Nesse último sábado, 11 de maio, colamos no Sesc Pompeia para conferir o show do Veterano, o segundo trabalho solo do Nego Gallo que tem sido muito bem recebido pelas críticas, inclusive a nossa. Com uma introdução breve, o show já começou com “Onde há fogo, há fumaça”, com um Nego animado ao lado de DOISTON, Mc de fortaleza, Diomedes Chinaski e Don L, seu xapa de longa caminhada desde o Costa a Costa.

E nisso rolou de tudo, Nego desceu no público pra dançar, DOISTON cantando e mostrando que Fortal tá aí presente no rap, o público cantando “No meu nome” em coro. E como esperado, ao juntar o Nego e o Don no palco, rolou “Enquanto não vim”, clássico do Costa a Costa.

O show fechou com “O bagui virou”, com uma banca gigante no palco e sem bis. E nem precisava, pois o veterano mostrou que tá no jogo e mais jovem do que nunca como, você pode conferir no papo a seguir.

 

Tem que entender que é uma outra juventude, um outro país, a abertura que a gente teve com o governo Lula de acesso a tecnologia foi o que possibilitou vários malucos aprender a fazer beat. A mãe comprava geladeira, comprava fogão, sei lá, maquina de lavar, mas também comprou a desgraça do computador pro menino, e o cara aprendeu a produzir lá no FL, e isso mudou uma geração cara, isso é hip hop pra caralho. RAP é tecnologia, entendeu? A gente tem que lutar pra ter tecnologia na favela, pra ter os melhores celula

 

Gallo, como que é experiência de tá fazendo esse show, esse primeiro disco depois de estar há tanto tempo no rap? Como que tá sendo isso acontecer agora, mano?

Posso dizer que é muito novo, porque assim, reconheço muitos dos meus irmãos e talz. E vir com um disco, vim com o disco pra minha cidade, e ai você percebe os aspectos que existem em outras pessoas que se envolvem: Léo Grijó na pós produção, Don L pensando em toda a questão da arte, André Maleronka pensando em toda a questão da carreira, saca? Esse trampo representa não só pra mim, mas pra Doiston, Coro MC, pra “Star” *, uma possibilidade impar de fazer coisas legais, de trazer nossa sonoridade, trazer nosso sotaque. Não diminuindo o sotaque de ninguém, mas essa possibilidade de trazer o nosso e de participarmos dessa festa também A gente não pode negar que, sem alegria, sem a possibilidade de encontro, sem a possibilidade dessa troca, de olhar no olho, da gente poder se conhecer, fica muito difícil acreditar na cultura do rap,

Aqui ficou mais fácil, sentar entre meus amigos, pessoas que eu conheço tipo das primeiras vezes que eu vim a São Paulo fazer virada cultural, a gente tem uma amizade de pô, dez anos, sabe? Então a gente não tá dividindo a cena, a gente também tá unindo, não precisamos desse sentimento. A gente deseja pro Raplogia crescimento e prosperidade, é isso que a gente deseja pra vocês, a gente precisa de vocês, porque é importante ter veículos como vocês, que falam pra quem tá na idade de vocês, eu sou veterano nessa parada e fico grato, fico honrando de estar conversando com vocês.

Nego Gallo e Don L durante show no Sesc Pompeia. Foto: Marcola

Nego Gallo e Don L durante show no Sesc Pompeia. Foto: Marcola

A gente ficou felizão que vocês cantaram músicas do Costa Costa …

Tu vê, acertei tudinho, eu não errei uma música, eu sou de esquecer letra no palco (risos)

Ah, mas já fazem 12 anos que o disco saiu, né?

Mas eu errei durante os 12 anos (risos). Toda vez que tocava, os caras no palco falavam: “Canta tua parte”, e eu respondia: “Eu não sei, velho” (risos). Mas foi bacana poder estar com o Don, que é meu amigo e meu irmão, artista que aprendi a respeitar por ver o nível de entrega dele. Então tipo, é importante fazer esse tipo de referência a ele, a Diomedes, a Vandal, ao Baco, saca?

 

Qual seria seu próximo passo? Você planeja fazer algum clipe pro disco?

A gente vai gravar um clipe, vamos gravar também noManos e Minas”, e na perspectiva do “Manos e Minas” não vai ser possível colar todo mundo. Doiston volta pra Fortaleza, Coro permanece em São Paulo comigo e Edgar também. A busca agora é fazer dessa mixtape a realidade mesmo do país que a gente tá, que possamos ir nos lugares ,fazer os shows, movimentar uma grana, por que não? Isso tem um reflexo grande de onde a gente vem, tá ligado? Ajuda outras pessoas a sonharem também..

