Dina Di, nome artístico escolhido por Viviane Lopes Matias, foi uma das pioneiras do rap nacional ao lado de outras MC’s como Sharylaine, Rúbia e Cris SNJ. Nascida em Campinas, ela integrou o grupo Visão de Rua e colecionou sucessos como “Marcas da adolescência”, “Meu filho, Minhas Regras”, “Mente Engatilhada” e “A Noiva do Thock”. Adentrando a cultura hip hop com apenas 16 anos, a artista mantinha uma postura séria. Cara fechada, roupas largas e boné, estilo adotado por algumas mulheres na cena do rap nos anos 90 para diminuir os riscos da hiperssexualização de seus corpos.

A masculinização foi a maneira que Dina encontrou de ocupar um espaço que pertencia a ela e a outras mulheres, mas que era predominantemente tomado por homens. Preta Rara, MC e historiadora nascida em Santos, é um exemplo disso. Ao Raplogia ela contou que além de ser uma mulher que sonhava com os palcos, isso foi o que a fez se identificar de imediato com Dina Di. “Quando comecei a cantar eu também precisei me masculinizar para ser aceita. Dina é uma referência, em uma época onde não se falava sobre empoderamento e feminismo, ela pautava isso com o seu trabalho”. 

Dina Di deu voz a debates antes ocultados na cena nacional, como ser mulher, periférica, mãe e MC em um país que desde seus primórdios sucateia a cultura e deslegitima todo tipo de arte produzida pelas periferias. As narrativas de Dina também denunciavam questões sociais e revelavam fases distintas de sua vida fora dos holofotes. 

Um dos poucos conteúdos produzidos pela grande imprensa sobre Dina Di na fase de sua ascensão foi uma entrevista dada à Revista Época, em 2002. Essa foi uma das poucas vezes que a vi expondo suas vulnerabilidades sem ser por intermédio das rimas. “Tô vivendo de sonho, de subir no palco. Pegar trem, ônibus, perua e cantar para verem que eu não morri. Sobrevivi a tudo e estou ali. E depois descer e não ter nem dinheiro para comer um cachorro-quente”, disse à jornalista Eliane Brum. 

Além de citar as vezes que foi parar na Febem, de quando começou a trabalhar para sobreviver aos sete anos de idade e da vez que fugiu de casa aos treze, Dina Di deixou explícito como estava orgulhosa em estar vivendo seus sonhos e qual era o seu propósito no hip hop. 

“Do nosso mundo só nóis conhece. Cada mulher sabe o medo que ela tem. O homem pode ver, mas não pode sentir. Por isso, eu tenho o maior respeito pelos Racionais, mas, vai me desculpar, chamar uma mulher de vadia é muito difícil de aceitar. O Mano Brown fala da mãe nas letras, mas nunca da mulher dele. Qual é a resposta? Resistir. Eu sou Dina Di e meu bagulho tá no sangue”.

Visão de Rua, carreira interrompida e legado

No grupo Visão de Rua, ao lado de Lauren, Tum e DJ O.G, Dina Di lançou sua primeira música em 1994, intitulada “Confidências de uma presidiária”, é um relato da rotina no sistema carcerário feminino. Depois de ser detida e conhecer a realidade nas prisões, Dina Di usou a música como ferramenta de transformação social, a fim de compartilhar com outras mulheres formas mais otimista de viver. 

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Na entrevista que deu à Brum, ela cita que levava seus CDs para as cadeias porque queria que suas “irmãs de cela” soubessem que podiam contar com ela.  “Uma prima minha perdeu o filho dentro da prisão. Foi abortando a criança durante a noite, sem socorro. Quando a mulherada ouve as minhas músicas, sabe que não está sozinha”, destacou. 

Em 1998, o grupo lançou seu primeiro álbum, o Herança do Vício (1998) e três anos mais tarde criou o segundo disco Ruas de Sangue (2001), que o fez ganhar o Prêmio Hutúz na categoria “melhor grupo feminino”. Em 2003 o Visão de Rua, que já havia se consolidado e conquistado um espaço importante na cena do rap nacional, lançou o emblemático clipe A Noiva do Thock, que concorreu em três categorias no Hutúz. Em 2007, o grupo se dedicou ao seu último álbum O Poder nas Mãos (2007).

