Tivemos a grande oportunidade de entrevistar um dos nomes mais bonitos do R&B nacional: Alt Niss. Dona de uma voz e lírica maravilhosas, a cantora participante do grupo Rimas & Melodias nos contou sobre o início da sua carreira, como surgiu o coletivo na vida dela e sobre sua vida pessoal como mãe e mulher negra na sociedade.
Pega a visão:
RAPLOGIA: Como foi o início da sua caminhada no R&B? O que despertou a sua paixão por ele?
ALT NISS: Desde que me entendo por gente eu amo o R&B. Desde coletâneas como “Clube dos Namorados” e outras melodias ouvidas em casa, até os CDs e fitas tape trocados com os amigos na adolescência. Apesar de ter crescido em igreja evangélica, eu sempre me identifiquei mais com o que era mais próximo do R&B possível, mais do que o próprio gospel. Acho que por isso não fiz escola na igreja, fiz poucas coisas durante o tempo que passei lá. Meus trabalhos como backing quando comecei já eram fora. Sempre amei a malandragem, o lifestyle e o jeito que as minas e os caras desenrolavam. A forma de se vestir, a estética e forma de se comunicar através das roupas. A sensualidade, forma de cantar, a malícia pra fazer música dos 90. É amor eterno.
R: Suas letras tem um conteúdo lírico muito forte, sensível. Quais são suas inspirações na hora de compor? Quem são compositores/as que você mais admira?
AN: Minha forma de compor sempre foi intensa. Eu diria que aprendi muito nos últimos anos, a trazer minha lírica pra um campo menos abstrato e mais compreensível. Quando era adolescente escrevia muita poesia. Colocava tudo que eu sentia nas folhas. Tinhas pastas e pastas. Minha escrita começou pela poesia e textos sobre mim e sobre o que eu sentia. Como sempre fui muito introspectiva a minha saída era escrever. E daí vieram as primeiras músicas. Cheias de códigos e labirintos que só eu entendia. A 1996, primeira música que eu fiz, tem um pouco disso. Depois fui “melhorando” rs. Aprendendo a deixar as letras um pouco mais compreensíveis. Mas confesso que quando comecei a ouvir Indie R&B eu me identifiquei muito com a escrita abstrata. Mas da pra equilibrar. Aprendi a me expressar bastante. E ser mais segura na hora de colocar nas músicas o que eu sinto. Alguns nomes que me inspiram daqui são Cassiano e Djavan, e de fora atualmente o melhor compositor pra mim é o Frank Ocean.
R: O que/ quem você considera uma motivação na sua caminhada?
AN: Meus amigos verdadeiros. Acreditam em mim a ponto de não permitirem que eu desista nunca. Eles sabem quem são.
R: Como surgiu Rimas & Melodias na sua caminhada? Qual a importância desse coletivo para sua carreira e para sua vida pessoal?
AN: Um dia a Tatiana me mandou uma mensagem que dizia assim: “eu tive a idéia de juntar nosso trampo e mais algumas minas que a gente pode escolher juntas e fazer uma série de vídeos, o que vc acha ? Você toparia ? A Mayra ta na pilha de ajudar a produzir também” eu respondi pra ela “amiga, eu to numa fase tão difícil, por mais q eu queira não sei se vou conseguir dar a atenção merecida, ta foda pra mim você sabe” e aí ela me respondeu “Niss, eu sei do seu corre, sei como é difícil, eu só preciso q vc me diga ‘eu vou estar lá no dia’ o resto a gente resolve, fica tranquila, você só não pode ficar parada como está. Vamo trabalhar! ” foi algo com esse espírito, talvez não com as mesmas palavras. O Rimas & Melodias me salvou no momento que eu precisava ser salva como artista. Me acolheu quando eu precisava ser acolhida como pessoa. E até hoje essas minas me salvam, de várias formas. Várias! Eu vou ser eternamente grata por estar e contribuir com essa história tão rica e linda.
R: As minas estão cada vez mais unidas no cenário do Hip Hop… Como você vê o Rimas & Melodias repercutindo na vivência delas?
AN: As minas vem tentando se unir bem antes do Rimas & Melodias, é uma luta constante por espaço, unir forças por mais oportunidades no Rap. E com o projeto não foi diferente, o espírito é o mesmo. E complementando com alguns diferenciais que todas trazem. Como investir na imagem, troca de conhecimento musical, muuuuita organização, enfim uma forma mais detalhista de trabalhar o que a gente ama. E a gente tem percebido como tem sido uma troca e como tem dado um gás pra outras minas. Só faz subir o nível cada vez mais, pra que essas mulheres estejam e criem lugares em quem elas mereçam estar na música.
