Por João Victor Medeiros

No dia primeiro de abril de 2019, o rapper Sant anunciou aposentadoria através do seu Instagram pessoal. No pequeno vídeo divulgado, ele explica que já estava planejando essa retirada há um certo tempo e que aquele comunicado só existia como uma dívida de gratidão em relação aos fãs. Também comunicou que os últimos lançamentos seriam participações já prometidas com outros artistas.

No entanto, na última sexta-feira (16) o EP “Fazendo Arte” chegou às ruas e as plataformas digitais, no que não sabíamos ser um último adeus ou um retorno de fato do rapper à cena. Sant bateu um papo exclusivo com o Raplogia sobre sua decisão em parar, o novo lançamento e seus próximos passos.

RAPLOGIA: Porque a decisão em parar?

SANT: Se tornou uma parada mais delicada do que eu imaginava porque quando se externa isso você fica a mercê do alheio. Não dá pra cobrar entendimento de outras pessoas. Eu sou um cara meio duro, minha mulher me critica. Fazendo autocrítica eu poderia ter buscado um caminho do meio e buscar uma parada sem largar, mas não seria eu. Pra mim a vida é arte e se auto-expressar é ser um artista. Pra me manter vivo e me ver como artista eu preciso ter minha auto-expressão e nesses últimos dois anos eu não tava muito me reconhecendo. No momento era um plano, “vocês vão me ver lá com os cara sem ser os cara” – eu falava com meus amigos. Só que isso aí abriu pra outros lados: ganhei mídia, espaço, grana, reconhecimento, mas foi muito custoso. Porque esse mercado proporciona pra gente muita doença, mentalmente, espiritualmente. A Graça da Garça de andar pela sujeira e não se sujar. Não consegui mesmo. 

Parar de fazer rap pra mim não é parar de escrever, de gravar, é o universo que contempla mesmo. Engrenagens do bagulho. Quando eu falei “parar de fazer rap” era porque eu estaria fora dessa indústria e lógica mercadológica. Foi bom pra mim e eu não sei realmente  se estou pronto pra voltar.

R: Você sentiu que estavam mais aplaudindo suas dores do que se identificando com elas?

S: Eu passei dois anos da minha vida fazendo rap pedindo socorro e vagabundo aplaudindo e pagando show. Eu clamando por ajuda, ninguém queria saber se eu tava bem. “O que separa os homens dos meninos” eu falo muito de minha infância,, do começo de minha adolescência. Ali eu senti que rolou mais identificaçao do que a galera num zoológico. Aí eu senti que precisava fazer esse disco chegar em mais pessoas, comecei a trabalhar nas participações, gritar meu nome aos quatro cantos. A partir dali eu comecei a me sentir como um personagem no jogo de cada um. Me colocaram num pedestal, ou numa vitrine e ficaram nessa de aplaudir (as dores) ou cobrar ou de ficar só num zoológico mesmo jogando comida… E isso aí pra mim não vale. Não paga minha conta mental, espiritual e muito menos minha financeira.

R: Esse desconforto ficou nítido naquele vídeo do Poesia Acústica no Multishow.

S: Os amigos falaram isso esses dias. Gravamos um clipe com Xaga de uma música que eu participo no disco dele e falaram: “Qual foi, tu ficou alongando lá naquele bagulho”. Lógico, mano! Monte de papo furado, acha que eu ia ficar participando desses papo furado? (Risos).

LP Beatz e Sant | Foto: @eliasmast

R: O que você fez além de arte durante essa aposentadoria?

S: Eu vivi muito de arte. Me perguntaram se eu não ia me arrepender. Eu vivo essa porra desde os meus 15 anos, eu não tenho rabo preso com nada. Durante essa aposentadoria foi o momento que eu mais fui isso. Eu fui na casa do LP, fiquei produzindo algumas coisas do Angola, do Bukola, pensando nas coisas. Eu não cogito a possibilidade de eu ficar fora disso. Fiquei longe. Hoje a menina falou (em uma postagem da ODB no Twitter): “Os boletos vencem” e eu pensei que se eu precisasse de dinheiro eu não tava na arte não. Isso mostra que ainda não tô recuperado, que eu me importo mais do que devia, me desgasto mais do que devia. E a ODB mesmo sabendo disso, eles têm que dar RT no bagulho porque é a posição deles ali e pá.

R: Tipo aquele episódio de Atlanta que o Paper Boi encontra um maluco que faz vlogs.

S: Exatamente, o cara tem que tá fazendo aquilo ali. 

R: Mas o que você ficou fazendo de fato? Assistindo filme, cuidando da horta?

S: Ah, perdão, mas isso também tem a ver com arte. Minha casa tá em reforma, tá ligado? Eu tô cuidando da casa aqui, indo de degrau em degrau. Eu voltei a ver muito filme também. Eu tava muito na onda de série e voltei a ver filme.

