rede de apoio criada por e para mulheres negras. Nascida em Juazeiro, Bahia, e radicada em São Paulo, ela explica que cresceu com referências pretas a sua volta, mas que foi depois de trabalhar em uma fábrica de cultura que se entendeu enquanto mulher negra e percebeu a importância de usar o seu trabalho como uma ferramenta de diálogo e afeto. 

“Quando eu olho para trás e penso no agora eu vejo essa rede de apoio que traz segurança em um mundo que te violenta de diversas maneiras. Essa rede é quase um refúgio e eu enxergo a música dessa forma também”, ressalta.

Outro intuito que Indy tem com a música é disseminar informação, algo que aprendeu com a relação de longa data com o hip-hop. Ao ouvir rap e querer saber quem eram as pessoas citadas nas letras, ela criou um apreço pela pesquisa e constatou como o compartilhamento de saberes é importante para a construção do pensamento crítico e para o crescimento pessoal.

Em 2014, colocou tudo o que aprendeu com o movimento em prática. Estudou música e se especializou em Canto Popular e Regência pela Etec de Artes do estado de São Paulo. Em dezembro de 2018, compartilhou todos os aprendizados que teve sobre o mundo e sobre ela com o lançamento de É Questão de Cor, seu primeiro disco. Um ano depois, fundou a produtora Filha do Trovão e agora segue como gestora de sua carreira artística. Indy gosta de planejar e construir as coisas pouco a pouco, seja na vida pessoal ou na profissional. “De tijolinho em tijolinho”, como gosta de pontuar. 

Para entender melhor os processos de criação e a trajetória artística, o Raplogia trocou uma ideia com Indy Naíse, que também falou sobre o videoclipe de “Meu Sim”, lançado com o rapper e fotógrafo Mulambo e essa nova fase mais intimista e afetuosa que está vivendo. 

Raplogia: Como e quando foi seu primeiro contato com o hip hop?

Indy Naíse: O meu primeiro contato com hip-hop aconteceu por volta dos oito anos. Quando eu morava em um bairro lá da Zona Sul de São Paulo, eu tinha um vizinho que era corintiano roxo e ele era muito fã do Ndee Naldinho. Eu ia bastante na casa dele e um dia ele me presenteou com uma fita com o “Melô do Corinthians” gravado. A partir daí eu comecei a ouvir muito Ndee Naldinho, até porque tocava demais na quebrada. E mais para frente eu tive um contato mais direto com o movimento em mutirões de grafite, comecei a fazer alguns stencils e algumas coisas no muro. Sempre me identifiquei  com a arte urbana. Em resultado disso o contato do rap foi consequência. 

Foto: Vitor Manon

Raplogia: E como esse movimento influencia a sua arte?

Indy Naíse: O hip-hop sempre representou informação para mim. Ele fala dos meus, das coisas que acontecem à minha volta. Quando eu entrei na música algo que eu queria muito para além do entretenimento era informar as pessoas por meio da minha lírica, da minha poesia, coisa que o rap me ensinou. Então isso reflete nas minhas criações, eu tenho letras bem políticas, que botam o dedo na ferida e que de alguma forma tem um peso sociocultural. Sei lá, acho que aprendi muito mais com o rap e com o hip-hop do que na escola. É um movimento que emancipa a gente, faz pensar sobre várias fitas e faz a gente buscar informações. Quando um MC cita outros, por exemplo,  você entra em um processo de pesquisa e acaba conhecendo outras culturas e ideias. A partir daí você passa a refletir sobre e  isso faz com que você cresça, que não fique preso em caixinhas.  

Além de toda essa influência do hip-hop, a sua música aborda muito sobre suas raízes. Como foi para você imergir na sua ancestralidade e identidade nordestina? É difícil para você não deixá-la de lado vivendo em SP?

Não tem como eu fugir disso, a minha família inteira é nordestina. Na minha casa ainda se cultivam os ritos, as expressões, a culinária. É tudo muito vivo. Quando eu era adolescente rolavam muitas piadas xenofóbicas e isso acaba fazendo você querer se retrair e ocultar de onde veio. Mas na real eu nunca tive vergonha das minhas origens, nunca escondi elas de ninguém ou as deixei de lado. Isso é algo que pulsa em mim e em tudo o que eu faço, na minha arte, na minha vivência. É nítido que a cultura que tenho em casa é muito influente em mim e aparece até em coisas pequenas como preparar um chá que a minha vó me ensinou ou aquela receita que foi passada de geração a geração. 

Acho que dá para pegar todas essas referências no álbum É Questão de Cor. Inclusive, qual sua música preferida desse álbum e o que ele te ensinou?

“Filha do Trovão” e “Licença” são as minhas preferidas. São músicas que eu compus sozinha e elas são muito autobiográficas, especialmente “Filha do Trovão” que eu escrevi em um momento de pura raiva, foi um desabafo. Acho que eu me senti realmente trovejando por dentro. Essa música é uma autoafirmação, um lembrete para eu nunca esquecer de onde sou, o que eu me tornei e que ninguém pode me dizer o que eu sou ou deixo de ser. Esse álbum me ensina todo dia porque eu procuro ouvir ele toda semana para não esquecer o quão foda ele é. O melhor de tudo é que esse álbum me ensina a não desistir de mim. Eu olho para trás e vejo o quanto eu sonhei em lançar um disco e eu realizei isso. Quando eu passo por momentos em que desacredito de mim ou qualquer coisa do tipo, ele me ensina que eu não posso fazer isso porque ele existe,  é um feito. 