Três anos depois, no dia 20 de março, Dina Di faleceu. Aos 34 anos a artista contraiu uma infecção hospitalar após o parto de sua segunda filha, tendo a vida e carreira interrompidas. Após a repercussão da morte de Dina, a rapper Negra Li, uma de suas companheiras de profissão e amiga pessoal, disse ao G1 que naquele dia o rap havia se calado. 

Entretanto, o maior ensinamento deixado por Dina Di, o de ter coragem para protagonizar a sua própria trajetória, inspirou muitas mulheres que, seguindo o exemplo, adentraram o ramo musical e em especial, o rap. Yzalú, cantora  e intérprete nascida em São José dos Campos e Sara Donato, integrante do grupo Rap Plus Size, são algumas delas. “Ter conhecido ela foi inspirador, tive grandes ensinamentos. Porque a partir disso eu decidi entrar para música e ter a humildade dessa mulher, ser exemplo, ainda mais para as mulheres periféricas, que estão no corre e têm poucas oportunidades para sonhar”, disse Yzalú. “Em um dos três shows que tive o prazer de vê-la, ela disse: ‘quem melhor do que nós mulheres para cantar sobre nossas histórias?’. A partir daí eu tive certeza que queria fazer rap”, relembrou Sara. 

Pensando nessa impacto causado por Dina Di no hip hop, o Raplogia conversou com MCs, produtoras, comunicadoras, b-girls e pesquisadoras que atuam no movimento para saber mais sobre a influência da “rainha do rap”  no cenário musical e na vida de cada uma delas. Confira abaixo!

NEGRA JAQUE, MC

A Dina Di é a primeira referência de mulher que ousou e teve a coragem de estar nesse espaço. Ela é uma das ativistas do movimento hip hop que teve mais visibilidade. Eu sou uma mulher preta, a Dina Di era uma mulher branca. Isso impacta muito nela como minha referência, pois eu a tenho, mas consciente de que não partilhamos dos mesmos questionamentos. Por outro lado, ela era mulher, mãe e cresceu dentro do grupo Visão de Rua. Eu fui integrante de um grupo misto também. 

Dina perdeu a vida por conta de uma complicação hospitalar. Isso mostra o quanto ela sofreu no próprio corpo as mazelas da sociedade que não tem o olhar, a sensibilidade, respeito pelo corpo das mulheres. 

Eu partilho da luta da Dina Di quando ela enfrenta toda a sociedade para fazer a arte dela. Eu partilho da luta da Dina Di quando muitas vezes ela teve que se masculinizar para ser aceita. Esse corpo feminino que nunca pode aparecer. Eu celebro a vivência, a arte e o legado que ela deixou para todas nós. 

ANA ROSA, EDUCADORA E EDITORA DO NOTICIÁRIO PERIFÉRICO 

Acho que a Dina Di representou muitas coisas pra todo mundo, mas pra mim em especial, além de toda trajetória e a força de sua imagem, teve a questão dela ser uma mina do interior de São Paulo, com um corre independente, que já trazia questões de gênero e violência muito bem colocados. Fico triste que muitas pessoas colocam o nome dela em qualquer coisa de forma superficial e não procuram saber quem foi de fato a mulher Viviane Lopes Matias. Meu primeiro contato com ela foi o som “Mente Engatilhada”. Me lembro que a voz dela me chamou atenção. Ouvir uma mina cantando, brava pra caramba, do jeito que eu sempre fui, foi algo foda.

Acredito que até hoje muitas mulheres se sentem com as portas do hip hop abertas por Dina Di, e isso é importante. A maior contribuição e influência pode ser resumida pelo verso do som que eu citei, “se as minas resolver juntar, a partir pra cima, muito mano vai se desesperar”. Para além das questões que envolvem o hip hop, a trajetória de Viviane me influenciou como mulher, a olhar pra mim, minha saúde, minhas relações sociais e afetuosas. É isso, essa grande mulher faz falta. 

