Iza Sabino tem 22 anos, é de Belo Horizonte e lançou seu primeiro álbum, “Glória”, em novembro de 2020. Apesar de este ser o seu primeiro CD, ela está longe de ser uma iniciante. 

Fez parte do Original GE, e atualmente está no Fenda, ambos grupo de rap de BH, o segundo formado apenas por mulheres da cena. Ainda em 2020, lançou o EP “Best Duo” em uma parceria com o FBC – apesar de algumas “mídias” por aí insistirem em creditar o álbum apenas a ele. 

“Glória” foi lançado em novembro de 2020. Como mulher preta e parte da comunidade LGBT, Iza expõe a sua vivência no álbum. O título é explicado logo na primeira faixa, em que Iza repete diversas vezes: “Glória pros meus amores”.  Glória, aqui, é no sentido exaltação. Está exaltando os seus. 

O álbum é quase todo produzido pelo Coyote, com exceção apenas da faixa “Olhares”, que foi lançada antes do resto do álbum. O clipe, com roteiro e direção da própria Iza, apresenta um romance entre duas mulheres, com participação especial de Paige, que também é do “Fenda”.  Dá uma olhada: 

 

 

eight: 400;”>“Pretas na rua” tem participação de Tasha e Tracie e é uma das mais fortes do álbum. Abordando diferentes formas de violência que são cometidas contra a mulher preta, a música tem o refrão “não tratam pretas na rua igual na internet” como marca de que apesar de toda militância online e uma aparência de avanço, a realidade não mudou muito.

Em “Imaginei”, que tem participação da rapper Bivolti, Iza fala sobre as idas e vindas de uma relação. Na letra, quem narra parece ainda não compreender que o que vive é, de fato, um relacionamento abusivo. “Não acho tóxico, só fico bem incomodada/ Muda por nada/ Você me entende?” 

Em entrevista ao Raplogia, Iza comenta algumas referências, as participações do álbum e como foi produzir em tempos pandêmicos. Confere aí: 

 

1. Você já fez vários projetos: um EP, a Fenda, o Best Duo com o FBC que também foi lançado esse ano, mas esse é o seu primeiro álbum solo. Como foi a experiência de produzi-lo? 

A minha experiência de produzir esse álbum foi de uma forma bem íntima, pelo fato de eu ter feito ele no meio da pandemia, diferente do outro álbum e a música com a Fenda. Esse álbum foi feito de uma forma bem íntima e de um jeito muito sensível até pelo fato de que a maioria dos assuntos abordados eu ter olhado pra mim, pra situações que estavam acontecendo comigo. 

E eu vi que aconteciam com outras mulheres negras e lésbicas também – e elas se sentiram muito representadas. Por isso eu achei muito importante ter feito o álbum dessa forma, porque eu achei um  norte para que futuramente eu possa criar um perfil de abordagem desses assuntos. 

Eu acho que daqui pra frente vai ser muito interessante prosseguir com isso, e foi uma experiência muito importante pra mim até porque foi meu primeiro álbum e eu acabei tendo uma noção de como é, agora a tendência é só evoluir. 

 

2. De onde surgiu a ideia para produzir o Glória? Quando você começou a trabalhar nele? 

Essa ideia é de muito tempo. Eu já tinha a ideia de produzir um álbum, até porque eu já tinha seis anos de rap e achava que ia ser importante ter e tal, mas nunca senti que eu tinha uma estrutura daora pra fazer um álbum – até porque eu queria uma coisa bem feita. 

Foi bom demorar esse tempo, eu percebi um amadurecimento, então foi importante essa calma que eu tive, mas desde sempre eu tive essa ideia de ter um álbum e sentir que eu realmente estava iniciando uma carreira. Pra mim o Glória tá sendo o início da minha carreira, falando como solo. 

Eu comecei a trabalhar nele em março, e no mesmo mês ele ficou pronto. Eu demorei esses meses pra fazer a capa e, tipo, pensar com carinho no visual, porque eu decidi pegar algumas referências e criar um conceito visual em cima disso. Aí a gente ficou pesquisando, vendo dias legais pra soltar isso – e com medo também da pandemia, até porque a música neste momento não está tendo tanto alcance, e aí ficamos com receio, até sair tudo em novembro. 