Sim, porque não é vergonha nenhuma fazer dinheiro mano, é seu corre, tem seu tempo, dedicação …

Exatamente! Tudo que a gente tá pensando – da blusa ao boné, os colares Confortal – eu quero entregar algo que você vai comprar, porque sei lá, sabe aquela coisa dura, sabe? Então, mano, isso precisa ter uma história, tem pessoas que estão envolvidas nesse negócio, todo mundo vivendo como vocês estão, então é legal a gente começar a pensar como a gente vai dialogar com essa parada da grana. Eu prefiro hoje muito mais consumir o que o Raplogia trás, tá ligado? Do que ter uma relação com outros sites. Eu posso fazer opções até do que eu vou consumir, e porque de consumir tais coisas, saca? Don tá nesse caminho, é importante as pessoas irem lá, se inscreverem lá no email dele, e acompanharem esse processo. A gente tá dialogando com todo mundo, porque acho que é importante ter todo mundo vivendo isso.

Nego Gallo e sua banca em show no Sesc Pompeia. Foto: Marcola

Foi muito louco você ter falado desse lance, porque a maioria das resenhas que eu to lendo sobre seu disco tem dito que ele é muito coração, então a gente percebe que é uma coisa muito real, tá ligado? Eu acho que ainda é revolucionário nessa cena você fazer algo que ama mesmo, acredita e vive

Assim, eu tava vivendo numa favela durante o processo de gravação e durante 5 meses, 5 pessoas morreram e uma família acabou. Eu tava querendo cantar coisas diferentes daquilo que eu tava vendo mês a mês. A gente vive num momento diferente de Fortaleza do qual estamos adaptados, que disse não pra Bolsonaro. A gente vem de uma Fortaleza que a juventude tá nas ruas buscando dialogar, se entender, se aproximar, viver de música, de arte, do designer gráfico ao cara que é videomaker, tá ligado? Do beatmaker … e eu sei que é igualzinho aqui, irmão! Então assim, no que a gente puder compor, estar junto, por que não No que a gente tem de diferença a gente tem de diferença e pronto, o mundo segue.

Nego Gallo. Foto: Marcola

Nego Gallo. Foto: Marcola

Mas você acha que, de modo geral, o rap precisa mais disso ainda, de unir esses outros lugares, assim como São Paulo/Nordeste, fazendo músicas mais nacionais e globais?

Lógico! A gente vem de um país que a galera diz assim: “Aqui é Brasil!”. Parece que pegaram do sul ao norte do país e disseram: “Vocês são todos brasileiros”. Não pegaram nossas diferenças regionais, nossas influências a partir dessas regiões, nós temos “Brasils”.

E agora a riqueza desses “Brasils” só pode ser fomentada por quem acredita que isso é riqueza. Enquanto a gente acreditar que a gente não é capaz, enquanto a gente achar que vamos ter que dialogar com as grandes marcas, “vamos dialogar sim” mas vamos dialogar também com as pequenas marcas, aquelas que são do bairro, pra gente tentar entender como a gente pode dar esse valor que essa marca tem por falar da nossa cidade, por trazer a nossa verdade. Tu tá vestindo uma peita parceiro, ela tá falando alguma coisa pra você, saca? Tá botando aquilo que você acredita. A gente tem que voltar a resgatar isso mano, o país precisa disso, tá ligado? Dia 15 eu to na rua veio, do meu jeito, no meu style, mas eu vou, eu faço parte disso, não adianta eu simplesmente virar as costas e dizer que tudo vai se resolver. Não, se eu quero ser exposto, ter sucesso na vida, eu preciso de alguém que gerencie esse país pra que eu tenha sucesso.

Então, pra mim, que me ajude a ganhar, o que eu tenho que ganhar. E aí o que eu vou ganhar, o que eu vou fazer, diz respeito só a mim, tem que pensar o indivíduo nesse processo. Não sei se o que vai te fazer feliz é carro, que você vai gastar gasolina e vai pagar um IPVA alto, de repente eu não sei se seria mais louco você investir isso numa viajem, onde você pudesse ganhar conhecimento, investir na sua faculdade, não sei, faça as escolhas mas que elas sejam sinceras.

