Como surge Rodrigo Ogi?

Texto por Kleber Briz Albuquerque (@kleberbriz) | Artes por Arthur Garbossa (@arthurgarbossa)
Foto por Paulo SG Muhanzule

Dificilmente alguém que curte rap nacional não conhece Rodrigo Hayashi aka Ogi e seus dois discos clássicos: Crônicas da Cidade Cinza (2011) e ! (2015). Dentre suas alcunhas, temos o apelido carinhoso “Vovô”, recebebido de seu parceiro Jamés Ventura devido a sua personalidade ranzinza e cabelos brancos. Já o vulgo “Ogi” tem origem na sua época de pixador que, junto com as letras do Mano Brown em Holocausto Urbano (1990), o ensinou a malandragem da rua.

O Mano Brown, mano, tinha que estar na Academia Brasileira de Letras. Tudo bem que vai ser difícil um preto entrar lá, sei lá, mas acho que um dia ele vai estar lá. Ele é o melhor MC. Você vê MC daquela época lá que hoje em dia rima que nem rimava nos anos 1990. O Brown, não. Cada dia ele vem com uma coisa nova. É o único cara da antiga que faz isso, por isso que o negócio é tão foda.Ogi em entrevista para Folha de São Paulo (2014)

“Ogirdor” é Rodrigo ao contrário mas, por ser muito longo, ele optou por adotar a tag Ogi, facilitando uma escrita rápida que lhe permitisse deixar a marca e fugir em segurança. Além desse vulgo, o MC também costumava lançar a tag “R Hip Hop”, pela sua paixão pela cultura.

Porém, a conexão com Hip Hop viria a se expressar na melhor forma através da música. Suas rimas são responsáveis por algumas das histórias mais vívidas do rap nacional. E mesmo quando não está demonstrando as habilidades com storytelling, as músicas mais pessoais revelam habilidades na composição das rimas, no controle da voz, no domínio de melodias e na criação de levadas – o que o coloca entre os MCs mais técnicos rap nacional.

Crônicas da Cidade Cinza (2011) foi o disco que iniciou a trajetória solo de Rodrigo Ogi. O disco conta com 19 faixas e possui como fio condutor, histórias que pertencem situadas na cidade de São Paulo. Quando o rapper escolhe iniciar o disco com a faixa “Cidade Com Nome de Santo”, que contém uma prosa de Plínio Marcos, do álbum de samba Nas Quebradas do Mundaréu (1974), ele humaniza a cidade a maior cidade do Brasil. Desta forma, traz não apenas os problemas e dificuldades de viver na metrópole, mas os bons sentimentos que ainda surgem das experiências vividas na cidade. Esse elemento que serve de pano de fundo das histórias a serem contadas é uma das habilidades do MC de aproximar o ouvinte a partir de elementos reconhecíveis.

Eles [OsGêmeos] me conheceram na época da pichação, e quando eu passei a ideia e pedi para eles fazerem a capa, fizeram numa boa. A pichação trouxe uma bagagem, qualquer lugar que você me perguntar eu conheço, já rodei os quatro cantos da cidade. Do centro, eu ia para Taipas, Jaraguá, Guaianases pichar, então fui conhecendo a capital de ponta a ponta. Mas ideia de falar sobre a cidade eu já tinha. As músicas narram contos que acontecem e se aplicam em todas as grandes cidades, não só aqui.Ogi em entrevista para RedeBrasilAtual
Evolução vem a cada rima nova. Eu tento não repetir, busco novas terminações. Tento diferenciar a levada, cada beat pede uma coisa diferente. Estudo a métrica diariamente. Nas letras eu escrevo o que vivo e o que vivi. Tenho 30 anos e já vivi muita coisa, assunto não falta. Quando eu tiver 60, vou saber muito mais. Deixo a imaginação fluir e assim vem mais uma letra.Ogi em entrevista para NOIZE (2010)

Quando Ogi escolhe iniciar o disco com a faixa “Cidade Com Nome de Santo”, que contém uma prosa de Plínio Marcos, do álbum de samba Nas Quebradas do Mundaréu (1974), ele humaniza a cidade de São Paulo. Desta forma, ele traz não apenas os problemas e dificuldades de viver nessa metrópole, mas os bons sentimentos que ainda surgem das experiências vividas nesta cidade. Esse elemento que serve de pano de fundo as histórias a serem contadas é uma das habilidades do MC de aproximar o ouvinte a partir de elementos que eles reconheçam.