 

3. Como é seu processo de escrita? Você segue um padrão ou as coisas são mais soltas? 

Meu processo de escrita é bem leve hoje em dia, eu tenho uma facilidade muito daora de escrever, e eu gosto muito do jeito – até porque eu sempre fui uma pessoa mais reflexiva. Eu acho bem leve, eu gosto de fazer músicas na hora, escrever músicas na hora. 

O processo para Glória foi bem massa porque foram assuntos que eu tava passando no momento então foi uma coisa bem quente, bem recente, fraga? Meio que virou meu diário de desabafo, minha válvula de escape porque na pandemia a gente fica bem limitado, fica preso, fica compressada, fica aquela coisa bem… bem abafada, te abafando, fraga? E foi daora escrever sobre isso porque foi um jeito de me aliviar de várias coisas. 

 

4. A maior parte dos beats do álbum foram feitos pelo Coyote. Como surgiu essa parceria entre vocês? 

Eu e Coyote a gente sempre foi amigo, nossa amizade sempre foi muito forte. Eu conheço ele há uns seis, sete anos, desde o começo mesmo quando eu quis fazer uma música, quando eu comecei a me interessar por isso eu conheci o Coyote. 

A gente criou esse laço muito forte, sabe? Ele acreditou em mim, me ensinou muita coisa também sobre flow, métrica, como eu devo cantar em cima de um beat. Foi por isso também que surgiu o meu interesse por fazer beats, porque ele fazia beats pra eu rimar, eu ia na casa dele e via ele fazendo beat e pensava “nu que doido velho, eu também quero fazer isso um dia”. Foi daí que despertou meu interesse, sacou? 

Fazer esse trabalho com ele é muito bonito, isso crava o nosso relacionamento e fortalece mais ainda porque nós estamos criando uma história juntos. O laço que a gente tem é muito bonito, muito forte. Eu pego muita referência dele, acho que ele é uma pessoa maravilhosa e fiquei muito feliz que ele aceitou fazer esse trabalho comigo. Eu acho que a gente tem uma amizade muito daora, e é sobre isso. 

 

5. Como você decidiu as participações do álbum? 

Eu chamei a Tasha e a Tracie em “Pretas na Rua” porque lá eu abordo um tema bem delicado, da solidão da mulher negra, e a coisa da invisibilidade dentro de uma artista mulher, negra também, saca? Eu abordei a letra de uma forma bem agressiva e nada melhor que chamar as duas. Elas jogam mesmo na cara, e falam, tem aquele jeito agressivo… então eu super achei que a música se identificava com elas. Elas são duas artistas maravilhosas e sabem muito bem o que falar pra colocar as pessoas no lugar delas, com as músicas que elas fazem. Achei que tudo linkou perfeitamente. 

Eu chamei a Bivolt para essa música, que fala de um relacionamento tóxico, primeiro porque ela já tinha topado antes fazer um feat comigo e eu achei que ela encaixaria nesse tema. Eu acho ela uma pessoa maravilhosa, temos uma ligação maravilhosa e a gente brinca muito, sempre. Eu achei que ela toparia fazer “a louca”, “a abusiva” da relação na música. E isso super encaixou, ela entendeu a ideia, sabe? E eu fiquei super feliz com o resultado. 

E era pra ter mais um feat! Era pra ter a Stefani em “Avisa”, ela ia participar, mas infelizmente não deu por uns problemas pessoais. Mas, em breve vão ter muitas novidades de trabalho com ela, já aviso! 

 

 

6. O álbum começa com um trecho da entrevista de Elza Soares no Roda Viva falando sobre o disco “Do cóccix até o pescoço”. Porque você escolheu usar esse trecho na abertura?

Eu resolvi esse trecho da frase da Elza, primeiro porque eu acho que essa entrevista inteira é sensacional. Todo mundo devia ver, até pra se sentir mais próximo dela, ali ela fala de tudo, da vida pessoal e o que rolou na carreira dela, em off, em on. Eu acho uma entrevista sensacional. 