MIWA, B-GIRL

Comecei minha trajetória no hip hop através do rap entre 1998 e 2007 e uma das minhas maiores influências, para não dizer a maior, foi sem dúvida a Dina Di. Via nela força e representatividade nas letras, postura, estilo, em tudo! Mesmo seguindo minha carreira no breaking, sempre acompanhei sua carreira até o fim trágico e precoce. Deus nos presenteou com a vida dessa grande mulher que nos deixou muita luta, resistência e força. Isso trouxe muito vigor e empoderamento a milhares de mulheres em todo o país, incluindo a mim.

MEIRE D’ORIGEM,  MC INTEGRANTE DO GRUPO D’ORIGEM

Iniciei minha trajetória no rap com 15 anos, em meados de 2001. Desde então, sigo nessa caminhada. Bom, quando menina sempre ouvia falar da rainha Dina Di, que fazia um som pesado, relatava a vivência das mulheres no rap, especialmente as mães e as que tinham companheiros que estavam privados de liberdade. Sempre rolava uns shows  dela na minha cidade, São José dos Campos, mas não consegui ir em nenhuma dessas apresentações. 

Até que, em 2010, aconteceu o primeiro encontro da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, em Carapicuíba. A Dina Di seria uma das MCs a estar lá, junto com o grupo dela, o Visão de Rua. Me lembro que ela ficaria no mesmo alojamento que eu e minhas amigas do D’Origem, mas isso não aconteceu. A Lauren, parceira de grupo da Dina, nos trouxe a notícia de que ela havia tido complicações no parto e estava hospitalizada. 

Foi uma notícia muito dura de se receber. Nós pedimos muito para que ela ficasse bem. Todo mundo acreditava que ela sairia dessa, porque a vida da Dina nunca foi fácil e ela sempre conseguiu dar a volta por cima. Infelizmente isso não aconteceu. Fiquei muito triste quando soube da morte dela. Semanas antes nós estaríamos juntas, convivendo por três dias. Gosto de pensar que ela continua fazendo um rap pesado ao lado de Deus. Seu legado é infinito, atravessa gerações. Suas palavras nos fortaleceram. Dina Di pra mim será eternamente nossa rainha, uma lenda.

MIRIA ALVES, DJ

Dina Di representa para mim uma mulher que mesmo no meio de vários homens, sabia como se destacar, rimar e trazer luz ao rap nacional. Ela é aquela voz feminina que todas nós que fazemos parte no hip hop hoje.  Tivemos o prazer de ouvi-la quando éramos mais novas e sabíamos que ela já vinha abrindo os caminhos para nós. Ela fez isso com muita elegância e coragem!

MARI PAULINO, JORNALISTA E ASSESSORA DE IMPRENSA (BOIA FRIA PRODUÇÕES)

Desde criança eu sempre tive contato com o rap e as minas que eu consumia eram Negra Li, Cris SNJ e Dona Kelly, do Ao Cubo. Curiosamente eram mulheres que estavam ligadas a grupos masculinos e que tinham uma grande relevância na cena. Em 2004 mudei para Fortaleza e passei a ter menos contato com as “tendências”, afinal tudo se concentrava na capital paulista. O meu tio, quem me apresentou Xis, Marcelo D2, 509-E e tudo além de Racionais, me falou sobre a Dina Di e fiquei impactada pelas letras e por ser uma mina que se desprendia do seu grupo.

Não cheguei a consumir muito, mas lembro que a notícia da morte de Dina Di foi muito impactante por ter sido uma infecção hospitalar após o parto.  Depois de muitos anos isso me fez refletir sobre a forma como as mulheres mais pobres são tratadas em hospitais e sobre toda essa negligência. Acredito que o legado dela ainda vive e tem dado muitos frutos. 

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KINGDOM, DJ E PRODUTORA

Lembro que era o ano de 2007, e eu era uma jovem que estava redescobrindo o meu gosto musical… Foi um pulo pra eu me abrigar no hip hop por identificação ao gênero que tanto representa a história da onde eu vim e o caminhar da minha cultura. 