O empenho na composição de suas letras conquistou rapidamente os ouvintes de rap por todo o Brasil, tornando Crônicas um dos discos mais bem recebidos das últimas décadas. Filmes, quadrinhos, desenhos animados e a música são referências que enriquecem as histórias construídas pelo MC. Porém, ao mesmo tempo que utiliza destes recursos, também consegue trazer originalidade em suas rimas. Cada história é quase que única e independente, na maioria das vezes com começo, meio e fim.

Eu sempre tive facilidade para escrever nesse formato. Minhas redações na escola sempre contavam uma história. Sou observador, gosto de andar de ônibus, isso facilita.Em entrevista para RedeBrasilAtual em 2015

Em outubro de 2015 ocorre o lançamento do segundo disco do Rodrigo Ogi, quatro anos depois de Crônicas da Cidade Cinza. Rá!, produzido inteiramente pelo NAVE, era esperado pelos fãs e as expectativas eram altas.

OGI: Fazer um disco é uma parada foda, que vai além. É como se você trocasse de capa, trocasse a couraça. É que nem uma cobra que troca de pele. Quando eu fiz o Crônicas eu tinha uma cabeça, era uma pessoa, nesse novo disco eu envelheci, evoluí, aprendi mais coisa. Não só técnica de levada, de flow, de apurar mais o ouvido pra música, isso também, mas entra a evolução pessoal, a evolução da alma, mais vivência, tá ligado? Fazer um disco é isso.
NAVE: Esse é o segundo disco que eu produzo, mas certamente é o disco que, quando eu olhar pra minha carreira lá na frente, daqui uns 20 anos, vai ter um lugar de destaque.
Em entrevista para Vice (2015)

Todas características marcantes do Ogi estão presentes neste segundo disco e fazem justiça ao reconhecimento conquistado até então. Porém, neste novo trabalho, o MC explora mais ainda os timbres de sua voz e em alguns momentos inclusive se arrisca a cantar de forma muito mais evidente do que fazia em faixas passadas. É o que acontece, por exemplo, em “Correspondente de Guerra”:

Uma senhora perambula
E o sangue que escorria em sua mão, coagula
E os milico fazem corredor polonês
E logo a banca dos malacos foi a bola da vez
Nossa hora eu oro que pare, Deus
E que esse mal nos separe
E nessa hora eu oro que pare, Deus
Seus filhos não desamparem
A arte da capa é uma foto muito antiga, dos anos 90. Um amigo meu tirou, o Sosek [Kadu Doy]. A gente tava fazendo grafite no dia, ele tirou a foto e eu cobri o rosto, porque não queria que tirasse. Ele tirou a foto eu de frente e depois eu indo embora com a mochila, que é a parte de traz do disco. Passei várias fotos para o Oga, o cara que fez a arte. Ele escolheu essa, fez o design em cima dessa foto que o Kadu. – Relato do quadro Dissecação do RAP TV

Não é qualquer artista que consegue, depois de um disco como Crônicas, superar todas as expectativas colocadas sobre si. Embora os fãs possam  discutir qual dos dois discos é melhor, é interessante ressaltar que Rá! mostra o quanto um artista pode evoluir, por mais que já tenha conquistado em trabalhos anteriores uma identidade e uma aceitação pelo público.

Pé no Chão (2017) marca uma nova fase do MC, que havia se tornado recentemente pai. A letras do EP soam mais pessoais, uma característica que eleva ainda mais o storytelling do MC, pois permite que o ouvinte desenvolva uma aproximação ainda maior com as faixas.