Eu escolhi aquela frase até pra definir o meu álbum mesmo… ali na introdução onde eu falo que eu acho que a perfeição não existe, eu acho que tá bom, tá maravilhoso, mas a perfeição não existe. Eu acho que se identifica muito com o meu álbum. É como um filho, é “lindo”, mas não é perfeito. Depois eu vi essa entrevista da Elsa falando que tá bom, tá maravilhoso, mas não é perfeito, sabe? 

E eu comecei a pensar isso sobre o álbum. Ele tá bom, tá maravilhoso, mas perfeição não existe… eu preciso deixar essa ideia de lado. A gente tem que procurar progredir, não a perfeição. Perfeição não existe. Eu levo essa fase pra vida porque é muito simples, mas tem um significado forte. 

Eu resolvi colocar isso no início do álbum como um escudo mesmo. Pode ser que as pessoas não gostem, tá ligado? A perfeição não existe. 

 

7. Essa entrevista aparece de novo em “Pretas na rua”, com a Elsa dizendo que aprendeu muito com o sofrimento e a música termina com uma entrevista da Nina Simone falando de blackness. Qual foi sua ideia ao colocar esses dois trechos na música? 

Esse trecho da Elsa, em que ela fala “cada porrada que eu levo parece um beijo, não foi sofrimento, foi a escola da vida”. Isso é uma coisa que eu me identifiquei e levo pra vida. As coisas boas e ruins a gente leva como aprendizado. 

A minha mãe sempre fala: se alguém bater em uma face sua, ofereça a outra. O destino retorna as coisas de forma maravilhosa, quando você deixa ele agir, sabe? A vida, o tempo… Eu me identifiquei muito com essa frase, porque isso é a minha índole, sabe? 

A frase da Nina Simone no final, foi uma forma que eu achei de empoderar, de reforçar a ideia do que somos, para que viemos e o que vamos fazer. A Nina tem frases que me empoderam muito, eu acho muito interessante a forma como ela se expressa… a raiva, os sentimentos, tudo muito forte. Eu decidi inserir no final meio que pra dizer “vai ficar tudo bem”. 

 

8. Você é uma das artistas que bate na tecla (fundamental) da necessidade de mais espaço para mulheres na cena do hip hop, rap. A Fenda tem um trabalho legal nesse sentido. Como você avalia esse cenário hoje? O que você acha que tem que mudar? 

Eu sempre bato nessa tecla, primeiro porque é muito necessário e, segundo, porque eu vejo que tá mudando, sabe? Não é do dia pra noite, mas tá mudando. Eu tenho feito uma coisa de entender o meu lugar e ir sem olhar para os lados, sem querer saber quem apoia ou não, quem inviabiliza ou não. Do meu lado existem mulheres maravilhosas, que acreditam em mim, e são muitas. Isso pra mim é o suficiente, agora basta fazer. 

Eu acho que aos poucos as outras pessoas estão vendo isso e estão tendo esse tipo de respeito, sabe? Eu acho que o que tem que mudar é isso: dá licença do lugar que já é nosso, a gente só quer de volta. No mais, eu acho que é tempo. Tá acontecendo, mas é tempo. 

 

 9. Uma coisa marcante no álbum são as variações de voz que você faz, e manda muito bem nisso, brincando com graves e notas mais altas. Eu lembro que no lançamento do “Best Duo” o FBC até tuitou que você não queria fazer muito isso na época. Mudou alguma coisa de lá pra cá? 

“Best duo” foi um divisor de águas na minha vida, mudou muito. Na época eu era muito limitada com a minha voz, tinha muita vergonha, eu era muito tímida em usar variações, tentar cantar e quebrar a marra da minha voz rapando, que sempre foi muito grave. 

O “Best duo” foi um negócio que o Fabrício (FBC) me forçou a fazer mas que eu agradeço infinitamente porque ele me fez ver que eu tinha essa versatilidade. 