Faça algo que vai agregar né, somar pra você.

É, ai não tem julgamento viu,? Se você foi lá e acreditou que o Bolsonaro vai lhe ajudar ,velho, parabéns! Mas então eu sinto muito. Mas se você tá como eu, acredita que como eu outras pessoas que estão aqui hoje, a gente tem que construir uma outra opção, bem vindo.. E não é bem vindo tipo “deu tudo certo” não, é bem vindo ao trabalho, ele começou agora.

E dá mais trabalho estar do lado certo as vezes, né mano? Porque a gente tem que tentar provar um monte de coisa que…

Mas é isso que vou levar pra vida, velho. Quando eu parar de cantar eu quero lembrar desses momentos com vocês, viver hoje e, caralho, os moleques tão hoje com 40/50 anos e viraram um país, assim o que eu sempre sonhei poder ver, tá ligado? Não é aquela coisa mil maravilhas, não. Mudaram um país, agora a gente se discute mesmo, agora a gente quer saber como melhora, como é que a gente cresce.

E eu acho que é bom que as vezes as coisas se escancarem dessa forma. Fazendo um paralelo entre a eleição e “Sulícidio”, tá ligado? A eleição veio pra escancarar uma par de coisa e o “Sulícidio” também …

Tem que entender que é uma outra juventude, um outro país, a abertura que a gente teve com o governo Lula de acesso a tecnologia foi o que possibilitou vários malucos aprender a fazer beat. A mãe comprava geladeira, comprava fogão, sei lá, maquina de lavar, mas também comprou a desgraça do computador pro menino, e o cara aprendeu a produzir lá no FL, e isso mudou uma geração cara, isso é hip hop pra caralho. rap, é tecnologia, entendeu? A gente tem que lutar pra ter tecnologia na favela, pra ter os melhores celulares, os melhores computadores, pra poder trabalhar no pau a pau, porque são novas… novo momento de país. É um outro tipo de relação de comércio, outras profissões e um futuro pra construir. Se a gente estiver junto, pode ser que a gente consiga colocar alguém lá na frente que de repente entenda que, pô, vai fazer bons negócios pro país, fazendo bons negócios esses caras vão crescer, e ai vai ficar bacana. Enquanto a isso a gente tá aí pra trabalhar.

E a único bagulho que os boy tem que a gente não tem é o dinheiro, né? Porque a gente tem capacidade igual, só não tem a oportunidade igual. Então o que você falou ai do FL é a mesma coisa dos caras em NY roubando loja pra pegar MPC e produzir …

A gente vive esses movimentos que são intensos, são convulsões que toda a sociedade tem, e é preciso entender que é cíclico, que as pessoas vão se deparar ao longo de séculos e anos com essas mesmas lutas. A gente só ta fazendo o nosso papel nesse momento, se fazendo presente aqui. Outras pessoas viram, é no seu tempo, é no seu momento, quando se dá a sua condição. Ninguém tá pedindo pra se pegar em arma, arma a gente não vai pegar, a gente tem que pegar em livro,a  gente vai pegar em livro, vai conhecer da técnica, a gente vai explorar as maneiras de fazer.

E é pra gente enteder que o Estado está lavando as mãos, tá ligado? O cara tá falando assim “Eu não vou resolver o problema da segurança, toma uma arma ai, você mesmo resolve … “

E sobre turnê, pretende fazer mais shows?

Veterano tem uma resposta que é um sonho meu de dar algo aos meus irmãos, de possibilitar, nesse primeiro momento, de estar indo aos lugares. E aí a gente quer ir no Brasil todo, tá ligado? Fazer o som que nem vocês viram lá (no show) e possibilitar uma mudança real na vida dos caras, que isso aqui é rap e rap trata de dinheiro também, a gente quer dizer pros caras da minha quebrada que é o seguinte irmão: “Você pode sonhar, virar tua vida, mudar tua vida”.

E pô, tu tá falando de comprar carrão e o caramba a 4. Não, eu quero que você tenha qualidade de vida, mano, quero que você veja seus irmãos vivendo bem, com os filhos bem, fazendo seus sonhos e não trancando faculdade.

Nego Gallo. Foto: Marcola

Nego Gallo. Foto: Marcola

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Marco Aurélio

Marco Aurélio

Fotografo shows sujos onde frequento, escrevo rimas que nunca vou lançar e faço pautas sobre coisas que vocês (ainda) não conhecem.