Por João Victor Medeiros

O final da década passada e o início dos anos 10 foram muito importantes pro rap nacional. Tanto público quanto artistas começaram a se acostumar com a internet – e caminharam juntos com a popularização do meio. Comunidades no Orkut do Lil Wayne, Kanye West e Tupac, plataformas como o falecido RapEvolusom, fóruns tal qual o Grindin’ e artistas disponibilizando mixtapes para download abriram espaço e pavimentaram o caminho para que hoje tivéssemos rappers que são genuinamente da geração online.

Com a morte do Orkut, os nerds de rap nacional que antes se concentravam nas comunidades, migraram pro Genius – na época em que ainda se chamava Rap Genius – e, junto com os canais no Youtube que legendavam sons, contribuíam para a difusão do rap gringo em terras tupiniquins. Entre vários canais importantes como KidCurly e NTNLegendas, um deles se destacou e é querido até hoje.

    
Só quem teve infância vai lembrar

O Legendas R.A.P, surgiu em 2012 e, comandado por Dandan Chaparral, unia o melhor de cada outro canal: com boa estética – fonte e cor da legenda, abertura atmosférica, até selo de “registrado” – e excelente curadoria de conteúdo, o canal acompanhou também o boom da Odd Future, sendo um dos poucos que legendava as músicas do grupo. Por questões de direitos autorais, levou strike algumas vezes e saiu do ar por um tempo, o que fez todo mundo se perguntar o que havia acontecido.

Antes de legendar rap, Dandan fazia vídeos de funk com um amigo. “O David mostrou pra gente (Dandan e mais outro amigo) o Windows Movie Maker e eu achei incrível. Fiz um vídeo logo após isso”, conta. A onda dos dois era meter marra de equipe de som, no início ninguém tinha computador e o corre era na feito na lan house.

Dandan Chaparral (à esquerda) e o amigo David (à direita), por volta de 2007.

“Era eu e o David que fazíamos os vídeos de funk. Os meus vídeos não estão mais no ar porque eu usei o canal pra postar as primeiras legendas e ele foi derrubado. Chaparral é o nome da minha quebrada, o David era de Morrinhos, então, no começo, o nome era “Equipe C.M.” Depois colocamos o primo do David (DJ Ari) e um outro mano que cedia o PC, mas quem fazia mesmo éramos nós. E os vídeos tinham views pra caralho”.

De volta a ativa há cerca de um ano, conversamos com Dandan Chaparral, a figura quase mística por trás do canal Legendas R.A.P, que hoje leva seu primeiro nome.

RAPLOGIA: Como você conheceu o David e o Ariano?

DANDAN: O Ariano eu meio que sempre conheci, ele veio falar comigo na escola e a gente nunca parou de se falar, moramos a duas casas de distância. E como o David é família, sempre tava na casa dele, a gente ia pra baile junto. O David morreu em 2016 num acidente de moto.

R: Meus sentimentos, mano. Como foi a transição do funk pro rap?

D: Desde que me interessei por musica já fui no funk, primeiro era os mais soft e mainstream tipo Marcinho, depois por influência regional, Baixada (Santista) respira funk. A transição foi lentamente e teve a ver com eu me identificar cada vez mais com rap e menos com funk, o funk vinha mudando, perdeu a consistência. Eu já tava na brisa das letras do Dexter, Brown, Eduardo, etc..

R: De onde veio seu interesse em legendar vídeos de rap?

D: Foi sem pretensão, no orkut numa comunidade do Tupac um mano fez um tópico se oferecendo pra legendar umas músicas atendendo a pedidos, e eu queria muito saber a tradução de “Miss U” do Biggie. Eu brisava na música mas não entendia nada, achava que era lovesong, mas o mano ignorou meu comentário totalmente. Depois de um tempo colocaram pra download as letras traduzidas de alguns álbuns, aí com a tradução da música eu próprio legendei o vídeo, e tava tipo 75% errado. O vídeo de “Miss U” que tá no ar atualmente é o vídeo refeito, tá mais certo.

                          

R: Qual música te inspirou a legendar?

D: No começo eu pegava as do Tyler, The Creator que tinham tradução em site tipo Letras ou Vagalume, mas a primeira que me fez querer arriscar traduzir tendo a consciência que não sabia quase nada de inglês foi “Bastard”. Tinha no Youtube traduzido mas era só o primeiro verso, e eu achava aquilo incrível, eu viajei com o quanto aquilo era inovador apesar de não ser inédito, misturava o “shock value” semelhante ao do Eminem com coisas que eu não conhecia, a voz grave, a estética dos clipes, a lente preta, etc. Isso te deixa ‘balançado’ se tu tem alguma sensibilidade artística. Foi um bagulho de eu fazer porque queria ver mesmo, mas que acabou servindo pra outras pessoas.

Dandan em uma vibe meio Inception, também na época de seu canal de funk.

O Dandan já está em seu terceiro canal. Se jogar o nome dele no Youtube, a gente acha uma playlist criada por ele mesmo com vídeos que fez e que foram reupados em outros canais no período em que estava fora do ar. E nesses vídeos, a chuva de comentários sentindo falta e teorias conspiratórias sobre o que haveria acontecido com ele.

                              

Já teve gente até achando que ele se envolveu com o crime, bicho!!!

R: Como é pra você ver o seu trampo em outros canais?

D: É bom, o pessoal que faz o backup salva (sem trocadilho), já me incomodou mas hoje não incomoda mais.

R: E como foi quando o canal caiu?

D: Foi tristão, mas eu voltei logo em seguida e ganhei publico muito rápido também.

R: O grande strike veio quando um veículo gringo postou um vídeo seu, certo?

