Foto: Antonello Veneri / Arte: Filipi Filippo

Por João Victor Medeiros

“Veterano” é um nome perfeito para o novo trabalho solo de Carlos Gallo, um dos MCs mais importantes do rap brasileiro. Sendo uma das partes do Costa a Costa, ele ajudou a abrir os horizontes do gênero no Brasil para além do eixo RJ-SP, ganhou prêmio Hutúz com o grupo e em 2019 coloca mais uma importante marca do seu nome no hip hop do Brasil. Nessa mixtape, Nego Gallo abre uma janela na periferia e de Fortaleza, nos mostra que o mesmo sol que bate nos barracos bate na orla e narra a caminhada de alguém que já viveu bastante e tem algo a compartilhar.

Uso do termo compartilhar pois, em nenhum momento de seu trabalho, Gallo se coloca como superior ao ouvinte ou aos seus iguais de 4town numa tentativa de ensinar; ao contrário: o MC está na postura de um narrador experiente, que numa humildade ímpar, esclarece através de poucas palavras os saberes e vivências construídas de maneira coletiva.

                     

A sabedoria do veterano Nego Gallo se prova em seu poder de síntese. Em toda a audição, é impressionante notar o quanto o rapper diz coisas importantes e profundas com poucas palavras. Como em “Down Town”:

Maldade em ninguém
Onde tu tem os irmão
As gatas também
Fumando um bom tem os do bem
Tem os patrão
Santo não tem
Porque não é ficção

Gallo não é um malabarista técnico como seu chapa Don L, que com certeza entregou um de seus melhores versos da carreira em “No Meu Nome”, mas ele compensa isso com muito papo reto. Outra participação notável no disco é a de Coro MC, outro rimador de Fortaleza e também responsável pela produção das batidas de “Veterano”, que ficou cerca de três anos no forno. Através dos sons conceitualizados por ele e que contaram com a contribuição de Léo Grijó, Gallo mostra também versatilidade, rimando em cima de funk e reggae, dois ritmos muito presentes na periferia de Fortaleza e perceptíveis nas melodias dele desde Costa a Costa. “Onde Há Fogo Fumaça” pra fumar um com seus chapa no portão do barraco e “Dois Cofres Uma Porta” pra dançar de rosto colado com a cumade. Isso sem mencionar “O Bagui Viro”, que era hit antes de ter sido lançada.

É de se destacar também a primazia estética desse trabalho, mérito de toda equipe que trabalhou na mixtape. As rimas curtas e incisivas de Gallo são ilustradas por fotos de Antonello Veneri, que conseguiu traduzir a personalidade de Gallo em diálogo com a força do mar de Fortaleza, potencializando o discurso do MC. Puro suco de um disco de rap.

A visceral “Acima De Nós Só o Justo”, com participação de Mc Mah, Daganja, Galf AC fecha esse belo trabalho. Onze faixas em que Gallo mostra sua experiência e compartilha os aprendizados até aqui, que mantiveram-o vivo e aqueles que fizeram dele considerado nas área. Um trabalho extremamente necessário para todo brasileiro no cenário atual e ainda mais o cearense de Fortaleza, que se encontra em uma guerra civil. Veterano.

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