Assim que eu descobri a Dina Di em revistas de hip hop, logo quis conhecer as músicas e sua história… Fiquei impactadissíma! Dina tinha um peso na sua lírica e atrevimento em ousar se jogar em um ambiente que em sua totalidade era masculina. Mulher, mãe, esposa e ela tava ali na cena representando com qualidade. Ela abriu caminhos lá atrás para que hoje fosse possível a gente se reinventar e ocupar a cena com maestria. O legado que ela deixou é a coragem… Desbravar sem medo de rimar nossos medos, dores e amores. A missão é ter a mente engatilhada!

INDY NAÍSE, CANTORA 

A Dina Di foi um dos primeiros nomes de mulheres no rap que ouvi quando era mais nova, ao lado de Nega Gizza, Cris SNJ, Negra Li… E anos atrás, antes de me tornar uma profissional da música, trabalhei os sons da Dina Di e do Visão de Rua em um espaço cultural localizado nas periferias das zonas sul e norte de São Paulo. 

Uma das coisas que mais me aproximava dos meus aprendizes enquanto educadora, era trazer o rap e o funk quando queríamos falar de poesia e da força da palavra e continuar dialogando com a realidade deles. Porque a poesia que nos é ensinada na escola tem essa coisa elitista, né? E Dina Di foi uma dessas personalidades que trazíamos para dentro das oficinas como referência. Principalmente para reforçar a participação, voz e criação artística da mulher dentro de espaços e culturas que são conhecidas por terem como maioria atuante figuras masculinas e que, por conta disso, acabam sendo invisibilizadas.

Vejo Dina Di como uma das grandes precursoras do movimento hip hop, e por mais breve que tenha sido sua passagem por essa terra, e consequentemente também a sua carreira, acredito que ela tem uma força atemporal. 

LUANA HANSEN, PRODUTORA E MC

Nossa, tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente. Foi no Hutúz 2004, quando cantei com meu grupo na época, o trio A-TAL. Nós abríamos o show do Racionais MC’s no Rio de Janeiro. Ela veio depois que cantamos, na parte traseira do palco, onde ficavam os MCs e disse “pô mina, cê é baixinha, mas tem um vozeirão”. Nunca mais esqueci disso. Depois desse dia, nos encontramos inúmeras vezes, conversávamos muito. Ela é e sempre foi uma grande referência na minha vida. Uma grande mulher, talentosíssima, sempre quando via ela cantar ou a ouvia tocar no Espaço Rap era como um bomba de super poderes. Ela me fez acreditar em mim.

Grupo ATAL e Dina Di em 2004/Arquivo pessoal Luana Hansen

 

KALYNE RANNIERI, JORNALISTA E FUNDADORA DO NOISY CULTURE

Eu cresci ouvindo rap. Dentro de casa era muito comum acordar com meu pai e meus tios ouvindo Racionais MC’s e Facção Central no som alto, mas eu não gostava muito. Só na adolescência, quando despertei interesse em escrever rap e poesia, que enxerguei a importância desse estilo musical para a população da periferia e o quanto isso faz parte da nossa realidade e identidade.

Eu não segui carreira de artista, mas o rap faz parte da minha realidade e uma das coisas que me incomoda dentro do movimento é a falta de protagonismo feminino. Ao mesmo tempo, ver nomes como Drik Barbosa, Alt Niss e Brrioni me dão esperança. Mas, para estas mulheres estarem na cena hoje, foi preciso que a Dina Di abrisse portas lá atrás na década de 90, quando o machismo era ainda mais escancarado e a cena era dominada por homens. 

As músicas de Dina Di tem o poder de mostrar para as mulheres periféricas que nós temos voz, além de falar sobre nossos desafios diários e nos levar a reflexão e ao enfrentamento desses problemas. Dina Di significa, para mim, esperança e poder. Sempre que me vejo diante de algo que penso que não vou conseguir enfrentar, me lembro do exemplo dela e do posicionamento que teve pra ser tão representativa.

DJ YUME, CÉREBRO SURDO PRODUÇÕES

Em todo lugar que a gente chega, é essencial olhar para trás e reconhecer o corre de quem nos abriu portas. O que Dina Di – junto com pioneiras como Sharylaine e Rubia – fizeram lá no final dos anos 80 e começo dos 90, permitiu que hoje as coisas fossem menos complicadas para nós. Foi, pra mim, inspiração desde a primeira vez que ouvi, lá pra 2009, o “Mente Engatilhada”. A importância deste ponto de vista como mulher, que na época pouco existia, contribuiu para que o movimento hip hop no Brasil se tornasse mais completo.

