Por Felipe Moraes

O aguardado Donda, 10º disco da carreira de Kanye West chegou às ruas. Depois de mais de um ano desde seu anuncio, polêmicas do rapper (como de costume) durante esse período e diversas datas de lançamento, finalmente o projeto chegou aos serviços de streaming, batendo recordes, como era de se esperar após tanta expectativa em torno de seu lançamento. Mais uma vez, Kanye fez um lançamento nada casual para um projeto solo, chegando a realizar três eventos de audição do álbum e inclusive morar num estádio transformando seu vestiário em estúdio, para finalizar as faixas do disco. E toda essa excentricidade em torno de tudo relacionado ao rapper se encontra presente também no Donda. Qualidades e defeitos, altos e baixos, que de forma nada convencional mesmo assim o faz ser, talvez, o trabalho solo mais consistente do artista, desde seu aclamado My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010).

O primeiro aspecto a se destacar é o conceito do disco. Diferente de Jesus Is King (2019), Kanye não se joga 100% no gospel e dessa vez fica na linha tênue entre o religioso e a musica secular. O rapper homenageia o sua falecida mãe Donda West ao longo das faixas, mas o álbum soa mais como uma trajetória do próprio rapper em busca de superar o luto da mãe e corrigir suas próprias falhas do que uma simples homenagem para ela. É um disco mais introspectivo. Sua produção musical, assim como em quase todos os álbuns da carreira, não deixa a desejar.

Kanye West é o melhor exemplo de que um artista não precisa estar preso a apenas um estilo. Em Off The Grid, Kanye abraça o contemporâneo, numa musica que vai do trap ao drill. Já em “Believe What I Say”, Kanye visita o house music junto com samples de Lauryn Hill numa faixa que lembra muito o Ye dos anos 2000. Mais uma vez temos um álbum onde a produção musical é uma das suas características mais satisfatórias, mesmo em momentos onde os versos deixam um pouco a desejar (poucos momentos, diga-se de passagem, pois desta vez Kanye está em seu melhor momento lírico entre os últimos anos).

O uso de sintetizadores está tão presente quanto na sonoridade que o artista escolheu para seu álbum Graduation, em 2007: beats que soassem perfeitos para ser tocados em estádios. Não por acaso o Donda foi finalizado e reproduzido no Mercedes Benz Stadium em Atlanta, e no Soldier Field, em Chicago. Porém, a escolha de fazer arranjos repletos de sintetizadores de fundo em várias musicas do projeto pode parecer um pouco repetitiva, mesmo que isso não faça as musicas parecerem iguais. As faixas “Pure Souls” e “Hurricane” por exemplo, foram reproduzidas no primeiro evento em Atlanta com samples de fundo, que foram removidos da versão final.

Este talvez seja o disco onde o Kanye reuniu o maior numero de participações especiais, e é surpreendente a forma como todas elas funcionam muito bem. Todos os artistas contribuem de forma brilhante em todas as faixas. Destaque para Jay-Z na musica “Jail”, marcando o retorno da dupla The Throne após quase uma década, Fivio Foreign na absurda faixa “Off The Grid” que talvez tenha oferecido seu melhor verso na carreira, e Jay Electronica na brilhante “Jesus Lord”. The Weeknd contribuiu com seus vocais de ultima hora e abrilhantou mais ainda a tão esperada “Hurricane”, que conta também com um verso sólido de Lil Baby. A interação entre Kanye, Don Toliver e Kid Cudi em “Moon” é um dos melhores momentos de todo o álbum.

O rapper adicionou de ultima hora vocais do cantor Marilyn Manson numa segunda versão da faixa “Jail”, junto com DaBaby, que fez ótimo verso, ao contrário de Manson, que aqui pouco contribui e sua participação na música apenas serve para polemizar (o artista responde por varias acusações de abuso sexual). Para variar, novamente e desnecessariamente, West gera uma polêmica para promover um novo álbum.

 

West foi na contramão dos conceitos estruturais de seus últimos álbuns, Ye (2018) e Jesus Is King (2019), onde ambos não passavam da duração de 50 minutos, e lançou um álbum com 27 faixas (quatro delas sendo versões diferentes de outras musicas que já estão no disco), chegando numa duração aproximada de 1 hora e 30 minutos. Um prato cheio para seus fãs mais assíduos, porem cansativo para ouvintes mais casuais. Nesse caso, a duração não chega a ser um defeito de fato, mas sim a ordem das musicas. Algumas faixas parecem estar fora do lugar na tracklist oficial, como a musica que leva o mesmo nome do disco, que facilmente poderia funcionar como uma introdução para o álbum. Inclusive nos dois eventos em Atlanta, essa foi uma das primeiras faixas a serem reproduzidas.

Este continua longe de ser um álbum convencional que irá cair no gosto da maioria. Artisticamente, tem momentos de genialidade mas também de imperfeições, assim como a vida do próprio rapper além da música. A sensação é de que assim como o The Life Of Pablo (2016), algumas músicas poderão receber atualizações (de todas possíveis, uma reorganização da ordem das faixas já serviria de bom tamanho), diferente da personalidade do artista, que não sabemos ao certo se é possível se corrigir a essa altura dos seus 44 anos de idade. Porém, no geral, o artista entregou um trabalho sólido e que acaba, mesmo com seus deslizes, superando as expectativas após discos que não chegaram próximo do que Kanye é capaz de entregar. É possível dizer que Donda é em parte criativo, artístico e interessante. Em outra, maçante, polêmico e falho. Ou seja: este disco é a representação fiel de quem é o filho de Donda West.

Nota: 7.5/10

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Jhonatan Rodrigues

Jhonatan Rodrigues

Fundador do Raplogia em 2011. Ex-escritor do Rapevolusom e ex-Genius Brasil. Me encontre no Twitter falando sobre rap: @JhonatanakaJoe