Eu queria transmitir [com a capa ]como se eu tivesse tipo num vale, sobre as montanhas, olhando as coisas lá de cima e refletindo. Como se tivesse fazendo uma viagem pra dentro de mim mesmo. Como já disse, foi feito em cima das cores do tênis, mas a ideia eu sugeri, porque eu queria transmitir esse pôr do sol, aquela hora que o sol tá se pondo e a noite caindo. Aquela cor bonita, que eu acho que é, talvez, uma das melhores horas do dia. Eu queria passar isso com as cores e com essa ideia da foto. Casou, também, pra chamar pra cor do tênis. – Em entrevista para o Genius Brasil

É tocante como é possível sentir diferentes emoções em suas músicas, as quais busca constantemente desenvolver. A escolha de produções mais modernas, como “InSOMnia 2” e “Passagem” neste EP evidência uma nova evolução. Embora tenha um tremendo apreço as músicas e artistas antigos, demonstrados, por exemplo, com as inúmeras referências ao samba em seus versos e melodias, Ogi se mantém atento às sonoridades produzidos pela cena atual, sejam elas dos artistas que costuma trabalhar aos produtores que colaboram em suas músicas.

Por manter uma mente aberta, Ogi acaba servindo de ponte entre as gerações, tendo em vista que agrada ouvintes e artistas que fazem parte de diferentes épocas. Ouvi-lo ao lado da Souto MC na faixa “Rezo” do disco Ritual (2019), mostra o quanto ele pode ser uma influência positiva a esta geração.

Escrever sobre determinadas coisas dói muito. Porque é um processo de você abrir aquela ferida e colocar aquelas coisas para fora. E às vezes esse processo te coloca no colo e te diz que vai ficar tudo bem, quando você fala sobre aquilo. (…) Eu pensei no Ogi desde o primeiro momento, por conta de conversas que a gente teve e das referências musicais dele também, de como eu vi ela tratando esse processo da composição. – Souto no Mini Doc Meu Verso é Rezo – Bastidores de Ritual (2020)

Ogi não poupa esforço de participar dos mais diferentes projetos para se manter atualizado e continuar sendo citado nas “resenhas” do rap nacional. O MC aparece na emblemática “Poetas no Topo 3.3” cuspindo rimas que fazem um registro histórico e uma crítica ao governo atual. Ser um dos poetas no topo, salvo todas as críticas que possam ser feitas a Pineapple, é fruto direto de uma carreira impecável que o faz ser lembrado por qualquer artista do ramo.

Enquanto o vilão dessa história de bom moço posa
A insanidade tem comigo dois dedos de prosa
Você será herói, você terá glória
Pois você é Luis Inácio e eles João Dória
A esperança tá ali, ontem mesmo eu a vi
E ela tava caminhando com a vitória
Que-que-quero saber quem assina a cena
Que me assassina, será que a chacina um dia sana?
Trocaram o acerto na Mega Sena pela mega cina
A vida é um gole de estricnina

Outro aspecto que contribui para Rodrigo estar sempre se aperfeiçoando é sua relação com artistas que transitam ou que são de outros gêneros. Seja na paixão por samba – que o levou a cantar – ou na parceria como estes artistas que estão fora da cena do rap, como a que mantém faz alguns anos com Kiko Dinucci, instrumentista fundador dos grupos Metá Metá e do Passo Torto..

Em “Veneno”, do disco Rastilho (2020) do Kiko Dinucci, o MC contribui para obra com uma de suas típicas histórias. Acompanhado do os “faroestes instrumentais” proferidas pelo violão do instrumentista, Ogi desenrola um enredo em uma das principais faixas disco. Nela, Rodrigo relata o conflito entre os personagens da trama. E, desta maneira, este tipo de troca que o Vovô costuma realizar o permite desenvolver sua arte das mais diversas maneiras.

Até aqui fizemos um breve dossiê da trajetória do Ogi, falando um pouco da sua carreira solo. Também discutimos alguns elementos e características que servem de pano de fundo para suas composições, mas existem muitas outras coisas que o tornam um dos melhores contadores de história do rap nacional. A segunda parte, “Rimas que viram imagens: a arte de contar histórias do Rodrigo Ogi”, chega em breve.

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