Fala galera, estamos de volta com Linhas Soltas, essa semana trazendo algumas faixas que me fizeram refletir muito sobre alguns assuntos importantes para qualquer um, como religião e racismo. Tem também um pouco de diversão ou algumas rimas sinceras, que te fazem lembrar o quanto o rap e o hip hop  mexem conosco. Espero que curtam.


Coruja BC1 em “Lágrimas de Odé”

Se é nós contra nós, nós que morre primeiro

Coruja BC1 talvez seja um dos caras mais criticados da cena. Eu, particularmente, tenho uma opinião dividida com relação a ele, acredito que ele tenha um potencial e uma habilidade muito perspicaz para fazer suas rimas, mas ao mesmo tempo em muitas de suas faixas eu sinto que a expectativa que eu tenho nem sempre é alcançada. Neste novo álbum fui pego de surpresa, não porque minhas expectativas eram baixas, mas porque Coruja demonstra ter amadurecido bastante desde NDDN, um disco que soa inacabado, corrido.

Coruja BC1 entra em uma nova fase com Psicodelic

Essa linha em particular, logo da faixa de abertura, descreve muito bem o que ele passa na sua carreira e o que a cena nacional enfrenta atualmente. É muito comum ver MCs negros e negras sendo colocados uns contra os outros, muitas vezes por motivos mesquinhos. Uma discussão que vira e mexe aparece, para citar um exemplo, é o colorismo. Coruja sofre com esse questionamento ou outros MCs da cena também.

Isso me lembrou um tweet que eu vi a pouco tempo, uma pena não ter encontrado o link para disponibilizar aqui, mas que dizia mais ou menos que os MCs negros americanos tinha uma abordagem de empoderamento muito diferente da nossa, enquanto os americanos investem em diferentes áreas, se tornam donos dos próprios negócios, aqui no Brasil os MCs negros acabam que se atacando ao invés de se unir. Felizmente, embora ainda haja esse problema, muitos MCs de destaque, como o próprio Coruja, Diomedes, Bk’ e Baco, por exemplo, tem tido uma abordagem muito bacana nas parcerias e nas temáticas que tem trazido para as música.

E é claro, essa questão tem um paralelo muito grande com outras situações que envolvem o negro no Brasil, como a “guerra” contra as drogas ou a próprio acesso ou permanência do negro nas universidades públicas brasileiras. Em todos esses espaços, além do racismo, há uma guerra interna, angústias na própria cultura negra.

Psicodelic em diversos momentos é muito preciso como essa simples frase, como a própria perspectiva do Coruja sobre amor, que antes de ser algo romântico ou carnal, é mais básico, o próprio amor a sua mãe e a sua cultura. Pra quem não conferiu ainda o disco, vale apreciar com carinho e atenção essa desconstrução e reconstrução do Gustavo.


ManoWill em “Full Sombrio”

Mas eu não sirvo de exemplo
Na verdade nem tento

ManoWill e a galera da SoundFood tem se constituído com um dos braços mais interessantes do rap nacional. Embora “Full Sombrio” não tenha sido lançado nas última semanas, o clipe traz a música novamente à tona nas conversas.

Capa do disco Saudosa Maloka Sombria, destaque para escolha estética do ManoWill

Se colocando como fora do padrão desde o início de “Full Sombrio”, são essas últimas linhas que me chamam atenção. Longe de fazer um rap consciente ou pregador, Will e a galera da SoundFood transborda diversão nas rimas, trata de assuntos que a alguns anos atrás não imaginaríamos como tópicos de algumas das nossa músicas favoritas, como a própria paixão dos MCs por Animes. Eu lembro quando falamos de Atletas do Ano e o fato de não haver muitas metáforas e analogias com jogadores de futebol, embora a cultura brasileira esteja entregue a este esporte. Alguns anos depois a situação é bem diferente – Em um dos Linhas Soltas falei do sample do Adriano Imperador em uma faixa do Froid e Santzu.

Mas voltando ao ManoWill, é muito interessante que na entrega do MC e em muitas escolhas da sua própria estética podemos encontrar uma seriedade nostálgica, estilo rap underground dos anos 90, mas ao mesmo tempo ele traz novas camadas quando demonstra ser mais um jovem com suas angústias. Será mesmo que ele não pode ser um exemplo?

Pra quem não viu Nuvem Negra ou Saudosa Maloka Sombria do ManoWill, ou qualquer outro disco da SoundFood, estão perdendo um dos movimentos mais marcante do rap nos últimos anos.


Djonga em “Eu Vou”

Pode, Deus? Meus filhos, paciência
Não ligam para mim, se renderam para ciência

Imagem do videoclipe “Eu Vou” do Hot & Oreia

É importante começar ressaltando que Hot & Oreia são a dupla mais afiada do rap nacional, além de excelentes rimas, as escolhas dos assuntos das faixas são sempre ousados. Em “Eu vou” tocam no assunto religião, aproximam fé e diversos assuntos ou situações mundanas de uma maneira que te levam a refletir, a questionar sua própria fé, seja você religioso ou não.

Djonga tem inúmeras rimas sobre religião, mas essas  em particular trazem a tona o velho debate da religião e da ciência. Embora essas duas áreas discutam problemas e falem de coisas totalmente diferentes, não é incomum que religiosos questionem cientistas ou vice e versa. Mas aqui o debate talvez seja mais sutil, que a tecnologia, e consequentemente a ciência, tem nos feito afastar das pessoas, da nossa família e da religião, e quando digo religião é mais num sentido de ancestralidade, de valores e tradições.

Djonga não é deus, mas talvez se continuarmos a ouvir o mineiro possamos nos reconectar ao nosso lado religioso.


Sain em “Intro – Slow Flow”

Sigo escrevendo por linhas tortas minhas rimas tortas
Preciso de umas férias e uma horta

Esse moleque é uma das maiores bençãos da cena. Sain tem uma sensibilidade nas produções e nas rimas que é única, uma paixão pela cultura que me lembra muito Mac Miller. E já faz algum tempo que ele tem traçado uma trajetória muito bacana e sincera. Ele não apenas o filho do D2, como alguns ainda insistem em ressaltar, ele é muito mais do que isso, é um MC e produtor completo.

Capa do novo disco do Sain

A expectativa pelo disco Slow Flow é grande e essa faixa de introdução deixou aquele gostinho de quero mais. Dentre as diversas linhas espertas, o próprio MC se descreve de maneira precisa. Sain não precisa seguir os caminhos tradicionais, não precisa rimar como os outros, ele deixa a vida, podemos assim dizer, levá-lo para o próximo verso, ele deixa os graves ditarem um ritmo e ele segue esse ritmo no seu tempo. Mas no fim, o que ele quer mesmo é curtição, como um bom carioca que é.

Se tem Sain ou Pirâmide no som, eu deixo tocar com a certeza que será uma ótima experiência.


É isso por enquanto, logo mais chegamos com mais algumas Linhas Soltas. Até.

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