R: Como é ser mulher num meio predominantemente masculino como o Hip Hop? Você já passou por situações machistas? Como encara essas situações?
AN: Não existe novidade né. A gente cria “calos”. Tem q se impor, falar, não pode passar um pano. Os caras acham que a gente não sabe do que ta falando. Que a gente não entende de música, não sabe escrever a propria estrofe num feat (!!!), não consegue criar as proprias melodias (!!!), não entende de mixagem, masterização, produção, discotecagem, produção de evento, que a gente é leiga, que qualquer merda ta bom pra nois, que a gente não consegue fazer coisas grandes, que a gente não consegue conviver entre mulheres sem brigar, que a gente não da conta de cuidar dos filhos e gerir carreira, etc. Coisas do cotidiano doente que a gente ri quando vê. Hoje eu vejo algumas coisas como cisco que cai no meu olho ta ligado? Da uma soprada, lava, pinga um colirio e ja era. Tento gastar poucas palavras quando eu consigo. Meu foco é muito maior. Eu to preocupada demais eu tomar tudo que é meu.
R: Quais as dificuldades que você enxerga no seu caminho por ser mulher e cantora de R&B?
AN: Eu sou mulher, cantora de R&B, de família preta, favelada, mãe de dois filhos pequenos, morando sozinha, no meio da Vila Joaniza, Zona Sul de São Paulo. São vários degraus abaixo. E na prática pode multiplicar por 10. Quando me perguntam se eu dou conta eu penso “nem eu sei!”. Eu vivo um dia de cada vez, basta cada dia seu próprio mal. As vezes troco a faxina pra colocar entrevistas em dia, responder e-mail e cumprir as responsas do trampo, as vezes troco escrever um som novo e perder uma ideia do caralho pra fazer a janta. As vezes eu troco beber minha cerveja até mais tarde pra acordar as 7h pra colocar meu filho na escola. A vida é feita de escolhas, e eu vou me virando como posso. Quanto ao meu lugar na cena como cantora de R&B eu diria que é uma questão de tempo, eu não fiz nem 10% do que eu quero, em várias esferas da minha carreira, quando eu conseguir fazer parte disso quero olhar pra tras e fazer a somatória. E ver no que deu. Por hora é só tempo de fazer, sem reclamar, só fazer.
R: Você encara seus trampos como uma forma de resistência? Qual mensagem você tenta passar através dele?
AN: Sim, total ! Lutar pra sair do veneno da falta de grana, criar dois filhos, superar relacionamento abusivo, desviar da depressão, dos demônios internos, e depois ainda ter força pra fazer o trampo andar porque tem pessoas esperando ouvir o que vc tem pra dizer e cantar… se isso tudo não é resistência eu não sei como chamar. Eu quero que pessoas se identifiquem, quero atrair meus semelhantes e trocar energia de força. Quero ver mulheres arrancando o melhor de si como eu tento, sendo felizes apesar dos pesares como eu tento, se engedrando em fazer musica nova, jovem, inovadora, como eu me esforço pra fazer. Por aí…
R: Quais os nomes de minas no Hip Hop/ R&B nacional que você aponta como estrelas do presente/ futuro?
AN: As minas do Rimas & Melodias SIM por que são foda, não é porque é meu grupo não. São do caralho mesmo. Cada uma.
Júlia Costa. Talento da cabeça aos pés. Sara Dezorzi, voz linda.
Destacaria esses nomes por hora. Papo de daqui pro futuro mesmo.
R: Quais são seus sonhos e planos para o futuro?
AN: Meu disco logo fica pronto, quando os seres divinos entenderem que é a hora ele chega. No mais, tem um ditado que diz…
“Baú aberto não guarda tesouro.”
R: Como é ser mãe e estar no corre pelo Hip Hop?
AN: Ser mãe e fazer música eu diria. É matar alguns leões por dia. Os de fora e os de dentro. Mas também é ver seu filho ver os vídeos dos shows e achar o máximo. É mostrar os beats e brincar de show com as crianças em casa, ou mostrar os sons novos e “usar” as crianças como termômetro, rs. É ouvir seu filho dizer que quando crescer mais um pouco vai trampar com você. <3
R: Para finalizar, deixe um salve para as minas que estão começando na caminhada de seguir seu sonho no Hip Hop.
AN: Entenda e estude sobre o maximo de coisas que puder sobre trabalhar com música. Desde a própria música até burocracias. Não poupe esforços. Ouça seu coração.