Bivolt é o apelido que Bárbara ganhou ainda na escola, fruto da dualidade entre calmaria e eletricidade que sempre a acompanhou. Aos 15 anos conheceu as batalhas de rima e desde então imergiu no movimento Hip-Hop e consolidou uma carreira que, a cada lançamento, se mostra mais consistente e inspiradora. 

As batalhas de MCs foram escolas para mim, principalmente a Batalha do Beco, a Batalha do Santa Cruz. Conheci muita gente, muitos profissionais que me ajudaram a lapidar o que sou hoje. Conheci todos os meus amigos nessas batalhas, pessoas que eu vou levar para a vida toda”, destacou. 

Nascida no Boqueirão, São Paulo, Bivolt já esteve em diferentes batalhas, palcos, lugares e quer chegar ainda mais longe com a música. Em março deste ano, a artista deu um passo importante para a sua trajetória com o lançamento do álbum de estreia, Bivolt.

Além das 14 faixas, algumas com participações especiais, Bárbara vem se dedicando ao audiovisual do projeto, que se mostrou diferenciado com videoclipes que se complementam criando uma produção a parte, como “110v” e “220”, além de experimentos e ideias que ela sempre quis tirar do papel, como “Cubana” e “Me Salva”.

Ao Raplogia, Bivolt falou sobre a distribuição do disco e o desenvolvimento dos videoclipes em tempos de isolamento social, além de analisar suas voltagens, plano de carreira e mudanças profissionais e pessoais.

Raplogia: O seu primeiro álbum é composto por 14 faixas, todas de sua autoria. Como é o seu processo de composição? Ele mudou para a criação do projeto?

Bivolt: O meu processo de criação é bem diversificado, acho que depende muito do momento que estou vivendo, do feeling. Mas, existem músicas que eu estou compondo há muitos anos. Eu escrevo um monte, e desse tanto que escrevo vou analisando o que precisa em cada música. Com o disco não foi assim, cara. Com o disco foi tudo na hora, eu fiz todas as músicas em um determinado momento. Apenas uma escrevi em casa, não criei no estúdio. O restante foi tudo no freestyle. E eu acho muito legal ter essa mescla nas minhas maneiras de compor,  tem coisas que a gente só consegue dizer depois de entender que aquilo precisa ser dito, e tem coisas que a gente já sabe que precisa falar na hora, é louco. Mas esse álbum em específico é muito mais voltado para a melodia, para o minimalismo. São composições fortes, mas são sintetizadas. Elas são bem diferentes uma da outra, mas no geral surgiram da mesma forma. E foi essa a estética que eu queria para esse projeto, queria mostrar um pouco de tudo o que eu sei fazer, acho que por isso ele possui tantos ritmos. Então meio que foi tudo feito no estúdio. Era um processo de escrever e gravar. Se eu não gostava de algo eu escrevia de novo e voltava a gravar. 

Como você citou anteriormente, o álbum traz uma diversidade musical bem notável. Como foi transitar entre Rap, RnB, Reggae, entre outros ritmos que você experimentou no disco?

A ideia de o álbum trazer essa diversidade musical é mostrar o quão grande é o Hip-Hop e a música ativa dentro dessa cultura. O Hip-Hop é um movimento que tem o RnB, o Rap. Dentro do Rap existem várias sub-vertentes como o Trap, o Dirty, o Boom Bap… Existem vários estilos. E eu acho louco a gente mostrar isso de maneira subversiva. É mostrar mesmo, sem precisar de aulinha. E eu gosto dessa diversidade porque consigo mostrar o que eu sei fazer, consegui abusar bastante do canto também. Mas a ideia central, o conceito todo por trás do álbum é a mescla das voltagens 110 e 220, onde os gêneros são de acordo com elas. Então trouxemos um pouco de RnB, um pouco de MPB. O 110v teve um lado mais calmo e melódico, bem mais instrumental. Já o 220v  foi mais pancadão, mais street. Tem muita história por trás da música, na verdade música e história caminham lado a lado, então eu acho válido a galera pesquisar mais sobre os subgêneros dentro do movimento e como a música acompanha os momentos da vida. 