R: O que você costuma assistir?

S: Nesse momento tô vendo muita coisa que o LP tá vendo. O filme do Malcolm X com Denzel Washington eu vi umas duas vezes, a série Martin do Martin Lawrence… Living Single, da Queen Latifah, a série que o Friends embranqueceu. Muito foda também. Living Colors, daqueles irmãos que fizeram As Branquelas. Tô consumindo mais essas parada. entretenimento preto. Eu voltei a ver Sociedade dos Poetas Mortos, Olhos que condenam, 7 anos no Tibet

R: O que você achou de Olhos Que Condenam? Teve gente que preferiu não assistir

S: Eu acho que é meio covardia você optar por não assistir, tá ligado? É igual você ouvir o rap das antiga, né mano? Se você ouvir dois, três discos das antiga, duvido, D-U-V-I-D-O que tu não vai ficar com cara fechada! Vai ficar uma semana sem sorrir, mas é necessário filho, tem que ouvir, tem que ver. Minha mulher é branca, não conseguiu ver. Pediu pra eu ver longe dela.

LP Beatz e Sant | Foto: @eliasmast

R: Eu gostei que o EP é tanto do Sant quanto do LP

S: Irmão, o disco se pá é mais do LP do que do Sant. Ele criou o conceito inteiro do bagulho, eu só dei um pouco da direção musical, só aquele tapa mesmo. O LP é o pilar fundamental pra eu não me perder, se não eu já tinha até me matado.

R: Achei curioso o disco não terminar com um verso seu.

S: O Mac estar no disco era imprescindível. Precisava muito dele, não queríamos participação alguma se não fosse a dele. Na nossa busca de encaixar as peças e errar menos, esse mano tá ali. 

R: Quais seriam essas peças?

S:  Com base no que acredito, as coisas são cíclicas, tá ligado? São quase 10 anos de caminhada pra hoje a gente olhar pra cada erro, cada acerto e dizer que tem a ver. Não são coisas específicas. Na minha concepção foi o tempo.

R: E o tempo é um conceito muito importante pra você, né?

S: Pra caramba, porque eu sinto que eu vivo num outro tempo. Eu vivi umas parada fora de tempo. Existe o tempo universal das coisas mas dentro do meu tempo assim mesmo é um turbilhão de parada.

LP Beatz e Sant | Foto: @eliasmast

R: Qual foi o melhor dia que você viveu durante esse período?

S: Por mais engraçado que seja – porque vagabundo fala de forma meio pejorativa – mas o melhor momento mesmo foi quando os amigos mais próximos começaram a falar que eu tava engordando. O hip hop que me trouxe a ideia de vegetarianismo, mas eu sempre me importei com um monte de outras coisas e sempre dormi mal e comi mal. Aí quando eu joguei pro alto, eu comecei a me olhar e me sentir mais bonito, deixar meu cabelo crescer. Tô querendo cultivar as minhas coisas. Esse foi meu melhor momento e que eu tenho muito medo de perder.

R: Um bom disco, um bom livro e um bom vinho para curtir num dia de sol?

S: É legal ser nacional, né? Já sei! Mas infelizmente vocês não vão encontrar, pique o do Marecha. O disco do Angola, Angola de Corpo e Alma, que infelizmente saiu do YouTube. (Por questões burocráticas). Mas nós estamos trabalhando e fazendo uma versão de luxo desse disco. “Rico paga psicólogo, pobre vai pra igreja”. Esse disco é foda. 

R: Mas e um disco que a galera possa acessar?

S: Boogie Naipe, do Mano Brown. Eu vou morrer falando que ouvi o primeiro disco do Mano Brown no momento que ele saiu.

Um livro: Negras raízes do Alex Haley. Faz a gente pensar um pouco mais sobre a nossa história antes da nossa história ser interrompida. A escravização foi um interrupção histórica, ela não faz parte da nossa história.

Se tu ouviu um Boogie Naipe, aí tu já como, tá lendo Negras Raízes pa… Vou te falar legal que vai ser o Cantina da Serra mesmo.

R: Pode ser um suco, uma vitamina?

S: É, entendeu mano. Olha só: quando eu fumava um baseado eu realmente tinha mais isso, eu sou mais adepto ao fumo do que do álcool. Eu passei os últimos seis meses de fumo ali fumando umas parada bacana, tá ligado? Mas a bebida, nós bebíamos o que tiver aí, o coro come. Então as vezes é melhor nem beber um vinho mesmo, cê vai beber um Cantina então beba uma vitamina mesmo, um suco. Uma limonada naquele pique tranquilão e pa, desintoxica, é o bicho.

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