Fui entender sua importância e legado alguns anos após sua morte, pela quantidade de rapper mulher que a citava e como algumas de suas falas foram proféticas. Sua obra esteve presente no meu primeiro set como DJ, e algumas coisas como nosso sobrenome em comum, a ausência da figura do pai, e a questão de chegar no movimento com todo o respeito, fazem eu me sentir próxima a Dina, que apesar de ter ido antes do tempo, mantém a chama acesa em cada mulher do hip hop.

YZALÚ, CANTORA

Eu conheci a Dina Di em 2009, em um show do Dexter e convidados que aconteceu na quadra da Peruche. Eu ainda nem me denominava como Yzalú, apesar de já rabiscar os cadernos com esse nome. Já fazia rap, comecei em 2004. Mas naquela época eu nem imaginaria que eu estaria cantando em um evento grande de rap. E eu estou contando tudo isso porque ter conhecido e trocado ideia com a Dina Di foi determinante para eu entrar de fato na música. 

A Dina Di era uma mulher extremamente gentil e humilde. Era olho no olho. E naquele dia após ter se apresentado, ela foi para a parte de trás da quadra, que era onde montavam um camarim. Quando eu a avistei, fui até ela agradecer e ali se iniciou uma conversa. Eu contei a ela que eu tocava violão, que eu cantava em bares, e para minha surpresa ela me respondeu que também tocava violão e que vira e mexe cantava em bares. E aí ela me veio com a seguinte frase: “vamos fazer um som juntas?”. Eu fiquei em choque, ainda não era a Yzalú e ela não me conhecia e mesmo assim me convidou para fazer uma música, mas infelizmente ela faleceu no ano seguinte. 

Fiquei muito triste com a notícia, primeiramente por ser fã da Dina Di e da pessoa que ela era. E também por ter tido a oportunidade de me conectar e fazer um som com ela. Mas apesar desse trágico acontecimento, ter a conhecido foi muito inspirador, tive grandes ensinamentos. Porque a partir disso eu decidi entrar para música, me inspirar e ter a humildade dessa mulher. Trocar ideia olho no olho, ser exemplo para outras mulheres, independente de quem sejam. Ainda mais as mulheres periféricas, que estão no corre e têm poucas oportunidades para sonhar. 

BRRIONI, MC

Eu comecei a ouvir Dina Di assim que entrei em contato com o rap, porque assim que me interessei quis saber de mulheres que faziam rap também. Não encontrei muitas das antigas e foi aí que eu percebi o quanto ela fazia pelo rap, o quanto a figura dela era presente. Uma mina da quebrada, com filhos, com várias histórias que só mostravam o quão monstra ela era. 

E é claro que ela me influenciou demais porque fez tudo numa época em que os manos não davam voz e não ligavam para as mulheres da cena. E isso me fez questionar os motivos para eu não fazer isso agora, sabe? Acho a história dela muito foda, com toda certeza ela ainda me influencia e inspira muito os meus sons. 

STEFANIE, MC

Falar sobre Dina Di é muito cabuloso, pois ela era mulher, branca, que cantava rap nos anos 90, citava várias fitas de mil grau e era respeitada por todos, principalmente pelos pretos. Ela era papo reto! Suas letras são incríveis, sua fala impunha muito respeito. Eu olhava pra ela e via o rap, ela era real, eu sentia verdade e força na sua fala! Ela foi muito mais que uma voz feminina no rap. Com certeza é uma das vozes mais respeitadas do rap nacional, eu diria tanto quanto Sabotage. 

Escutei ela pela primeira vez nos anos 90, eu nem sonhava em cantar rap. Em 2009, DJ Bola 8 me convidou pra participar de uma faixa de sua mixtape O Jogo (2009), onde Dina Di também participaria, uma oportunidade única! Mas infelizmente ela faleceu antes do trabalho se concretizar. É muito triste lembrar disso, saber que eu tive a oportunidade de trabalhar com Dina Di, mas infelizmente a vida tomou um outro percurso. O rap brasileiro perdeu uma grande artista e lamento até hoje por isso.