O que mudou em você desde o lançamento do É Questão de Cor?

Nossa, muita coisa mudou em mim. Acho que o que eu mais noto de mudança é que a partir desse trabalho eu quis me explorar mais enquanto artista, quis me conhecer e me ver passeando por outros gêneros. Eu coloquei em prática muitas coisas que eu não tinha coragem ou me julgava incapaz de fazer, passei a escrever sobre coisas que me deixam insegura como o amor. Eu fui me arriscando mais. 

Ainda falando sobre o álbum, vejo que ele dialoga muito com as mulheres negras. Para você, qual a importância dessa troca e de cultivar uma rede de apoio por meio da música?

Acho que a frase “eu sou porque nós somos” reflete bem o que eu gostaria de responder nesta pergunta, até porque quando você perguntou isso eu só consegui pensar que o diálogo acontece porque elas conversam comigo de volta. Isso faz com que eu me inspire, é mútuo, uma troca, não é algo que só sai de mim. Eu cresci com referências pretas dentro de casa, mas sem uma reflexão sobre elas. Então quando eu olho para trás e penso no agora eu vejo essa rede de apoio que traz segurança em um mundo que te violenta de diversas maneiras. Essa rede é quase um refúgio e eu enxergo a música dessa forma também. Às vezes tudo o que a gente precisa é daquela palavra, daquela poesia, para gente levantar a cabeça e pensar “eu não posso deixar que eles me vençam hoje, não posso desistir de mim”. 

Vi uma entrevista onde você disse que usava a música para levar informação para as pessoas. Ainda acha que ela tem essa missão?

Bom, essa sempre foi minha intenção com a música. Eu tenho muitas ideias de projetos que são informativos . Mas agora eu estou passando por alguns processos, estou olhando para mim com mais afeto, estou falando mais sobre afeto e amor. Estou num momento de reconhecer que eu não sou só as minhas feridas. 

Por falar em amor: Como foi o processo de criação de “Meu Sim” com o Mulambo?

Foi tão fácil, tão bonito. O Mulambo é uma pessoa que eu admiro muito, conheci o trabalho dele pelo Harlley do Quebrada Queer. Marquei ele nos stories do Instagram e a partir disso a gente já fez a ponte para criarmos algo. Acabou que ele me mandou o verso dele num beat de internet e eu fiquei pensando sobre os meus escritos, tentando achar algo que eu tinha guardado que fizesse sentido com o que ele me enviou. E foi então que eu achei uma poesia que escrevi para um amigo. Eu peguei essa poesia que falava de amizade e adaptei para que remetesse mais a um casal. O processo de gravação também foi algo que fluiu, me lembro de chegarmos no estúdio e terminarmos tudo dentro de 1h. 

E você ficou satisfeita com a repercussão do lançamento? Pergunto isso porque devido a pandemia, muitos meios “tradicionais” de divulgação e até mesmo a produção do clipe foram adaptados.

Fiquei muito feliz e satisfeita, até porque o videoclipe foi gravado de forma completamente caseira, muito limitada. E mesmo assim a gente conseguiu entregar um trabalho de qualidade e bonito com as ferramentas que tínhamos disponíveis. Se for parar pra pensar nesse trabalho antes da pandemia, a ideia era outra. Mas dentro da realidade que estamos vivendo acho que a gente conseguiu realizar um bom trabalho, que nos trouxe muito reconhecimento, o que deixou todo mundo da equipe bem contente. 

Percebo que você é muito centrada. Isso pesa muito na gestão da sua carreira? Como controla a ânsia imediatista por resultados? 

Eu já tive muito uma ideia de que para ter sucesso era preciso ter fama e que eu precisava estourar e ser o nome do momento. Conforme você vai entrando no mercado musical e se profissionalizando, vai criando uma maturidade de pensamento e entendendo que o sucesso é muito pessoal, relativo e subjetivo diante do que você quer. Para mim, sucesso hoje é a minha produtora, com uma equipe inteira composta por pessoas pretas. E tudo isso foi construído aos poucos.  Eu prefiro me consolidar no mercado, ir de tijolinho em tijolinho e me tornar uma referência na música brasileira do que ser um nome que explodiu agora e amanhã ninguém mais vai lembrar ou saber no que agregou. Eu quero construir e fazer história com a música, não quero que seja passageiro. 

Acho mais importante essa construção onde você matura o seu trabalho e o torna cada vez mais real para quem o acompanha. E essa escolha faz com que eu tenha mais cuidado com o meu trampo porque aí eu não preciso fazer nada correndo. As coisas têm um tempo certo e eu gosto muito de planejar, ter uma estratégia e ter cuidado na execução. 

E o que você quer executar no futuro? O que espera dele? 

Para o futuro? A curto prazo quero fazer shows, ver as pessoas, abraça todo mundo. Agora, pensando realmente nos meus projetos, quero lançar o meu segundo disco, que inclusive já está sendo construído internamente. Quero demais tirar alguns projetos do papel, mas, acima de tudo, quero continuar vivendo da minha arte, poder continuar me sentindo realizada com ela e sobreviver a esse mundo que a todo momento tenta me negar de viver o meu sonho. 

Acompanhe a Indy Naíse nas redes sociais: Instagram, Facebook e Twitter.

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