No “Glória” isso foi muito necessário, eu consegui encaixar minha voz, fazer e demonstrar o meu sentimento nessas vozes, sabe? É por isso que eu faço essas variações, eu procuro levar o sentimento pra voz, seja triste ou muito feliz. Por isso eu oscilo dessa forma. É algo que foi legal de descobrir e valeu pra “Glória” e vai ser válido para toda minha carreira, em qualquer gênero musical. 

Foi muito legal descobrir isso em mim, esse super poder. 

 

 

10. Como foi a produção durante a pandemia? Você viu alguma diferença muito clara entre as produções anteriores e essa nesse aspecto? 

Sim, eu vi uma diferença muito grande no processo. No meu EP, “Augusta”, várias pessoas me acompanharam, foi construído em equipe. Em “Glória” eu fiz um processo mais sozinha, não literalmente, porque eu tenho minha equipe e produção, mas na hora de escrever, muita coisa é feita à distância. 

Quando chegou a hora de ir pro estúdio também foi bem recuado, foi sozinha e não ao mesmo tempo, sabe? Foi bem estranho. Mas achei legal ter conseguido fazer o álbum mesmo com toda essa dificuldade, toda essa limitação, e ficou algo bem profissional… totalmente diferente, é outra vida, outra realidade que a gente tá vivendo agora. 

 

11. Você havia comentado antes que tinha receio de lançar o seu primeiro álbum por não se sentir preparada, e agora, ele está nas ruas. Como você se sente após o lançamento e quais os seus planos futuros? Colocar o “Glória” no mundo a fez pensar em mais projetos que sempre quis colocar em prática?

 Sim, eu me sinto mais preparada e confiante agora. Pela invisibilidade mesmo, eu não vi as pessoas repercutindo os meus trabalhos anteriores e surgia uma insegurança de “pô, será que eu sou ruim? Por que as pessoas não estão compartilhando meu trabalho? O que falta? Será que eu preciso melhorar em alguma coisa? Preciso ser alguma coisa?” 

Eu tinha esse tipo de insegurança e por mais que eu achava a música daora, por falta desse reconhecimento ela surgia. 

Depois do álbum eu fiquei mais confiante, até pela repercussão de pessoas que são reconhecidas na cena, sabe? Emicida, Sidoka, Rashid, Borges, Santi, vários artistas, a Stefanie me ajudou bastante, a Clara Lima, a Tasha e a Tracie, Bivolt, várias pessoas repercutiram de uma forma positiva. E eu fiquei muito surpresa e feliz em saber que faltava só o tempo, sabe? Pra me mostrar que eu devia continuar, que eu sou boa no que eu faço. 

Eu acho que daqui pra frente é isso, eu tenho muitos projetos, eu quero ser tudo ao mesmo tempo, beatmaker, produtora, agora sou influencer do FreeFire… são muitos projetos futuros que eu quero ir linkando e tentar formar uma coisa só. Vamos ver se vai dar pra fazer isso acontecer, haha. 

 

12. Você está no hip hop desde 2014 e sabe bem as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que estão construindo uma carreira artística no meio. Para finalizar, analisando a sua trajetória no movimento, qual foi o maior aprendizado que teve e quer compartilhar? 

Antigamente, na época que a Kmilla CDD começou, na época que a Negra Li começou, ou até quando a Dina Di começou… elas facilitaram bastante o processo pra quem chega agora. Elas abriram os caminhos de verdade, de uma forma que a gente ainda tem muito o que fazer, mas eu acho que eu tenho aprendido todo dia sobre isso. Todo dia eu vejo um tipo de machismo diferente. Não exatamente em falas, mas em ações. Todo dia eu pego um aprendizado. 

A gente sabe quem tá com a gente – e são mulheres maravilhosas. Alguns homens colam com a gente também e são maravilhosos. Isso pra mim é suficiente. 

Tem uma frase que eu vi de um provérbio africano que diz: “se você quer ir rápido, vá sozinho, se você quer ir longe, vá em grupo”, fraga? Acho que já é suficiente pra mim com o grupo que eu tenho, eu consigo ir longe com as pessoas que eu tenho comigo. 

 

 

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