Ontem, dia 06 de julho, perdemos o gênio João Gilberto. Já com 88 anos e saúde fragilizada, o compositor faleceu em seu apartamento no Leblon, Rio de Janeiro. Nascido em Juazeiro – Bahia, foi na cidade maravilhosa que o cantor fincou seus pés e alma.

Rio de Janeiro esse onde, em 1957, chegou com apenas 26 anos de idade. Foi até uma festa onde estava Roberto Menescal apresentar sua invenção: a Bossa Nova. “Bim bom” encantou Menescal, que na mesma hora abandonou a festa junto de João para apresentar ao mundo a invenção do artista baiano. Para essa criação, disse João, usou técnicas de respiração da yoga, além da mão direita que tocava não só acordes, mas também as chamadas não notas, que criavam harmonia e ritmo ao mesmo tempo. Estava criada a Bossa Nova, oficialmente. O que veio depois disso foi uma carreira de sucesso e muita credibilidade pelo trabalho criado. Deixo isso para as inúmeras boas matérias feitas a respeito.

O legado de João é estrondoso: A DownBeat, uma das mais respeitadas publicações de jazz no mundo, elegeu João como um dos 75 melhores guitarristas e um dos 5 melhores cantores da história do gênero. Em sua primeira turnê pelo Japão, em 2003, a plateia o aplaudiu por ininterruptos 25 minutos! Suas turnês pelos Estados Unidos e Europa eram sempre esgotadas, as vezes com meses de antecedência. Isso tudo mostra o poder da Música Popular Brasileira, e da Bossa Nova.

João Gilberto

João Gilberto

Esse movimento em torno da música brasileira foi alcançado pelo hip-hop por volta dos anos 2000. Um fato curioso e também triste é que o rap brasileiro nunca foi muito valorizado pelos artistas americanos, que costumam consumir as próprias produções. Com a MPB – e principalmente com a Bossa Nova – isso foi diferente. E nesses anos 2000 onde artistas como Verocai, João Donato, Marcos Valle, João Gilberto, Tom Jobim e tantos outros expoentes da Bossa foram descobertos e sampleados a exaustão.

E é isso que vamos falar hoje, de alguns dos sons da Bossa Nova que viraram ritmo e poesia nas mãos de produtores pelo mundo. Esse texto-lista é uma singela homenagem à João, que colocou o Brasil no mapa do jazz mundial e fez tanto pela música brasileira. Selecionei várias músicas, nem todas conhecidas, mas com o objetivo de mostrar como a Bossa Nova se infiltrou nos ouvidos de produtores e rappers, seja na voz de João ou dos seguidores de sua bela criação.

Esteja em paz, João Gilberto, e obrigado!

———-

Luiz Bonfa

Luiz Bonfa

Luiz Bonfa

Bonfa, nascido no Rio de Janeiro, foi um dos grandes violinistas do nosso país, tenho começado aos 13 anos a ter aulas de violão com um professor uruguaio. De tão talentoso e dedicado, o professor não lhe cobrava pelas aulas. Foi integrante do primeiro grupo de Bossa Nova que se tem notícia, participou de festivais no exterior e deixou muitos ótimos discos lançados.

Em 1962, lançou o disco “Jazz Samba Encore!”, em colaborção com o Jazzista americano Stan Getz. E foi nesse disco que o mundo conheceu a clássica “Saudade vem correndo”, que foi sampleada por J Dilla no famoso single “Runnin”, do grupo The Pharcyde – faixa essa que, certamente, é uma das mais conhecidas na história do rap. Falamos sobre esse sample neste texto. 

Neste ano, o rapper Juice WRLD também sampleou a faixa na música “Make Believe” 

Outra famosa faixa de Bonfa, “Bonfa nova”, foi sampleada por Marcelo D2 em sua aclamada “A procura da batida perfeita”, o que deixou ainda melhor a junção entre rap e samba feita pelo rapper carioca..

Flora Purim

Flora Purim

Flora Purim

Flora, nascida no Brasil, mas radicada nos Estados Unidos, é uma cantora de Jazz e Bossa Novam trabalhando com gente como Stan Getz e Gil Evans. Estudou música na Califórnia e, entre 1974 e 1977, foi eleita a melhor cantora de jazz dos Estados Unidos.

Um tanto desconhecida no Brasil, foi nas mãos de Madlib que sua faixa “A morte de um Deus de sal” foi eternizada no RAP.

A faixa se chama “Porto Alegre” e faz parte do aclamado disco “Flight to Brazil”, baseado nas descobertas de Madlib dentro da MPB.