SARA DONATO, MC  INTEGRANTE DO RAP PLUS SIZE

A primeira vez que ouvi a voz dela foi o suficiente para nunca mais esquecer. E foi o bastante para eu me identificar e querer sair da platéia e ir pro palco. Tanto que no cypher “Rima Delas” meu verso diz “Visão de Rua cantava tudo que eu precisava escutar e da plateia eu sentia que o palco também era meu lugar”.

Em um dos três shows que tive o prazer de vê-la, ela disse: “quem melhor que nós mulheres para cantar nossas próprias histórias?”. A partir daí eu tive certeza que queria fazer rap. Com ela aprendi muito sobre respeito, lealdade e em uma de nossas conversas aprendi a me entender melhor como mulher e MC. 

Dina Di e Sara Donato em 2008/Arquivo pessoal Sara Donato

 

PRETA RARA, MC E HISTORIADORA

Falar sobre a Dina Di é falar sobre resistência. Ela foi uma das primeiras mulheres que eu conheci no rap e me inspirei muito nela. Quando comecei a cantar eu também precisei me masculinizar para ser aceita. 

Tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente em um show que ela fez no Sesc de Piracicaba, um evento organizado pela Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop. Ela se apresentou grávida e me lembro que nesse dia ela pediu para as mulheres da plateia subirem no palco para ajudar ela a cantar. “Poxa mulherada, me ajudem aqui que eu estou perdendo o ar com esse barrigão gigante”. Então eu tenho o prazer de falar que eu cantei com a Dina Di. 

Ela é uma referência, o nome dela está eternizado na cultura hip hop e também na cultura brasileira. Dina foi uma mulher de periferia que deu assistência para várias minas. Em uma época onde não se falava sobre empoderamento e feminismo, ela pautava isso com o seu trabalho. Espero que a gente nunca deixe o nome dela ser apagado. 

NUMA, DJ

Ela morreu na época em que eu comecei a ter um contato mais próximo com o hip hop. Comecei a aprender mais sobre o movimento lá para 2009, eu já ouvia rap, mas foi a partir daí que comecei a pesquisar. E me lembro de conhecer primeiro a Dina Di e só depois o grupo dela, o Visão de Rua. A Dina Di e a Cris SNJ foram as minhas primeiras referências dentro do rap e eu acho de extrema importância todas as mensagens que elas passavam.

A Dina era muito respeitada, fazia muitas coisas boas por onde passava. Acho que ela me ensinou muito sobre ser a mulher que sou. A Dina Di deixava evidente a mulher que era só por ser ela, mostrava que podiamos ocupar a cena e mandar uma mensagem foda. Ela mostrava a personalidade dela de diversas formas. Visão de Rua ainda faz parte do meu repertório, costumo tocar bastante. E eu queria muito que as pessoas continuassem ouvindo e falando sobre a Dina Di, porque ela conquistou um espaço que poucas mulheres tem. Ela é um exemplo e a partir dela conseguimos conhecer a história do hip hop. Espero que muitas “Dina Dis” surjam ainda.  

LARINU, CANTORA

Estou na música há pouco tempo e fui muito balançada pelas mulheres da cena. Para mim não dá para falar sobre rap nacional sem falar da Dina Di. Ela fez muito em uma trajetória relativamente curta, sabemos que ela teve a vida interrompida, mas mesmo assim ela tem o seu legado e ele deve ser respeitado. Tanto na cena independente quanto na mainstream do rap. 

Me lembro muito dos clipes dela, “A Noiva do Thock” passando na MTV, nesses programas de música. E assim que eu tive acesso à internet consumi muito a discografia dela. Eu a conheci por causa do feat com Ndee Naldinho em “Essa é a lei”. 