Além de toda a mescla musical, o projeto foi enriquecido com muitas parcerias, né? Como foi construir o álbum com o Nave e trazer a Tasha e a Tracie, Jé Santiago, Xênia França, Dada Yute e Lucas Boombeat para imergir nisso com você?

Olha, todas as parcerias que estão no álbum aconteceram com amigos pessoais meus, gente que eu amo e admiro. Acho que a única que eu não conhecia era a Xênia França. Sou muito fã dela e a convidei para participar. Ela topou, enviei a música e ela gostou muito. Encheu minha alma, sabe? Essa identificação…Uma pessoa que você admira já se identificar com o seu trabalho. Todas as participações agregaram muito para a estética do álbum e para a mensagem. Foram todas impecáveis! Eu só tenho a agradecer mesmo. Acho que a maior contribuição é a história que estamos deixando, são artistas da minha geração que estão fazendo história, assim como eu. O Lucas, por exemplo, representa todo o ativismo do jovem negro periférico e LGBT. Ele carrega toda a Quebrada Queer nele também. Eu acho isso muito importante, ele é um artista extremamente talentoso que precisa ser ouvido. O Jé é um cara que fez revolução também, ele tem uma estética única. Eu sou fã e o acompanho há muito tempo. E para mim, o Jé é a voz do RnB. 

O Dada Yute é muito meu amigo, eu o amo de paixão. Ele é a voz do Reggae no Brasil. A Tasha e a Tracie são mulheres que carregam um brilho e por onde passam iluminam tudo. Mas elas fazem isso “com uma faca na mão”, porque isso aqui é luta. Enfim, todas as participações foram incríveis, eu amo fazer música com os meus amigos. E o Nave é sem dúvidas o melhor produtor de todos. Ele é muito paciente, você pode chegar lá pilhada, ansiosa, de TPM, que ele vai estar lá de boa. Ele é o famoso “de boas” (risos). 

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Outro ponto forte desse projeto é o audiovisual. Como surgiu a ideia de fazer duas faixas que se complementam e como isso se traduziu nos videoclipes dirigidos pela Aline Lata? 

Eu sempre prezei muito pelo audiovisual. Se você for ver lá atrás, desde o meu primeiro trabalho, dá para perceber que eu gosto de fazer entregas ricas no audiovisual, mesmo tendo pouco dinheiro para investir nisso. A luz, as cores, a fotografia, tudo é muito importante para mim. E não me importa o material que você está usando, se é uma supercâmera ou não, o essencial é saber passar os sentimentos. Os roteiros de “110” e “220v” foram feitos por mim e aprimorados pela equipe da Aline, foram entregas grandiosas.  A Aline fez um trabalho impecável, deu vida a minha ideia. Me lembro de ter ficado tão aliviada por ter achado alguém que tivesse entendido o que eu queria. E tudo fica ainda melhor quando a gente ressalta que é uma mulher, né? Mulheres são o futuro!

Foto: Camila Cornelsen

Nos clipes “110v” e “220v” encontramos a mensagem “Bivolt feat Bivolt”. Isso me deixou pensativa se você se considera o seu melhor feat…

Não me considero o meu melhor feat, mas acho que sou o meu feat ideal. Eu me complemento muito bem, mas nossa, têm parcerias que fiz que amo demais, e acho muito mais gostoso a colaboração com outras pessoas. 

E dentro dessas colaborações todas, qual a sua música preferida do álbum?

Posso responder todas? A cada dia  da semana eu tenho uma favorita. Eu não sei definir uma, mas elas mexem comigo de formas diferentes. A “Tipo Giroflex” mexe demais comigo pela mensagem e pelo fato de a minha mãe estar eternizada nessa música. Ela é muito forte, eu ouço e choro. Engraçado que lancei o álbum há alguns meses e o sentimento é o mesmo, eu choro sempre. A “Mary End” para mim é a música certa, assim que terminei de escrever já me veio a sensação de “putz, é essa”. E “Murda Murda”… não sei nem o que falar, acho que posso dizer que é o tipo de Rap, o tipo de música que eu gosto de ouvir. Enfim, todas são perfeitas, eu escolho o álbum!