Bebel Gilberto

Bebel Gilberto

Bebel Gilberto

Bebel é filha de nada mais nada menos que João Gilberto e Miucha, e sobrinha de Chico Buarque. Isso por si só carrega um peso enorme, mas Bebel é uma artista também consagrada na Bossa Nova, tendo, aos 9 anos, se apresentado ao lado de Stan Getz no Carnegie Hall, em Manhattan.

Em 1998, o lendário grupo A Tribe Called Quest lançava seu disco, “The love Movement”, e na aclamada faixa “Find a Way”, samplearam a música “Technova”, de Bebel.

Em 2005, a cantora Mary J. Blige, em sua faixa “Take me as I am”, sampleou “Cadê você?”, de Bebel Gilberto,, e em 2011 foi a vez do grupo ConeCrewDiretoria samplear “Simplesmente”, de Bebel, em sua faixa “Homenagem a liberdade”.

Tom Jobim

Tom Jobim

Tom Jobim

Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim é considerado por muitos como o maior artista da MPB de todos os tempos. Queria ser arquiteto mas se tornou o maior maestro brasileiro, tendo um aeroporto em seu nome, recebido homenagens do Google e doutor honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Ao lado de João Gilberto, foi um dos criadores da Bossa Nova e dispensa comentários.

Marcelo D2, em uma entrevista para a Folha de São Paulo, em 1998, disse: “O Brasil é o único país que tem seu próprio jazz, a bossa nova. Todo mundo sampleia James Brown. Quem vai samplear Tom Jobim? Tem que ser a gente”

Quem ouviu o recado foi o grupo californiano Ugly Duckling, que em 2001 sampleou “Samba de uma nota só”, em sua faixa “A Little samba”.

O lendário produtor Exile, em 2013, se rendeu ao maestro Jobim em sua faixa “For the kids”, usando recortes de “Samba torto”, outra grande obra de Tom. E por fim, a banda Black Eyes Peas recortou “Insensatez” para compor sua faixa “Sexy”, de 2003.

João Donato

João Donato

João Donato

Outro monstro sagrado da MPB, Donato. Segundo o crítico musical Tárik de Souza: “Durante muito tempo, João Donato foi um mito das internas da MPB. Gênio, desligado, louco, de tudo um pouco.”. Foi responsável por incorporar os ritmos afro-cubanos dentro do jazz e é conhecido pela influência da música latina em suas composições. Foi grande amigo de gente como  João GilbertoTom JobimVinícius de Moraes e Johnny Alf, estando ao lado desses artistas no começo da Bossa Nova.

O grande J Dilla, que com certeza foi um dos produtores que mais estudaram a música brasileira, sampleou, em 1996 a faixa “Samba de orfeu”, incorporando sua melodia de forma perfeita à faixa “To the zz zz ah you don’t stop”. 

E em 2008 o rapper Freddie Joachim foi até o acervo de Donato buscar inspiração para a produção de “Uplight”, usando samples de “Batique”.

João Gilberto

João Gilberto

João Gilberto

Não poderia deixar de fora o homenageado do dia. João teve alguns sons usados por produtores de hip-hop de várias épocas de sua carreira. O exímio produtor de Los Angeles, Kan Kick, usou trechos retirados da faixa “Consolação” do mestre João, para compor a ótima música “Love Hardcore (Underground)”,

“Chega de saudade”, a música mais famosa do compostor e um dos primeiros registros da Bossa Nova, foi parar nas mãos de Azealia Banks e virou não um sample, mas uma versão da cantora de “Chega de saudade”. Acompanhada por um violão, Azealia cantou a música, em português, e deu um novo tom ao clássico de João.

E, por fim, “Undiu”, com sua melodia suave e calma caiu nas mãos de um dos meus produtores favoritos: Wun Two. O beatmaker alemão usou a faixa do mestre brasileiro em seu beat “Gilberto”, claramente uma homenagem ao músico brasileiro.

Com essa lista, deixamos, a nossa maneira, uma homenagem a um dos maiores músicos da nossa história, e um lembrete de que a música brasileira é rica e que podemos explorar ela ainda mais, dependendo cada vez menos do que vem de fora.

Rest is power, João Gilberto. Obrigado!

Deixe seu comentário!
Share this...
Share on Facebook
Facebook
Tweet about this on Twitter
Twitter
Marco Aurélio

Marco Aurélio

Fotografo shows sujos onde frequento, escrevo rimas que nunca vou lançar e faço pautas sobre coisas que vocês (ainda) não conhecem.