D: Na real são três strikes acumulados pro canal cair, cada strike tem prazo de validade, então eu que não tinha precaução mesmo, porque porra, com dois eu ainda arriscava. Do primeiro canal, o terceiro strike acumulado caiu depois de a Pitchfork postar o medley do Kendrick no Jimmy Kimmel, acho que deu mais visibilidade pra chegar nos detentores dos direitos autorais. Geralmente os bloqueios de video e strikes são automáticos, o Youtube que reconhece. Mas teve algumas vezes de os proprios caras denunciarem, o Boi-1da já denunciou (acho que) The Blacker The Berry.

R. Como você analisa a sua posição em fazer uma ponte tão importante entre o rap nacional (artistas e público) e o rap gringo?

D: É estranho pra mim, minha noção é bem limitada. Eu meço essa importância me baseando no que as pessoas que influenciam a cena ou só consomem vem me dizer, mas ainda assim eu não sinto que tenho essa importância toda não, sem falsa modéstia, pra mim não tem peso.

R: Você já recebeu algum feedback de artistas brasileiros sobre seu canal e o seu trabalho?

D: Já. Tem salve gravado do Froid, do Sant, o Makalister ficou tristão quando Pink Matter saiu do ar, o RT Mallone comenta lá direto, o Marechal era inscrito no primeiro canal, etc. Minha memória não é tudo isso também (risos).

Ouça abaixo os áudios de Sant e Froid para Dandan.

R: Porque acha que o seu canal teve um destaque assim?

D: Tem o bagulho da estética né, do bom gosto também. A intro acho que criava uma atmosfera de que era importante, canal com logo etc, aquele © no final dos videos… o Z Thugsta tem um canal esteticamente bonito pra caralho, Doris, e outros, mas antes nao tinha muitos não.

R: Eu acho que um trunfo dos seus canais foi legendar “illuminatis”. Tyler, Jay Z… É bizarro as discussões em legendas do Tupac e B.I.G, sempre giram em torno de teorias conspiratórias. Além de trampos alternativos.

D: Eu costumava colocar uns negócios assim nas tags dos videos: “illuminati”, “devil”, “satan” porque sei que esses assuntos rendem, igual por “diss” (risos). Eu fui meio precursor na sorte, quase não tinha música do Tyler legendada.

R: No seu canal vemos legendas de Biggie a Frank Ocean. Qual sua época favorita do rap? E artistas?

D: Acho que meu canal antigo passava muito a impressão de um bagulho saudosista, mas eu nem conheço a “golden era” de ponta a ponta não, escuto muito Notorious BIG, 2Pac, Jay Z e Nas e outros caras dessa safra, mas também briso no Earl Sweatshirt, Saba, J. Cole e (obviamente) o Kendrick. É difícil dizer uma época porque, ok, Pac e Big são definitivamente anos 90, mas muito MC que estreiou nessa década teve outros trampos muito importantes tempos depois, e outros MC’s que aprenderam com esses só estreiaram bem mais a frente, não dá pra dizer uma época específica sem sacrificar obras que pra mim são significativas.

                          

R: Quais habilidades você mais valoriza em um MC?

D: Flow e Storytelling.

R: Who Shot Ya ou Hit Em Up?

Who Shot Ya, sem dúvida. Porque Hit Em Up soa como um acesso de raiva, o 2Pac sustenta rimando meio que em qualquer música mas Outlawz perto do BIG? Nah, Who Shot Ya é uma música boa e mais inteligente.

R: Então você também prefere Takeover a Ether?

D: Prefiro Takeover. Mano, Ether é foda, eu gosto, mas sejamos francos, o Jay Z espancou ele (Nas) com um só verso. Eu já gostei mais de diss.

R: Qual o seu verso favorito?

D: Essa pergunta é difícil pra caralho. Talvez seja o verso 3 de Sing for the Moment do Eminem.

R: Sabemos que legendar sons não dá retorno financeiro. O que ainda te inspira a continuar com o canal?

D: É porque pra mim não é trabalhoso. Legendar nem sempre é tão legal, mas traduzir eu curto fazer, é tranquilo, mexe com uma área do cérebro que é a mesma área de quando tu tá jogando algum jogo e se sente esvaziado, como uma meditação, sei lá, tem esse lado terapêutico.

R: O que você pensa sobre a atual cena do rap nacional?

D: Mano, tem muito bagulho que eu gosto. Eu curto praticamente todos os versos que o Sant solta, gosto do Black, Don L é monstro, Ogi e vários outros, mas a cena como um todo eu não sinto, porque é muito grande a quantidade de nomes tidos como importantes que me soam amador, tá ligado? Muito cara escreve mó mal, o flow é mó previsível, a rima não tem muito o que se aproveite e tem mó visibilidade, e eu sei que seria injusto eu falar que isso não merece atenção porque a atenção muitas vezes é o resultado de um corre árduo, só que falando de qualidade eu acho que a cena como um todo não chegou onde tinha que chegar e muita gente não percebeu isso porque o padrão de qualidade é nivelado por baixo. E não é só sobre os MC’s considerados mainstream, eu gosto do BK, Djonga e outros que atingem milhões de views rápido, mas quando se fala em cena eu tento pesar tudo que tenho visto, e não dá pra tirar os fracos da balança.

R: E a clássica… Pra quem você manda um salve?

Muito obrigado pela oportunidade João!
Um grande salve pro raplogia e
a mixtape “vendedor de sonhos” do rt merece ser mais ouvida e
o novo ep da isis orbelli e
victor xamã e amiri são excepcionais e
3×4 do erik rk coming soon e
muito boa a música “licor” da budah e
os vídeos upados com antecedência vão até 22 fev, depois disso não sei quando volto.

Salve pra todo mundo que me faz ou fez sentir que o que eu faço ou fiz é ou foi de alguma forma útil.

https://www.youtube.com/dandanchaparral

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