Celebrar a vida dessa mulher, a presença dela na cena do rap nacional é imprescindível, é necessário. Que ela seja mais lembrada, acho que ela precisa de mais samples, ser mais referência, mais parafraseada. Ela precisa ser mais conhecida como compositora, rapper, porque ela expressa muito o contexto da periferia, dos primórdios do rap. Ela representa o que o rap era antes de ser somente um culto a estética, quando era uma narrativa de rua. Salve a todas as continuidades da Dina Di no nosso país nesse momento tão pesado. Vamos continuar e traçar esse legado da maneira que a gente puder. 

ANGELA SOUZA, PESQUISADORA E AUTORA DO LIVRO “A CAMINHADA É LONGA E O CHÃO TÁ LISO – O MOVIMENTO HIP HOP EM FLORIANÓPOLIS E LISBOA”

Dina Di, assim como outras mulheres no rap, são responsáveis pela abertura de um espaço  no movimento hip hop, conquistado a duras penas. Ela passou a ser referência para muitas outras rappers que seguiram este caminho. Mas quero ressaltar aqui, o papel que as mulheres hoje desempenham no movimento.  Elas são as responsáveis por manter uma importante politização dentro deste movimento artístico-cultural. Elas abrem caminhos para demandas que partem das mulheres com pautas que criam especificidades na sua produção musical. E isso muda completamente a produção do rap. Se até a década de 1990 o rap era visto como predominantemente masculino, a partir da produção destas mulheres, que começa na década de 1980, abre-se um espaço que muda a perspectiva sobre o rap. 

A presença destas mulheres, com suas produções musicais, amplia a visibilidade de temas, pautas, demandas e consequentemente, destas mulheres, que sempre estiveram no rap mas que eram muito pouco conhecidas e reconhecidas. Ainda estamos bem longe da equidade de gênero no movimento hip hop, mas a presença destas mulheres, muitas delas negras, rompem barreiras e abrem importantes espaços que tensionam o próprio movimento hip hop, provocando novas perspectivas que redefinem esta produção artístico-cultural, que também é produção intelectual. E falo de uma intelectualidade que vem das bases e que dialoga com as bases. É neste espaço das bases, que vem das comunidades, quebradas, favelas, que a legitimidade de uma (um) rapper é construída.

DORY DE OLIVEIRA, MC

“Destruidora tipo Dina Di”, eu cito essa frase no som “Rimadora”, em que faço uma homenagem as MCs do rap nacional. Bom, eu acompanho o trabalho dela desde o Visão de Rua, gostava muito das músicas “Ruas de Sangue”, “Marcas da adolescência”, “Irmã de Cela”, “Essa é a Lei”, com Ndee Naldinho, entre outras. Se não me falha a memória eu a conheci em 2004, em uma viagem para Brasília. A gente foi cantar no Estádio do Gama e na época eu fazia participações com o grupo DMN. Me lembro que Dina e Lauren estavam no mesmo ônibus que a gente. Foi tudo incrível, tive a oportunidade de ver um show dela também. 

Dory de Oliveira e Dina Di/Arquivo pessoal Dory Oliveira

E a Dina sempre foi referência de postura, de visão, de empoderamento feminino. Isso não foi criado agora, ela já falava sobre. Lembro que a gente trocou uma ideia rápida, tirei uma foto com ela, que me incentivou e se alegrou por ver outra mulher fazendo rap também.  Me recordo dela falando “que legal que tem mais uma mina aqui também, é isso aí. Força e sucesso na caminhada”. Depois ainda elogiou a minha apresentação e conversou sobre a cena ser dominada por homens e sobre a importância de estarmos ali, de se impor. A Dina sempre soube que ser mulher no rap era um desafio.

Ultimamente tenho visto muitos tributos a ela, e acho digno e importante. Mas queria que as mulheres da cena fossem mais valorizadas em vida. Não espere perder uma artista para dar o título de rainha. Mostre respeito e admiração em vida. A Dina Di passou por várias coisas, e assim como ela, outras minas da cena e eu sabemos como é difícil fazer rap e se manter em um movimento que tem vestígios de machismo, homofobia e muito  preconceito. Se você for artista independente então, parece que tudo piora. Queremos nosso nome no topo, nosso cachê igual, nossa agenda lotada e o nosso merecido espaço. “Tem que ser mulher pra se manter de pé, para encarar a multidão é uma missão, é para quem é”. Viva, Dina Di!

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