Falando de “Murda Murda”, faixa com Tasha e Tracie, há uma crítica a cena do rap e ao machismo presente nela. Escutando a música até me lembrei de uma entrevista sua onde comentou que há muitas mulheres ativas na cena, mas sente que todo o esforço que fazem é insuficiente. Queria que comentasse mais sobre isso…

Olha, eu acho que muita coisa tem que mudar, sabe? Para começar, a reparação dos homens perante as mulheres dentro do movimento. Eu digo isso porque se você está vendo que algo está errado, percebe o erro e não faz nada para mudar isso, ele continuará existindo. Não adianta falar “o machismo existe” e não fazer nada. Nós produzimos trabalhos impecáveis e somos invisibilizadas o tempo todo. É muito difícil lidar com isso, investir tempo, dinheiro e saúde em uma parada que muitas vezes não traz o retorno que a entrega merece. É necessário que essa reparação ocorra na sociedade, mas falando musicalmente uma outra parcela de culpa também é do público por movimentar a cena dessa forma. A galera não escuta mulheres e isso tem que mudar. Acho uma merda você se dedicar a uma parada e ser ignorada. Mas é isso, vou continuar fazendo o meu corre aos poucos. E já tenho notado uma evolução em relação à isso no meu trabalho nos últimos dois anos. Sou muito grata a todos que me acompanham e que me apoiam. 

Além desses obstáculos que atrapalham o trabalho de uma artista independente a chegar em mais lugares, o álbum foi lançado também pouco tempo antes de a pandemia começar, né? Como você lidou com isso? 

Sinceramente, eu me fodi! Acho que todo mundo se fodeu, principalmente os brasileiros que precisam lidar com esse governo lixo. Não vou mentir, as coisas não estão sendo fáceis. Eu estou buscando muitos meios alternativos para dar continuidade ao meu trabalho, apesar de ter deixado muita coisa pronta antes de a pandemia começar. Em questão de sobrevivência tá difícil, pois eu já estava segurando os shows para conseguir fazer uma turnê bacana para o álbum, então já não estava entrando dinheiro. E quando eu estava me planejando para iniciar os shows, veio a pandemia. Eu não tenho patrocínio, estou esperando o apoio das marcas. Inclusive, se tiver alguma marca interessada em contratar o meu trabalho estamos aí! Mas nossa, é bem difícil, eu fico bem perdida e tento me respaldar na música. Venho trabalhando em um projeto bem legal que em breve quero mostrar para vocês, tudo feito aqui em casa, com as minhas coisas mesmo. 

Você pode dar uns spoilers?  

O que posso dizer é que estou fazendo músicas que vão sair ainda esse ano. Também estou fazendo uns videoclipes, estou experimentando bastante nessa área, fazendo muitas coisas diferentes. Mas não vou falar muito porque eu quero surpreender! 

Para finalizar: O que mudou da artista que compôs mixtape Lado B, em 2017, para a artista de Bivolt, três anos depois?

De Lado B para Bivolt 110v/220v muita coisa mudou. Eu amadureci muito profissionalmente, consegui entender melhor os processos. Acho que é extremamente importante esse entendimento de tudo o que envolve o trabalho artístico, eu já fui muito passada para trás, fiz colaborações onde me enganaram e não me pagaram, envolvi relação amorosa com a profissional, enfim… As músicas da mixtape Lado B nem são minhas, embora eu tenha produzido tudo. Eu fui passada para trás por ingenuidade, por não entender esses processos. Então nos últimos dois/três anos estudei e entendi isso e agora não vou ser mais enganada porque sei o começo, o meio e o fim. Agora consigo ajudar outros artistas e espero que eles não sejam enganados por pessoas e empresas que agem de má fé. E é importante a gente falar sobre isso porque é nosso sustento, a gente tem que ter sabedoria para lidar com tudo. Acho que quando você não cuida da suas coisas é fácil perder… Hoje eu tenho ajuda da gravadora Som Livre, de uma equipe impecável que cuida da minha carreira junto comigo e que me ensina muito. Vamos estudar, pesquisar quem está querendo trabalhar com você, não aceitar tudo de cara. Temos que usar as ferramentas que temos para o nosso progresso!

Foto: Camila Cornelsen

Além dessa conversa para entender melhor os processos do primeiro álbum, Bivolt também foi a nossa convidada para o Raplogia Tape #12. Confira a playlist com os sons que ela está curtindo nesse momento de quarentena e de desenvolvimento de novos projetos!

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